domingo, 11 de agosto de 2013

Jeremias 12 - parte I

Por quê os ímpios prosperam?
(exposição apresentada no Curso de Férias da ABU-SUL, julho de 2003)

Jeremias lamentando a queda de Jerusalém. Por Rembrandt, 1630. 



Jeremias neste capítulo faz um importante questionamento, que alguns de nós já devemos ter feito em algum ponto da nossa vida. Vamos ler o capítulo.  

Jeremias 12.1-17
1.      “Tu és justo, Senhor, quando apresento uma causa diante de ti. Contudo, eu gostaria de discutir contigo sobre a tua justiça. Por que o caminho dos ímpios prospera? Por que todos os traidores vivem sem problemas?
2.      Tu os plantaste, e eles criaram raízes; crescem e dão fruto. Tu estás sempre perto dos seus lábios, mas longe dos seus corações [rins, na Almeida corrigida e revisada fiel].
3.      Tu, porém, me conheces, Senhor; tu me vês e provas a minha atitude para contigo. Arranca os ímpios como a ovelhas destinadas ao matadouro! Reserva-os para o dia da matança!
4.      Até quando a terra ficará de luto e a relva de todo o campo estará seca? Perecem os animais e as aves por causa da maldade dos que habitam nesta terra, pois eles disseram: ‘Ele não verá o fim que nos espera’.
Resposta de Deus:
5.      "Se você correu com homens e eles o cansaram, como poderá competir com cavalos? Se você tropeça em terreno seguro, o que fará nos matagais junto ao Jordão?
6.      Até mesmo os seus irmãos e a sua própria família traíram você e o perseguem aos gritos. Não confie neles, mesmo quando lhe dizem coisas boas.
7.      "Abandonei a minha família, deixei a minha propriedade e entreguei aquela a quem amo nas mãos dos seus inimigos.
8.      O povo de minha propriedade tornou-se para mim como um leão na floresta. Ele ruge contra mim, por isso eu o odeio.
9.      O povo de minha propriedade tornou-se para mim como uma toca de hiena, sobre pairam a qual as aves de rapina. Reúnam todos os animais selvagens; tragam-nos para o banquete.
10.  A minha vinha foi destruída por muitos pastores, os quais pisotearam a minha propriedade. Eles tornaram a minha preciosa propriedade num deserto devastado.
11.  Fizeram dela uma terra devastada; e devastada ela pranteia diante de mim. A terra toda foi devastada, mas não há quem se importe com isso.
12.  Destruidores vieram sobre todas as planícies do deserto, pois a espada do Senhor devora esta terra de uma extremidade à outra; ninguém está seguro.
13.  Semearam trigo, mas colheram espinhos; cansaram-se de trabalhar para nada produzir. Estão desapontados com a colheita por causa do fogo da ira do Senhor. "
14.  Assim diz o Senhor a respeito de todos os meus vizinhos, as nações ímpias que se apoderam da herança que dei a Israel, meu povo: "Eu os arrancarei da sua terra, e arrancarei Judá do meio deles.
15.  Mas, depois de arrancá-los, terei compaixão de novo e os farei voltar, cada um à sua propriedade e à sua terra.
16.  E se aprenderem a comportar-se como meu povo, e jurarem pelo nome do Senhor, dizendo: ‘Juro pelo nome do Senhor’ — como antes ensinaram o meu povo a jurar por Baal — então eles serão estabelecidos no meio do meu povo.
         17. Mas se não me ouvirem, eu arrancarei completamente aquela nação e a destruirei", declara o Senhor.”

          Primeiramente, devemos atentar para a importância de levar nossa petição à Deus. A prática da lectio divina, nos faz parar, respirar, e levar nossos pensamentos a Deus. É um ato de ação. Mas também é um ato de parar. À medida que expomos nossos pensamentos a Deus (mesmo Ele já conhecendo tudo), estamos desnudando nossa alma, e colocando as coisas sob uma perspectiva da eternidade. É como se, enquanto estamos pronunciando as palavras, elas já assumissem um novo significado e muitas vezes perdessem seu impacto inicial. Nossos anseios se tornam pequenos diante de um Deus infinito, que tentamos colocar dentro de nossas compreensões finitas. Mas Deus é paciente, e responde a seus filhos... 
           
