segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Reforma I - post tenebras lux

          Com o dia da Reforma chegando, comemorado no dia 31 de outubro, são completados 495 anos desde que Lutero pregou as suas 95 teses na porta do Castelo de Wittenberg, em 1517. Mesmo assim, a igreja atual precisa rever e se aprofundar nas mudanças que foram iniciadas pelos reformadores. Infelizmente, características da igreja hoje, foram criticadas já no século XVI, mas tendem a se manter. A história tem a mania de se repetir (ao menos na aparência), trazendo novas roupagens para pecados antigos. Por isso, nada mais importante do que nos por a caminho e perguntar pelas veredas antigas e andar por elas (Jeremias 6.16). Portanto inicio hoje uma série de posts sobre minha visão, enquanto historiador, da reforma. 

          Post tenebras lux
         
    Esta frase em latim, significando “após as trevas, luz”, foi o mote do reformador João Calvino e, conseqüentemente, da reforma suíça. A crença era de que o cristianismo havia passado por uma época de trevas e se fazia premente uma reforma, uma volta às origens. Como qualquer evento histórico, a Reforma deve ser entendida em relação ao seu contexto. Só que o contexto da Reforma é às vezes por demais abrangente, exigindo um amplo esboço das questões intelectuais, econômicas e culturais, o que acabou por produzir diversos estudos de variáveis linhas de pesquisa.
            A Reforma ocorreu em um período de fortes mudanças. No início do século XVI, a Europa ainda se curava das cicatrizes de diversas guerras, como A guerra dos cem anos, a Guerra das Duas Rosas, da eminente ameaça turca, da Peste Negra e diversas crises. Nestes eventos, a população da Europa foi devastada. 


            Tantos acontecimentos abalaram e desorientaram as pessoas. Aos indivíduos e sociedades pesaram as consciências e se sentiram culpados. Na metalidade deles, só o pecado podia explicar tantas desgraças.
            Nesta atmosfera de pessimismo e inquietude a justiça dos homens se torna mais dura que nunca. O horror religioso do pecado, a ausência quase completa da noção de ‘circunstancias atenuantes’ provocaram um agravamento da crueldade religiosa. Numa época de superstição generalizada, acreditou-se na realidade dos sabás diabólicos e dos vôos de feiticeiras. Toda uma literatura sinistra cujo exemplo mais famoso foi o Malleus Maleficarum (o Martelo das feiticeiras), escrito em 1487, encorajaram a busca e punição das pessoas suspeitas de se haverem entregue a Satanás (veja-se trabalhos de Carlos Ginzburg, especialmente, “O Sabá das feiticeiras”, “Os andarilhos do bem” e “O queijo e os vermes”).
            Após a Peste negra do século XIV, os artistas começara a representar uma variedade de suplícios infernais. Mas mais ainda que o juízo final e o inferno, a morte é o grande tema da iconografia da Idade Média a findar. A morte é o grande personagem do tempo, aparecendo em afrescos, literatura e nas imagens dos livros religiosos.
          A Igreja católica se esforçou para dar ênfase, numa sociedade perseguida pelo temor da morte, ao momento em que se trava o ultimo combate da vida terrena e em que se decide a sorte eterna da alma. Assim, se explicam as numerosas edições da Ars moriendi, a arte de morrer, composta no século XV. O sucesso deste livro prova quanto se havia tornado avassaladora a preocupação da salvação pessoal. Até o século XIII, havia se vivido numa concepção mais comunitária da igreja, e se acentuava mais a salvação coletiva que a dos indivíduos. Mas, durante os últimos séculos da Idade Média, cada fiel se interrogava com angustia como conseguiria escapar aos tormentos eternos. (Delumeua, Jean. Nascimento e afirmação da reforma, p. 60 –SS; ver também, ARIÈS, Phillipe. O homem diante da morte).

          Michael Vovelle, analisando testamentos parisienses percebeu que os ritos fúnebres eram marcados por um espetáculo de “profusão barroca” que foram se atenuando no século XVII. O barroco foi uma extensão, no século XVI, do medo da morte e do maravilhamento pelo além que a Igreja católica infundia ao longo da Idade Média (veja-se MARAVALL, José Antonio. A cultura do Barroco). 
          Quem visita as igrejas e cemitérios de Ouro Preto, em Minas Gerais, defronta-se com a mentalidade barroca exposta nas esculturas e formas. Tudo aponta para a inevitabilidade da morte, e portanto, ela  se torna algo a ser convivido. É a morte domesticada.
          
          Assim, concluindo este primeiro texto, percebemos que o contexto da idade média focava muito o pecado e as maneiras de procurar remediá-lo, de evitar o inferno. No próximo post, continuarei a falar sobre o contexto da Igreja católica na idade média. Acho bastante pertinente esta ênfase na história da igreja medieval, para percebermos onde resisidiam as críticas dos reformadores e para fazermos uma auto-crítica da situação da igreja protestante nos dias atuais.

Jeremias 6:16
Ponde-vos nos caminhos, e vede, e perguntai pelas veredas antigas, qual é o bom caminho, e andai por ele; e achareis descanso para as vossas almas;
Jeremias 6:16

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