quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Reino dos céus X Império das trevas


  Cl. 1:13. "Pois ele [o Pai] nos resgatou do domínio das trevas e nos transportou para o Reino do seu Filho amado (...)". 

            Reino aqui não se refere a um território, mas a um “reinado”, ou seja, autoridade, o governo ou o poder soberano de um rei. Aqui significa que o cristão já não está debaixo do domínio do mal (das trevas), mas do governo benevolente do Filho de Deus.
Mosaico de Alexandre, o grande.

            A própria concepção de reino e império para os judeus era clara. Tanto que Mateus, escritor judaico, utiliza a expressão “reino dos céus”, cerca de 33 vezes. Historicamente, os judeus conviveram com numerosos impérios: Império Egípcio, Assírio, Babilônico, Persa, Grego e Romano. Impérios estes que Jerusalém teve que se submeter diversas vezes.
            A noção de império no Velho Testamento evoca a idéia de um soberano governando outros povos, conquistados não só pela força, mas também pelo poder econômico ou pela eficiência diplomática. Dentro de um império coexistiam varias etnias diferentes, unificadas por uma única administração e submetidas a uma mesma autoridade. Por ser mais descentralizado, o império se caracteriza por uma constante tentativa de expansão.
            Já em um reino, o rei governa seu próprio povo. Ao longo da história, um reino é normalmente uma unidade político-administrativa mais estável. A idéia de um Reino de Deus no Velho Testamento se refere a uma forma de governo ou reinado de Yaweh sobre determinada sociedade, área geográfica ou o cosmo como um todo.
            Em muitas das passagens a idéia de reinar ou governar aparece em estreita relação com elementos da realeza terrestre, tais como trono, escabelo, etc (Is 6.1; 66.1; Jr 3.17; 17.2; Ez 1.26; Sl 9.5; 74.9). Assim, parece haver uma relação de proximidade entre o imaginário simbólico de um reino de Deus e seu referente terreno, isto é, reinados históricos.
            A maior parte das passagens que apresentam a idéia de Deus como rei encontram-se em Salmos que parecem derivar de momentos de adoração. Nos salmos, a idéia de um rei forte e poderoso, capaz de subjugar inimigos, mas também de prover justiça é projetada para o próprio Deus (Sl 10.16; 24.7-10; 44.5; 47.3.7; 95.3 etc.).
            Os profetas são relativamente ‘econômicos’ em falar de Deus com rei, aparecendo a idéia em textos considerados tardios (Is 24; 41.21; 43.15; 44.6; Jr 8.19; Ez 20.33; Mq 4.7; Sf, 3.15). Em textos de Deuteronômio também se evita falar de Deus como rei. No entanto, o Deuteronômio, como conjunto de normas e preceitos fundantes de Israel, projeta a idéia de que o senhorio de Deus sobre Israel se dá através da obediência às prescrições da Torá. A unicidade e a unidade de Deus têm seu referente na comunidade de Israel como praticante da Torá e exaltadora dos feitos divinos. O reino de Deus se dará sobre a comunidade que observa a Torá; observa-se, então, que também há grupos claramente excluídos deste governo.
            Aí já surge uma idéia importante no conceito de reino, onde o rei governa o seu próprio povo. O rei não força ninguém a se submeter a ele; seus súditos o fazem de livre e espontânea vontade.
            Nos escritos tardios do Velho Testamento, a noção de reino de Deus ganha uma nova dimensão quando vinculada com uma idéia apocalíptica de tempo. Em Dn 2.36-40 e Dn 7 está registrada a idéia de que um ultimo reino terreno antecederá o reino eterno de Deus. Os herdeiros deste reino de Deus eterno serão os crentes que se mantiverem fieis até o tempo final.
            Assim, no Novo Testamento, o Reino de Deus é uma das mensagens centrais nos evangelhos. No Novo Testamento, em lugar nenhum se encontra uma definição clara e direta sobre o Reino de Deus. Jesus falava sobre ele como uma realidade conhecida, que está próxima e já presente na realidade histórica e nas pessoas, mas que também ainda continua aberta para o futuro. Muitas parábolas apresentam aspectos importantes desta realidade. Nos diálogos de Jesus com seus discípulos transparece quem participa desta realidade, quais as exigências e as condições necessárias para esta participação, bem como quem está excluído da mesma. Permanece impossível, porém, querer definir especificamente o que seja o Reino de Deus.

            Na Biblia versão Almeida Corrigida, há 117 versículos falando do Reino dos céus ou Reino de Deus. 
            Algumas características sobre o reino de Deus:
            1º.) nas parábolas:
            Como semente, o reino de Deus é uma dádiva que, em medidas pequenas, é colocada como graça em meio a situações difíceis; ela cresce e se torna frutífera (Mc 4.26-29; Lc 13.18; Mt 13.31, 24-30). Assim, são destacados dois aspectos: o trabalho da semeadura e da colheita é necessário para que a dádiva chegue a transformar-se em vida; o descanso e o ficar observando também são importantes, pois é o poder da dádiva que possibilita o crescimento. O mesmo também vale para a parábola do fermento (Lc 13.20). Como dádiva que quer tornar-se verdade enquanto prioridade na vida, o Reino de Deus é comparado com o tesouro e com a pérola (Mt 13.44-45). Para tomar posse deles, todo o resto é vendido.
            Em Mateus, a prática da justiça e da misericórdia é o tema central juntamente com o desafio de dar preferência ao reino de Deus diante de outros compromissos.
            A pessoa precisa estar disposta e disponível (Mt 25.1-12: a parábola das dez virgens). Não é algo forçado mas precisa haver compromisso.
           