Contexto histórico:

O reformador dos tempos de Jeremias, o rei Josias, era neto de um dos piores reis que a nação judia teve no Antigo Testamento, Manassés. E seu pai também não ficava atrás. Ele teria tudo para continuar a herança maldita de seus pais. Mas não! Ele confiou em Deus e iniciou uma grande reforma da religião dos judeus. Vejamos um pouco do contexto em que viveu nosso profeta.
            Apertem o cinto de três pontas. Vamos viajar para 2600 anos atrás.
Jeremias nasceu no final do reinado de Manassés, por volta de 607 a.C. Manassés foi o pior rei que Israel já teve. A sua história está contada em 2 Rs 21. Ele começou a reinar com 12 anos em Jerusalém, a capital do reino do sul, Judá, e ficou por 55 anos no poder. (parêntesis: a Bíblia não está em ordem cronológica/ algumas vezes é interessante tentar compreende-la em ordem dos acontecimentos. Para tanto, sugiro a bíblia NVI em ordem cronológica, da editora Vida). Para entendermos o contexto de distorção que Jerusalém passava no tempo de Jeremias, convido vocês a ler 2 Rs 21.1-17:

1.      “Manassés tinha doze anos de idade quando começou a reinar, e reinou cinqüenta e cinco anos em Jerusalém. O nome de sua mãe era Hefzibá.
2.      Ele fez o que o Senhor reprova, imitando as práticas detestáveis das nações que o Senhor havia expulsado de diante dos israelitas.
3.      Reconstruiu os altares idólatras que seu pai Ezequias havia demolido; também ergueu altares para Baal e fez um poste sagrado, como fizera Acabe, rei de Israel. Inclinou-se diante de todos os exércitos celestes e lhes prestou culto.
4.      Construiu altares no templo do Senhor, do qual este tinha dito: "Em Jerusalém porei meu nome".
5.      Nos dois pátios do templo do Senhor ele construiu altares para todos os exércitos celestes.
6.      Chegou a queimar o próprio filho em sacrifício, praticou feitiçaria e adivinhação e consultou médiuns e espíritas. Fez o que o Senhor reprova, provocando-o à ira.
7.      Ele tomou o poste sagrado que havia feito e o pôs no templo, do qual o Senhor tinha dito a Davi e a seu filho Salomão: "Neste templo e em Jerusalém, que escolhi dentre todas as tribos de Israel, porei meu nome para sempre.
8.      Não farei os pés dos israelitas andarem errantes novamente, longe da terra que dei aos seus antepassados, se tão-somente tiverem o cuidado de fazer tudo o que lhes ordenei e obedecer à toda a Lei que meu servo Moisés lhes deu".
9.      Mas o povo não quis ouvir. Manassés os desviou, a ponto de fazerem pior do que as nações que o Senhor havia destruído diante dos israelitas.
10.  E o Senhor disse por meio dos seus servos, os profetas:
11.  "Manassés, rei de Judá, cometeu esses atos repugnantes. Agiu pior do que os amorreus que o antecederam e também levou Judá a pecar com os ídolos que fizera.
12.  Portanto, assim diz o Senhor, o Deus de Israel: Causarei uma tal desgraça em Jerusalém e em Judá que os ouvidos de quem ouvir a respeito ficarão zumbindo.
13.  Estenderei sobre Jerusalém o fio de medir utilizado contra Samaria e o fio de prumo usado contra a família de Acabe. Limparei Jerusalém como se lava um prato, lavando-o e virando-o de cabeça para baixo.
14.  Abandonarei o remanescente da minha herança e o entregarei nas mãos de seus inimigos. Serão despojados e saqueados por todos os seus adversários,
15.  pois fizeram o que eu reprovo e me provocaram à ira, desde o dia em que seus antepassados saíram do Egito até hoje".

