Por quê os ímpios prosperam?
(exposição apresentada no Curso de Férias da ABU-SUL, julho de 2003)
Jeremias lamentando a queda de Jerusalém. Por Rembrandt, 1630.
Jeremias neste capítulo faz um importante questionamento, que alguns de nós já devemos ter feito em algum ponto da nossa vida. Vamos ler o capítulo.
Jeremias 12.1-17
1. “Tu
és justo, Senhor, quando apresento uma causa diante de ti. Contudo, eu gostaria de
discutir contigo sobre a tua justiça. Por que o caminho dos ímpios
prospera? Por que todos os traidores vivem sem problemas?
2. Tu
os plantaste, e eles criaram raízes; crescem e dão fruto. Tu estás sempre perto
dos seus lábios, mas longe dos seus corações [rins, na Almeida corrigida e
revisada fiel].
3. Tu,
porém, me conheces, Senhor; tu me vês e provas a minha atitude para contigo.
Arranca os ímpios como a ovelhas destinadas ao matadouro! Reserva-os para o dia
da matança!
4. Até
quando a terra ficará de luto e a relva de todo o campo estará seca? Perecem os
animais e as aves por causa da maldade dos que habitam nesta terra, pois eles
disseram: ‘Ele não verá o fim que nos espera’.
Resposta
de Deus:
5. "Se
você correu com homens e eles o cansaram, como poderá competir com cavalos? Se
você tropeça em terreno seguro, o que fará nos matagais junto ao Jordão?
6. Até
mesmo os seus irmãos e a sua própria família traíram você e o perseguem aos
gritos. Não confie neles, mesmo quando lhe dizem coisas boas.
7. "Abandonei
a minha família, deixei a minha propriedade e entreguei aquela a quem amo nas
mãos dos seus inimigos.
8. O
povo de minha propriedade tornou-se para mim como um leão na floresta. Ele ruge
contra mim, por isso eu o odeio.
9. O
povo de minha propriedade tornou-se para mim como uma toca de hiena, sobre
pairam a qual as aves de rapina. Reúnam todos os animais selvagens; tragam-nos
para o banquete.
10. A
minha vinha foi destruída por muitos pastores, os quais pisotearam a minha
propriedade. Eles tornaram a minha preciosa propriedade num deserto devastado.
11. Fizeram
dela uma terra devastada; e devastada ela pranteia diante de mim. A terra toda
foi devastada, mas não há quem se importe com isso.
12. Destruidores
vieram sobre todas as planícies do deserto, pois a espada do Senhor devora esta
terra de uma extremidade à outra; ninguém está seguro.
13. Semearam
trigo, mas colheram espinhos; cansaram-se de trabalhar para nada produzir.
Estão desapontados com a colheita por causa do fogo da ira do Senhor. "
14. Assim
diz o Senhor a respeito de todos os meus vizinhos, as nações ímpias que se
apoderam da herança que dei a Israel, meu povo: "Eu os arrancarei da sua
terra, e arrancarei Judá do meio deles.
15. Mas,
depois de arrancá-los, terei compaixão de novo e os farei voltar, cada um à sua
propriedade e à sua terra.
16. E
se aprenderem a comportar-se como meu povo, e jurarem pelo nome do Senhor,
dizendo: ‘Juro pelo nome do Senhor’ — como antes ensinaram o meu povo a jurar
por Baal — então eles serão estabelecidos no meio do meu povo.
17. Mas se não me
ouvirem, eu arrancarei completamente aquela nação e a destruirei", declara
o Senhor.”
Primeiramente, devemos atentar para a importância de levar nossa petição à Deus. A
prática da lectio divina, nos faz parar, respirar, e levar nossos pensamentos a
Deus. É um ato de ação. Mas também é um ato de parar. À medida que expomos
nossos pensamentos a Deus (mesmo Ele já conhecendo tudo), estamos desnudando nossa alma, e colocando as
coisas sob uma perspectiva da eternidade. É como se, enquanto estamos
pronunciando as palavras, elas já assumissem um novo significado e muitas vezes
perdessem seu impacto inicial. Nossos anseios
se tornam pequenos diante de um Deus infinito, que tentamos colocar dentro de
nossas compreensões finitas. Mas Deus é paciente, e responde a seus filhos...
Contexto histórico:
O
reformador dos tempos de Jeremias, o rei Josias, era neto de um dos piores reis
que a nação judia teve no Antigo Testamento, Manassés. E seu pai também não
ficava atrás. Ele teria tudo para continuar a herança maldita de seus pais. Mas
não! Ele confiou em Deus e iniciou uma grande reforma da religião dos judeus.
Vejamos um pouco do contexto em que viveu nosso profeta.
Apertem
o cinto de três pontas. Vamos viajar para 2600 anos atrás.