            2º). No evangelho de Lucas
            O tema principal é o trabalho de anuncio. O evangelho do reino precisa ser anunciado (Lc 4.43 deve ser lido no contexto de 4.17-21; 8.1; 9.11.60; 10.2; 16.16 e também At 8.12; 28.31; Mt 10.7).
            O reino de Deus é presente e futuro. É experimentado por aquelas pessoas que fizeram sua opção pelo reino de Deus e que vivem de acordo com essa opção (Lc 18.19-30); por aquelas pessoas que vivenciaram através da cura (Mt 12.28; Lc 12.20; Lc10;9. Mt 10 7-8).
           
            3º.) O reino de Deus pertence:
            . às crianças (Mc 10.14-15);
            . às pessoas empobrecidas (Mt 5.3; Lc 6.20)
            . às pessoas que são perseguidas por causa da justiça (Mt 5.10);
            . às prostitutas que vão antes que os ‘senhores’ (Mt 21.31)
            Vê-se que a lógica dominante e a hierarquia social e religiosa sofrem uma inversão no Reino de Deus. De forma contrária o Reino de Deus não pertence – ou é difícil nele entrarem:
            . as pessoas que colocaram suas prioridades em outras coisas, como a riqueza (Mt 19.23-24; Mc 10. 23-25), que também traz consigo a ganância, a injustiça, o orgulho, a auto-suficiência.
            4º. O reino de Deus é uma dádiva presenteada por graça, mas que traz uma ação:            .amar a Deus e as pessoas próximas através de palavras  e da prática da justiça (Mc 12.34; Mt 5.19-20)
            . não render-se nem colocar-se a serviço do mal (Mc 9.47);
            Tudo isso significa encontrar e realizar uma opção pelo Reino de Deus e colocá-lo como prioridade na vida cotidiana, de modo que se possa viver e agir a partir e dentro da lógica do reino (Lc 9.62; 18.29-30; Mt 6,33; Mt 7,21).
            Também para Paulo, a pratica da justiça, marcada com paz e alegria, é a característica central e fundamental para a participação no Reino de Deus (Rm 14,17; 1Co 6.9-10; Gl 5;19-21). Isto não contradiz a graça, mas a torna concreta, vivenciável.
           
Assim, o Reino de Deus é destinado a pessoas que buscam uma nova história, na qual a justiça solidária cuida da vida toda e de cada vida. São pessoas que optam e participam do Reino de Deus que também se tornam suas testemunhas na construção de relações pessoais e socioeconômicas, nas quais todos os bens – materiais e intelecto-espirituais – são compartilhados, colocados a serviço da vontade de Deus. Somos servos e embaixadores do reino.

            Agora, quando Paulo fala em Colossenses 1. 13, que “Eles nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor no qual temos a redenção, a remissão dos pecados”, temos que ter a noção de império que Paulo tinha ao escrever a carta.
            Paulo faz referência ao Império Romano e todo o seu sistema de adoração ao imperador e suas milhares de divindades.  No original grego, “império” se refere à poder, autoridade, potestade. É a mesma palavra utilizada em Ef 6.12 traduzida por “potestades”.

            O escrito romano Tácito, contemporâneo de Paulo, faz uma descrição do império romano por volta de 80 d.C:
            (...) mais perigosos do que todos [os outros dominadores] são os romanos, de cuja arrogância em vão pensamos poder escapar por meio de submissão e comportamento leal. Saqueadores do mundo, agora que não existe mais nenhum país para ser devastado por eles, revolvem até o próprio mar: se o inimigo possui riquezas, eles têm ganância; se ele é pobre, são ambiciosos; Oriente e Ocidente já os abarrotaram de riquezas; são  único povo da humanidade que contempla com a mesma concupiscência a fartura e a escassez. Pilham, matam, roubam e chamam isso de dominação (impérium); trazem desolação e chama isso de paz (...) nossas posses são tomadas sob a forma de tributos; nossas colheitas, em requisições de suprimento; a nossa própria vida e o nosso corpo são usados para derrubar florestas e pântanos, sob um coro de zombarias e pancadas (...) IN: Tertuliano. Apologetim 13.”

            Vívida imagem do que era o império romano na época de Paulo, e que devia ser ainda pior para os cristãos.

             

Referências:
GALLING, K.; CONZELAMNN, H. Reicht Gottes. In: Religion in
Geschichte und Gegenwart. 3. ed. Tubingen: J.C.B. Mohr, 1986, p.912-918.
GORRINGE, Timothy J. O capital e o Reino. Ética teológica e ordem
econômica. Tradução de Edwino A. Royer. São Paulo: Paulus, 1997.
KLAPPERT, B. et alii. Reino de Deus. In: COENEN, Lothar; BROWN,
Colin (org.). Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Vol.
II. Tradução de Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova, 2000, p.2024-2055.
PIXLEY, Jorge. O Reino de Deus. São Paulo: Paulinas, 1986.



potestades das trevas

dicionário bíblico. John Mackenzie.   
verbete: reino de deus

           

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