Manassés também derramou tanto sangue inocente que encheu Jerusalém de um lado a outro; além disso levou Judá a cometer pecado, a fim de que fizessem o que o Senhor reprova.
O templo de Jerusalém, outrora esplendido sem, no entanto, nenhuma imagem de Deus, foi invadido por mágicos e prostitutas. Ídolos em forma de animais e monstros profanavam o Lugar Santo. Manassés arrastou o povo para dentro de um lamaçal muito mais podre do que qualquer outro já visto no mundo: 2Reis 21:9 diz o seguinte: “[...]e Manassés de tal modo os fez errar, que fizeram pior do que as nações que o Senhor tinha destruído de diante dos filhos de Israel”.
            No versículo 16, do capítulo que acabamos de ler, conta-se que Manassés também derrubou sangue inocente. Aqui isto se refere não somente a sacrifícios humanos, como provavelmente a martírio de profetas de Deus. (Segundo tradição cristã, foi Manassés que mandou Isaias ser serrado ao meio cf. Hb 11.37).                    
          Deus fala pra Jeremias acerca do que havia sido estabelecido por Manassés: este rei semeou a maldade e a idolatria, e o povo foi seduzido a estes rituais. Ainda continuavam adorando a Deus, mas como disse Jeremias na passagem que lemos, capítulo 12, versículo 2: “Tu estás sempre perto dos seus lábios, mas longe dos seus corações”. No final deste capítulo 12 que lemos, Deus fala para o profeta como o povo aprendeu a jurar por Baal. Para o contexto que estamos estudando, é importante entender quem era Baal. 
           Baal era um deus adorado pelos fenícios e cananitas – esta última era a etnia dos babilônicos. Na babilônia este deus era conhecido como Hadad. Como o deus da fertilidade – tanto humana como agrícola – ele era imaginado como sentado em um boi, um símbolo de fertilidade e força. 
As adorações de Baal envolviam prostituição ritual e até mesmo sacrifícios de crianças (como o próprio rei Manassés fez, como vimos).
            Este deus tinha uma consorte, uma esposa: Aserá. Ela era a deusa da fertilidade e da guerra, e era representada esculpida em um poste ou em uma árvore. (Archaeological study bible, p. 346, nota em juízes 2.13). Esta era bem conhecida dos judeus desde os tempos de Moisés. Em Deuteronômio estava proibido erguer poste sagrado além do altar que construírem em honra do Senhor (Dt 16.21). Mas os judeus haviam se perdido tanto que juntaram a sua fé com a idolatria e fundiram os cultos, fazendo de Aserá consorte de Yahweh. Era exatamente esse tipo de idolatria que Jeremias estava tentando combater.
Portanto, era isso que os 55 anos de governo de Manassés deixaram de herança: levaram quase ao esquecimento da fé no verdadeiro Deus.
Quando este rei morreu, seu filho Amom o sucedeu no trono. Ele continuou a fazer os mesmos males, e foi assassinado.
            O filho de Amom e neto de Manassés, Josias, começou a governar com 8 anos. Este foi um grande reformador. Como belamente descreve Eugene Peterson: “O jovem rei Josias foi um dos primeiros brotos a abrir caminho através do betume negro da maldade.” (Animo, p. 58).
            Aqui, a reviravolta acontece no templo outrora construído por Salomão. Sem imagens de Deus. No santo dos santos, havia apenas a arca da aliança, para relembrar ao povo a presença de Deus em seu meio e seus mandamentos. Mas o povo havia esquecido desta aliança.
            Em 2 Reis 22 podemos ver que Josias, desde o início de seu governo, começou a fazer uma limpeza total no templo. Um encarregado dos trabalhos, Hilquias, o sumo sacerdote, encontrou um livro antigo, provavelmente em formato de pergaminho. Era o “livro da lei” (vs. 8), este título, no Pentateuco, é usado para designar Deuteronômio (ver Dt 28.61). O livro de Deuteronômio continha a forma do culto e o amor de Deus, apontando claramente o que era certo e o que era errado. Este livro era para ser lido pelos reis de Israel e Judá em anos anteriores, mas foi perdido pelo reino apóstata de Manassés, que infringiu estas leis sistematicamente.
Ao ler este livro da lei, foi como se um raio atingisse a consciência do rei Josias. O que seus antepassados e o povo agora estavam fazendo? Quantos desvios! A ira de Deus devia ser enorme. Portanto, Josias deu início a uma grande reforma, não só no templo, mas nos costumes do povo.
            Jeremias ajudou. Trezes anos depois de iniciada as reformas de Josias, ele foi chamado por Deus (Jr 1.2), e iniciou sua pregação sobre arrependimento, julgamento e restauração.
Porém, a resposta ficou aquém. A Reforma foi superficial. A superstição foi curada e o culto imoral foi banido, mas Jeremias logo percebeu que a reforma fora apenas de fachada. Em Jeremias 11.9-13 lemos:
9. Disse-me mais o SENHOR: Uma conspiração se achou entre os homens de Judá, entre os habitantes de Jerusalém.
10. Tornaram às maldades de seus primeiros pais, que não quiseram ouvir as minhas palavras; e eles andaram após outros deuses para os servir; a casa de Israel e a casa de Judá quebraram a minha aliança, que tinha feito com seus pais.
11. Portanto assim diz o SENHOR: Eis que trarei mal sobre eles, de que não poderão escapar; e clamarão a mim, mas eu não os ouvirei.

            12. Então irão as cidades de Judá e os habitantes de Jerusalém e clamarão aos deuses a quem eles queimaram incenso; estes, porém, de nenhum modo os livrarão no tempo do seu mal.
            13. Porque, segundo o número das tuas cidades, são os teus deuses, ó Judá! E, segundo o número das ruas de Jerusalém, levantastes altares à impudência, altares para queimardes incenso a Baal.”

Em Jeremias 17.1-2 lê-se:


1.      O pecado de Judá está escrito com estilete de ferro, gravado com ponta de diamante, nas tábuas dos seus corações e nas pontas dos seus altares [fazendo uma referencia a como era esculpido ídolos.]
2.      Os filhos deles se lembram dos seus altares e dos postes de Aserá, ao lado das árvores verdejantes e sobre os montes altos



Baal e Aserá, exatamente aqueles a quem o próprio livro do deuterônio havia proibida de ser adorados! Não podia ser mais claro o que era certo e como o culto a Deus estava distorcido. E o livro da lei estava ali agora, disponível para todos saberem que estavam errados.          
           Portanto, é nessa situação toda que Jeremias coloca suas preocupações. 

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