Cl. 1:13. "Pois ele [o Pai] nos resgatou do domínio das trevas e nos transportou para o Reino do seu Filho amado (...)".
Reino
aqui não se refere a um território, mas a um “reinado”, ou seja, autoridade, o
governo ou o poder soberano de um rei. Aqui significa que o cristão já não está
debaixo do domínio do mal (das trevas), mas do governo benevolente do Filho de
Deus.
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Mosaico de Alexandre, o grande. |
A
própria concepção de reino e império para os judeus era clara. Tanto que
Mateus, escritor judaico, utiliza a expressão “reino dos céus”, cerca de 33
vezes. Historicamente, os judeus conviveram com numerosos impérios: Império
Egípcio, Assírio, Babilônico, Persa, Grego e Romano. Impérios estes que
Jerusalém teve que se submeter diversas vezes.
A
noção de império no Velho Testamento evoca a idéia de um soberano governando
outros povos, conquistados não só pela força, mas também pelo poder econômico
ou pela eficiência diplomática. Dentro de um império coexistiam varias etnias
diferentes, unificadas por uma única administração e submetidas a uma mesma
autoridade. Por ser mais descentralizado, o império se caracteriza por uma
constante tentativa de expansão.
Já em um reino, o
rei governa seu próprio povo. Ao longo da história, um reino é normalmente uma
unidade político-administrativa mais estável. A idéia de um Reino de Deus no
Velho Testamento se refere a uma forma de governo ou reinado de Yaweh sobre
determinada sociedade, área geográfica ou o cosmo como um todo.
Em
muitas das passagens a idéia de reinar ou governar aparece em estreita relação
com elementos da realeza terrestre, tais como trono, escabelo, etc (Is 6.1;
66.1; Jr 3.17; 17.2; Ez 1.26; Sl 9.5; 74.9). Assim, parece haver uma relação de proximidade entre o imaginário
simbólico de um reino de Deus e seu referente terreno, isto é, reinados
históricos.
A maior
parte das passagens que apresentam a idéia de Deus como rei encontram-se em
Salmos que parecem derivar de momentos de adoração. Nos salmos, a idéia de um
rei forte e poderoso, capaz de subjugar inimigos, mas também de prover justiça
é projetada para o próprio Deus (Sl 10.16; 24.7-10; 44.5; 47.3.7; 95.3 etc.).
Os
profetas são relativamente ‘econômicos’ em falar de Deus com rei, aparecendo a
idéia em textos considerados tardios (Is 24; 41.21; 43.15; 44.6; Jr 8.19; Ez
20.33; Mq 4.7; Sf, 3.15). Em textos de Deuteronômio também se evita falar de Deus
como rei. No entanto, o Deuteronômio, como conjunto de normas e preceitos
fundantes de Israel, projeta a idéia de que o senhorio de Deus sobre Israel se
dá através da obediência às prescrições da Torá. A unicidade e a unidade de
Deus têm seu referente na comunidade de Israel como praticante da Torá e
exaltadora dos feitos divinos. O reino de Deus se dará sobre a comunidade que
observa a Torá; observa-se, então, que também há grupos claramente excluídos
deste governo.
Aí já
surge uma idéia importante no conceito de reino, onde o rei governa o seu
próprio povo. O rei não força ninguém a se submeter a ele; seus súditos o fazem
de livre e espontânea vontade.
Nos
escritos tardios do Velho Testamento, a noção de reino de Deus ganha uma nova
dimensão quando vinculada com uma idéia apocalíptica de tempo. Em Dn 2.36-40 e
Dn 7 está registrada a idéia de que um ultimo reino terreno antecederá o reino
eterno de Deus. Os herdeiros deste reino de Deus eterno serão os crentes que se
mantiverem fieis até o tempo final.
Assim, no
Novo Testamento, o Reino de Deus é uma das mensagens centrais nos evangelhos. No
Novo Testamento, em lugar nenhum se encontra uma definição clara e direta sobre
o Reino de Deus. Jesus falava sobre ele como uma realidade conhecida, que está
próxima e já presente na realidade histórica e nas pessoas, mas que também
ainda continua aberta para o futuro. Muitas parábolas apresentam aspectos
importantes desta realidade. Nos diálogos de Jesus com seus discípulos
transparece quem participa desta realidade, quais as exigências e as condições
necessárias para esta participação, bem como quem está excluído da mesma.
Permanece impossível, porém, querer definir especificamente o que seja o Reino
de Deus.
Na Biblia
versão Almeida Corrigida, há 117 versículos falando do Reino dos céus ou Reino
de Deus.
Algumas
características sobre o reino de Deus:
1º.) nas
parábolas:
Como semente, o reino de Deus é uma dádiva que, em medidas pequenas, é
colocada como graça em meio a situações difíceis; ela cresce e se torna
frutífera (Mc 4.26-29; Lc 13.18; Mt 13.31, 24-30). Assim, são destacados dois
aspectos: o trabalho da semeadura e da colheita é necessário para que a dádiva
chegue a transformar-se em vida; o descanso e o ficar observando também são
importantes, pois é o poder da dádiva que possibilita o crescimento. O mesmo
também vale para a parábola do fermento
(Lc 13.20). Como dádiva que quer tornar-se verdade enquanto prioridade na vida,
o Reino de Deus é comparado com o tesouro
e com a pérola (Mt 13.44-45). Para tomar posse deles, todo o resto é
vendido.