Jeremias
nasceu no final do reinado de Manassés, por volta de 607 a.C. Manassés foi o
pior rei que Israel já teve. A sua história está contada em 2 Rs 21. Ele
começou a reinar com 12 anos em Jerusalém, a capital do reino do sul, Judá, e
ficou por 55 anos no poder. (parêntesis: a Bíblia não está em ordem
cronológica/ algumas vezes é interessante tentar compreende-la em ordem dos
acontecimentos. Para tanto, sugiro a bíblia NVI em ordem cronológica, da
editora Vida). Para entendermos o contexto de distorção que Jerusalém passava
no tempo de Jeremias, convido vocês a ler 2 Rs 21.1-17:
1. “Manassés
tinha doze anos de idade quando começou a reinar, e reinou cinqüenta e cinco
anos em Jerusalém. O nome de sua mãe era Hefzibá.
2. Ele
fez o que o Senhor reprova, imitando as práticas detestáveis das nações que o
Senhor havia expulsado de diante dos israelitas.
3. Reconstruiu
os altares idólatras que seu pai Ezequias havia demolido; também ergueu altares
para Baal e fez um poste sagrado, como fizera Acabe, rei de Israel. Inclinou-se
diante de todos os exércitos celestes e lhes prestou culto.
4. Construiu
altares no templo do Senhor, do qual este tinha dito: "Em Jerusalém porei
meu nome".
5. Nos
dois pátios do templo do Senhor ele construiu altares para todos os exércitos
celestes.
6. Chegou
a queimar o próprio filho em sacrifício, praticou feitiçaria e adivinhação e
consultou médiuns e espíritas. Fez o que o Senhor reprova, provocando-o à ira.
7. Ele
tomou o poste sagrado que havia feito e o pôs no templo, do qual o Senhor tinha
dito a Davi e a seu filho Salomão: "Neste templo e em Jerusalém, que
escolhi dentre todas as tribos de Israel, porei meu nome para sempre.
8. Não
farei os pés dos israelitas andarem errantes novamente, longe da terra que dei
aos seus antepassados, se tão-somente tiverem o cuidado de fazer tudo o que
lhes ordenei e obedecer à toda a Lei que meu servo Moisés lhes deu".
9. Mas
o povo não quis ouvir. Manassés os desviou, a ponto de fazerem pior do que as
nações que o Senhor havia destruído diante dos israelitas.
10. E
o Senhor disse por meio dos seus servos, os profetas:
11. "Manassés,
rei de Judá, cometeu esses atos repugnantes. Agiu pior do que os amorreus que o
antecederam e também levou Judá a pecar com os ídolos que fizera.
12. Portanto,
assim diz o Senhor, o Deus de Israel: Causarei uma tal desgraça em Jerusalém e
em Judá que os ouvidos de quem ouvir a respeito ficarão zumbindo.
13. Estenderei
sobre Jerusalém o fio de medir utilizado contra Samaria e o fio de prumo usado
contra a família de Acabe. Limparei Jerusalém como se lava um prato, lavando-o
e virando-o de cabeça para baixo.
14. Abandonarei
o remanescente da minha herança e o entregarei nas mãos de seus inimigos. Serão
despojados e saqueados por todos os seus adversários,
15. pois
fizeram o que eu reprovo e me provocaram à ira, desde o dia em que seus
antepassados saíram do Egito até hoje".
Manassés também
derramou tanto sangue inocente que encheu Jerusalém de um lado a outro; além
disso levou Judá a cometer pecado, a fim de que fizessem o que o Senhor
reprova.
O templo de Jerusalém,
outrora esplendido sem, no entanto, nenhuma imagem de Deus, foi invadido por
mágicos e prostitutas. Ídolos em forma de animais e monstros profanavam o Lugar
Santo. Manassés arrastou o povo para dentro de um lamaçal muito mais podre do
que qualquer outro já visto no mundo: 2Reis 21:9 diz o seguinte: “[...]e
Manassés de tal modo os fez errar, que fizeram pior do que as nações que o
Senhor tinha destruído de diante dos filhos de Israel”.
No versículo 16, do capítulo que acabamos de ler,
conta-se que Manassés também derrubou sangue inocente. Aqui isto se refere não
somente a sacrifícios humanos, como provavelmente a martírio de profetas de
Deus. (Segundo tradição cristã, foi Manassés que mandou Isaias ser serrado ao
meio cf. Hb 11.37).
Deus fala pra Jeremias acerca do que
havia sido estabelecido por Manassés: este rei semeou a maldade e a idolatria,
e o povo foi seduzido a estes rituais. Ainda continuavam adorando a Deus, mas
como disse Jeremias na passagem que lemos, capítulo 12, versículo 2: “Tu estás
sempre perto dos seus lábios, mas longe dos seus corações”. No final deste
capítulo 12 que lemos, Deus fala para o profeta como o povo aprendeu a jurar
por Baal. Para o contexto que estamos estudando, é importante entender quem era
Baal.
Baal era um deus adorado pelos fenícios e
cananitas – esta última era a etnia dos babilônicos. Na babilônia este deus era
conhecido como Hadad. Como o deus da fertilidade – tanto humana como agrícola –
ele era imaginado como sentado em um boi, um símbolo de fertilidade e força.
