segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Jesus e os tributos romanos parte II

   A tese de que Jesus no texto Mc 12.13-17 esteja, na verdade, devolvendo a pergunta e, simultaneamente, ampliando a discussão é a que mais respaldo detém entre os pesquisadores. Ela se baseia no fato de que, entre a pergunta formulada (v.14) e a resposta propriamente dita (v.17), há uma inserção de dois versículos, em que é introduzida uma questão relacionada aos denários romanos (vv.15-16). A inserção é assim apresentada pelo texto:
v. 15: Ele, porém, conhecendo sua hipocrisia, disse: "Por que me pondes à prova? Trazei-me um denário para que o veja".
v. 16: Eles trouxeram. E ele disse:
"De quem é esta imagem e a inscrição?" Responderam-lhe: "De César".
   Que sentido teria esse pedido de Jesus pela apresentação de denários da parte dos seus adversários? A resposta usual vai no sentido de afirmar o seguinte: O emprego de denários romanos pelos próprios adversários não revela outra coisa senão a hipocrisia de sua própria pergunta.
   Ora, segundo consenso na pesquisa, o denário apresentado a Jesus era o denário imperial, moeda cunhada a mando do imperador Tibério e de generalização generalizada nas províncias do império. Na sua efígie era apresentada a face de Tibério, com a seguinta inscrição circunscrita:
Ti. CAESAR DIVI - AVG. F. AVGVSTVS, por extenso: TIBERIUS CESAR DIVI AUGUSTI FILIUS AUGUSTUS, ou seja: TIBÉRIO CÉSAR, AUGUSTO, FILHO DO DIVINO AUGUSTO.
   Considerando as leis dos judeus, sobretudo a proibição de fazer imagens e de adorar ídolos, o emprego de denários romanos por parte de fariseus e herodianos, adversários de Jesus, só podia representar um sacrílégio: o denário concedia a Tibério atributos divinos ("Augusto"), e o uso de imagens para o divino estava proibido entre os judeus (cf. Ex 20.2-6). Jesus, assim, desmascara seus adversários e a pergunta por eles formulada. Em primeiro lugar, por praticarem a idolatria. Em segundo lugar, por ficar evidente que quem carrega os próprios denários romanos em seu bolso e negocia com eles está dando assim, um testemunho inconfundível de que é também a favor da cobrança em forma de tributos. Dentro dessa linha de raciocínio, tudo se decide no fato de serem os fariseus e herodianos os que portam consigo as moedas e de representarem as moedas uma idolatria pública, mas aparentemente tolerada pelos adversários.

   Jesus é contrário ao pagamento de tributos aos romanos, mas defende sua tese com o recurso da ambivalência, sobretudo pelo pelo perigo que representava politicamente assumir algo assim como um "desobediência civil ao pagamento dos tributos".
   O objetivo real de Jesus, ao pedir um denário imperial, está claramente contido na formulação da pergunta: "De quem é esta imagem e a inscrição? Jesus está, pois, querendo tornar claro a questão da pertença da moeda. A imagem é de César, a inscrição de rosto refere-se a ele, a inscrição do verso também, logo, a moeda do denário é um bem seu. E unicamente isso que está em jogo aqui. E é isto que Jesus está procurando ressaltar: uma moeda cunhada a mando de alguém pertence a esse aguém.
   Assim, quais seriam as coisas que Jesus identifica como sendo de César no recurso da solicitação pelo denário? A resposta só pode ser uma: são as moedas dos denários.

   O denário tinha uma força simbólica muito forte no Império Romano. Ele simbolizava incialmente o poder político e econômico dos romanos, já que era, simultaneamente, instrumento da política imperial, cambial (era moeda oficial e parâmetro para o câmbio com outras moedas) e fiscal (era a moeda oficial para pagamento dos tributos) do império. Além disso, era insdicutivelmente também um símbolo religioso, pois concedia atributos divinos aos sobernos, o que retrata, sobretudo, o título de "Augusto" (= venerável).
   Se entendida sob esse pano de fundo, a proposta de Jesus assume uma compreensão mais profunda. O verbo que Jesus utiliza na resposta é o grego apodímodi, com o sentido de "devolver", diferente do verbo usado na pergunta pelos fariseus e herodianos dídome, significando "dar"/ "pagar". Assim "devolver" a César a sua moeda parece, pois, não ter outra intenção senão tirar da Palestina o mais expressivo símbolo da hegemonia do império.
   Outra coisa: por que Jesus, em sua resposta, faz referência a Deus, quando a pergunta de fariseus e herodianos referia-se exclusivamente a César?
   Havia uma visão divergente entre judeus e romanos acerca da legitimidade de arrecadação de impostos por parte do império. Para os romanos, o território conquistado era propriedade pública, do estado. Para o judaísmo, entretanto, a terra de Israel era de Deus. Assim, se questionava a legitimidade de os romanos se acharem senhores do povo judeu só por tê-los conquistado militarmente. Jesus está, pois, pleiteando diante dos seus adverários que seja devolvido a Deus aquilo que, segundo o testemunho biblíco, só a Ele pertence, ou seja, a sua terra e o seu povo.

Um comentário:

  1. Muito legal esse estudo. Acho que a resposta de Jesus nos faz também lembrar que nosso foco não deve ser no dinheiro, mas nas coisas de Deus. Hoje vivemos uma igreja que tende a esquecer que essa não deve ser nossa meta, e que as sementes que devemos plantar para colher não são aquelas de César, mas aquelas do Senhor Jesus.

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