por Luiz Adriano Borges
A relação da igreja católica com as festas juninas vem da
idade média. Pelo que conheço (e não conheço muito), a festa em comemoração à
São João já era bem conhecida no século VI.
Ao meu ver, o grande problema que a Igreja passou ao longo
dos séculos foi a tentativa de incorporação de rituais e festas pagãos ao
ritual na tentativa de fazer prosélitos à fé cristã.
Importante perceber que a igreja inicial, antes de se tornar
oficial pelo imperador Constantino, era uma comunidade perseguida, e não tinha
absolutamente nenhum interesse em se apropriar de elementos exteriores. Era uma
comunidade voltada para a fé contida nos escritos dos apóstolos.
Porém, a medida em que se torna um instrumento do estado, a igreja começa a ser influenciada demais pelo "mundo", buscando nele seus referenciais, e não mais nas escrituras. A sede com que os padres buscavam arrebanhar novos fiéis, fez com que eles se utilizassem de práticas que uma verdadeira ortodoxia não aceitaria. A relação com os santos é uma delas, já que em um mundo paganizado, a infinidade de deuses ainda permeava a mentalidade popular. Então, era preciso transformar os deuses em seres que cabiam no ideário cristão ou, por outro lado, endemonizá-los. A imagem que temos do Diabo surgiu na Idade Média, quando a imagem do deus mitra foi tornada oficial como a imagem de Satanás.
Em uma transformação da cultura popular em cultura oficial da igreja católica, muitas festas foram mudadas para se adequarem ao ideário católico, como foi a festa de São João.
Mesmo assim haviam aqueles padres que criticavam e procuravam extirpar os rituais pagãos, como foi o caso de São Elói, que no século VII denunciou o insucesso dos pregadores no combate a práticas pagãs enraizadas nos costumes dos leigos.
"Que ninguém, nas calendas de janeiro, faça coisas abomináveis e
ridículas, como disfarçar-se de veado ou cervo, manter-se à mesa
durante a noite toda, nem se entregue aos excessos do vinho; que
ninguém acredite nas adivinhadoras e nem se sente para ouvir
seus cantos, porque são obras diabólicas; que ninguém, na Festa
de São João ou em outras festas dos santos, por ocasião dos
solstícios, pratiquem danças ou saltos, carolas e cantos diabólicos;
que ninguém invoque o nome dos demônios, como Netuno, Plutão,
Diana, Minerva, Geniscus, ou qualquer outra inépcia do mesmo
gênero..."
(VitaEligii, liberII, cap.XV.Em: J.P. MIGNE.Patrologiae Latinae, Tomus LXXXVII, col 528-529.).
As festividades apontadas, enraizadas nos costumes das populações, resistiram ao processo de cristianização, sobrevivendo pela via do sincretismo. Neste complexo quadro de apropriações e amálgamas, o próprio Cristianismo incorporou, por vezes, tradições as quais seus promotores desejaram extirpar, e, entre elas, algumas relacionadas com o riso ritual. (José Rivair Macedo. RISO RITUAL, CULTOS PAGÃOS E MORAL CRISTÃ NA ALTA IDADE MÉDIA, Boletim do CPA, Campinas, nº 4, jul./dez. 1997).
Esta mentalidade fica clara, por exemplo, na carta do papa Gregório a Agostinho em 601 d.C: "e “[...] os templos dos ídolos não devem ser destruídos em hipótese alguma; os ídolos devem ser destruídos e os templos convertidos em igrejas, e como eles tem o costume de sacrificar muitos bois a demônios, deixe
que alguma outra solenidade o substitua em seu lugar.” (BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna. Tradução Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 1989., p. 252).
Quem estuda a história da igreja sabe das inúmeras tentativas de apropriação da cultura popular pela igreja católica (das quais não acredito que o natal seja uma ver minha postagem sobre a origem do dia de natal). Entretanto, alguns têm percebido que o mesmo ocorre nos dias de hoje; mesmo no universo evangélico. Hoje em dia, por incrível que parece, já que o evangelicalismo pretende se basear em verdades puramente bíblicas, também continuamos a ver práticas externas à fé cristã serem absorvidas pelos cristãos. Frank Viola em um livro pertinente aponta: "o cristianismo moderno agregou um monte de tradições humanamente concebidas que acabaram suprimindo a direção funcional, real e vivificante de Jesus Cristo enquanto Cabeça de Sua Igreja." (Cristianismo Pagão). Quando adotamos sistemas mundanos de gerenciamento da igreja, e inclusive festas estamos adotando também o modelo do mundo; e este é decaído.
Se tentamos atrair pessoas do "mundo" utilizando práticas do mundo, estamos apenas repetindo o que os católicos medievais fizeram.
Não digo que devemos viver fora do mundo, mas temos que buscar não sermos influenciados pelas coisas do mundo. Se tentamos converter alguém a fé cristã, através de estratégias humanas, não estamos procurando converter TODO o ser humano, mas sim sua carcaça exterior, ou sua mente. E este mente precisa ser transformada, e não adaptada. Jesus não disse nos disse: "Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de
toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças"? E o que respondemos: sim, vou amar a Deus de acordo com minhas práticas.
Paulo nos deixou algo que devia ser nossa baliza para viver no mundo: "E não sede conformados com este mundo, mas sede
transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual
seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus." (Romanos 12.2). Ele não disse para sairmos do mundo, mas pra vivermos nesse mundo, mas sendo transformados em direção ao Pai.
Neste período de festas juninas é preciso pensar nas práticas que temos introduzido em nossa fé. Não chego a ser intransigente e dizer que não devemos participar de festas deste tipo. O próprio Paulo foi admoestado pelo Senhor que não é o que entra na nossa boca que nos torna impuro, mas aquilo que SAI. E podemos adaptar para "não é o que entra na nossa cabeça que nos torna impuros, mas o que deixamos criar raízes." Portanto, façamos uma reflexão não somente sobre antigas práticas pagãs que fazem parte do cristianismo popular, mas também sobre aqueles elementos que consideramos fazerem parte de uma intelectualidade evangélica, mas que mesmo assim pode ser extremamente destrutiva de nossa relação com Deus. É um convite a reflexão de todos nós.
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