As adorações de Baal
envolviam prostituição ritual e até mesmo sacrifícios de crianças (como o
próprio rei Manassés fez, como vimos).
Este deus tinha uma consorte, uma esposa: Aserá. Ela era a deusa da fertilidade e
da guerra, e era representada esculpida em um poste ou em uma árvore.
(Archaeological study bible, p. 346, nota em juízes 2.13). Esta era bem
conhecida dos judeus desde os tempos de Moisés. Em Deuteronômio estava proibido
erguer poste sagrado além do altar que construírem em honra do Senhor (Dt
16.21). Mas os judeus haviam se perdido tanto que juntaram a sua fé com a idolatria
e fundiram os cultos, fazendo de Aserá consorte de Yahweh. Era exatamente esse
tipo de idolatria que Jeremias estava tentando combater.
Portanto,
era isso que os 55 anos de governo de Manassés deixaram de herança: levaram
quase ao esquecimento da fé no verdadeiro Deus.
Quando
este rei morreu, seu filho Amom o sucedeu no trono. Ele continuou a fazer os
mesmos males, e foi assassinado.
O filho de Amom e neto de Manassés, Josias, começou a
governar com 8 anos. Este foi um grande reformador. Como belamente descreve
Eugene Peterson: “O jovem rei Josias foi um dos primeiros brotos a abrir
caminho através do betume negro da maldade.” (Animo, p. 58).
Aqui, a reviravolta acontece no templo outrora construído
por Salomão. Sem imagens de Deus. No santo dos santos, havia apenas a arca da aliança, para relembrar ao povo a
presença de Deus em seu meio e seus mandamentos. Mas o povo havia esquecido
desta aliança.
Em 2 Reis 22 podemos ver que Josias, desde o início de
seu governo, começou a fazer uma limpeza total no templo. Um encarregado dos
trabalhos, Hilquias, o sumo sacerdote, encontrou um livro antigo, provavelmente
em formato de pergaminho. Era o “livro da lei” (vs. 8), este título, no Pentateuco,
é usado para designar Deuteronômio (ver Dt 28.61). O livro de Deuteronômio
continha a forma do culto e o amor de Deus, apontando claramente o que era
certo e o que era errado. Este livro era para ser lido pelos reis de Israel e
Judá em anos anteriores, mas foi perdido pelo reino apóstata de Manassés, que
infringiu estas leis sistematicamente.
Ao
ler este livro da lei, foi como se um raio atingisse a consciência do rei
Josias. O que seus antepassados e o povo agora estavam fazendo? Quantos
desvios! A ira de Deus devia ser enorme. Portanto, Josias deu início a uma
grande reforma, não só no templo, mas nos costumes do povo.
Jeremias ajudou. Trezes anos depois de iniciada as
reformas de Josias, ele foi chamado por Deus (Jr 1.2), e iniciou sua pregação sobre
arrependimento, julgamento e restauração.
Porém,
a resposta ficou aquém. A Reforma foi superficial. A superstição foi curada e o
culto imoral foi banido, mas
Jeremias logo percebeu que a reforma fora apenas de fachada. Em Jeremias
11.9-13 lemos:
9.
Disse-me mais o SENHOR: Uma conspiração se achou entre os homens de Judá, entre
os habitantes de Jerusalém.
10.
Tornaram às maldades de seus primeiros pais, que não quiseram ouvir as minhas
palavras; e eles andaram após outros deuses para os servir; a casa de Israel e
a casa de Judá quebraram a minha aliança, que tinha feito com seus pais.
11.
Portanto assim diz o SENHOR: Eis que trarei mal sobre eles, de que não poderão
escapar; e clamarão a mim, mas eu não os ouvirei.
12.
Então irão as cidades de Judá e os habitantes de Jerusalém e clamarão aos deuses
a quem eles queimaram incenso; estes, porém, de nenhum modo os livrarão no
tempo do seu mal.
13.
Porque, segundo o número das tuas cidades, são os teus deuses, ó Judá! E,
segundo o número das ruas de Jerusalém, levantastes altares à impudência,
altares para queimardes incenso a Baal.”
Em
Jeremias 17.1-2 lê-se:
1. O
pecado de Judá está escrito com estilete de ferro, gravado com ponta de
diamante, nas tábuas dos seus corações e nas pontas dos seus altares [fazendo
uma referencia a como era esculpido ídolos.]
2. Os
filhos deles se lembram dos seus altares e dos postes de Aserá, ao lado das árvores verdejantes e sobre os montes
altos
Baal
e Aserá, exatamente aqueles a quem o próprio livro do deuterônio havia proibida
de ser adorados! Não podia ser mais claro o que era certo e como o culto a Deus
estava distorcido. E o livro da lei estava ali agora, disponível para todos
saberem que estavam errados.
Portanto, é nessa situação
toda que Jeremias coloca suas preocupações.
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