Em
Mateus, a prática da justiça e da misericórdia é o tema central juntamente com
o desafio de dar preferência ao reino de Deus diante de outros compromissos.
A pessoa
precisa estar disposta e disponível (Mt 25.1-12: a parábola das dez virgens).
Não é algo forçado mas precisa haver compromisso.
2º). No
evangelho de Lucas
O tema
principal é o trabalho de anuncio. O
evangelho do reino precisa ser anunciado (Lc 4.43 deve ser lido no contexto de
4.17-21; 8.1; 9.11.60; 10.2; 16.16 e também At 8.12; 28.31; Mt 10.7).
O reino
de Deus é presente e futuro. É experimentado por aquelas pessoas que fizeram
sua opção pelo reino de Deus e que vivem de acordo com essa opção (Lc
18.19-30); por aquelas pessoas que vivenciaram através da cura (Mt 12.28; Lc
12.20; Lc10;9. Mt 10 7-8).
3º.) O
reino de Deus pertence:
. às
crianças (Mc 10.14-15);
. às
pessoas empobrecidas (Mt 5.3; Lc 6.20)
. às
pessoas que são perseguidas por causa da justiça (Mt 5.10);
. às
prostitutas que vão antes que os ‘senhores’ (Mt 21.31)
Vê-se que
a lógica dominante e a hierarquia social e religiosa sofrem uma inversão no
Reino de Deus. De forma contrária o Reino de Deus não pertence – ou é difícil nele entrarem:
. as
pessoas que colocaram suas prioridades em outras coisas, como a riqueza (Mt
19.23-24; Mc 10. 23-25), que também traz consigo a ganância, a injustiça, o
orgulho, a auto-suficiência.
4º. O
reino de Deus é uma dádiva presenteada por graça, mas que traz uma ação: .amar a Deus e as pessoas próximas
através de palavras e da prática da
justiça (Mc 12.34; Mt 5.19-20)
.
não render-se nem colocar-se a serviço do mal (Mc 9.47);
Tudo isso
significa encontrar e realizar uma opção pelo Reino de Deus e colocá-lo como
prioridade na vida cotidiana, de modo que se possa viver e agir a partir e
dentro da lógica do reino (Lc 9.62; 18.29-30; Mt 6,33; Mt 7,21).
Também
para Paulo, a pratica da justiça, marcada com paz e alegria, é a característica
central e fundamental para a participação no Reino de Deus (Rm 14,17; 1Co
6.9-10; Gl 5;19-21). Isto não contradiz a graça, mas a torna concreta, vivenciável.
Assim, o Reino
de Deus é destinado a pessoas que buscam uma nova história, na qual a justiça
solidária cuida da vida toda e de cada vida. São pessoas que optam e participam
do Reino de Deus que também se tornam suas testemunhas na construção de
relações pessoais e socioeconômicas, nas quais todos os bens – materiais e
intelecto-espirituais – são compartilhados, colocados a serviço da vontade de
Deus. Somos servos e embaixadores do reino.
Agora,
quando Paulo fala em Colossenses 1. 13, que “Eles nos libertou do império das
trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor no qual temos a redenção,
a remissão dos pecados”, temos que ter a noção de império que Paulo tinha ao
escrever a carta.
Paulo faz
referência ao Império Romano e todo o seu sistema de adoração ao imperador e
suas milhares de divindades. No original
grego, “império” se refere à poder, autoridade, potestade. É a mesma palavra
utilizada em Ef 6.12 traduzida por “potestades”.
O escrito
romano Tácito, contemporâneo de Paulo, faz uma descrição do império romano por
volta de 80 d.C:
(...)
mais perigosos do que todos [os outros dominadores] são os romanos, de cuja
arrogância em vão pensamos poder escapar por meio de submissão e comportamento
leal. Saqueadores do mundo, agora que não existe mais nenhum país para ser
devastado por eles, revolvem até o próprio mar: se o inimigo possui riquezas,
eles têm ganância; se ele é pobre, são ambiciosos; Oriente e Ocidente já os
abarrotaram de riquezas; são único povo
da humanidade que contempla com a mesma concupiscência a fartura e a escassez.
Pilham, matam, roubam e chamam isso de dominação (impérium); trazem desolação e
chama isso de paz (...) nossas posses são tomadas sob a forma de tributos;
nossas colheitas, em requisições de suprimento; a nossa própria vida e o nosso
corpo são usados para derrubar florestas e pântanos, sob um coro de zombarias e
pancadas (...) IN: Tertuliano. Apologetim 13.”
Vívida
imagem do que era o império romano na época de Paulo, e que devia ser ainda
pior para os cristãos.
Referências:
GALLING,
K.; CONZELAMNN, H. Reicht Gottes. In: Religion in
Geschichte
und Gegenwart. 3. ed. Tubingen:
J.C.B. Mohr, 1986, p.912-918.
GORRINGE, Timothy J. O capital e o Reino. Ética teológica
e ordem
econômica. Tradução de Edwino A. Royer. São Paulo: Paulus,
1997.
KLAPPERT, B. et alii. Reino de Deus. In: COENEN, Lothar;
BROWN,
Colin (org.). Dicionário Internacional de Teologia do Novo
Testamento. Vol.
II. Tradução de Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova, 2000,
p.2024-2055.
PIXLEY, Jorge. O Reino de Deus. São Paulo: Paulinas, 1986.
potestades das trevas
dicionário bíblico. John Mackenzie.
verbete: reino de deus
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