terça-feira, 30 de outubro de 2012

Reforma II - a crise de moralidade da cristandade

           No final do século a Europa vivia uma época calamitosa e, mais do que nunca, pareceu necessário buscar refúgio, simultaneamente contra os males desta vida e contra o inferno. O culto dos santos, por exemplo, nunca foi tão difundido quanto no final do século XV e começo do século XVI. Eram disputadas suas relíquias; eram padroeiros de inúmeras confrarias; suas imagens se multiplicavam quase lhes conferindo valor de talismãs. 
          Os santos não protegiam apenas contra a doença e a morte, davam também “garantias para o além”. Venerar as relíquias deles, e com maior razão as de Jesus e da Virgem Maria, dava direito a indulgências (= perdão). Estas tiveram, ao findar da Idade Média, um sucesso extraordinário. O pecador, que recaía incessantemente nas mesmas faltas, não poderia afinal escapar do inferno passando uma espécie de cheque sobre os merecimentos de Jesus, Maria e dos santos? Bastava apresentar esse cheque ao Soberano Juiz, na ocasião de prestar contas.
          A doutrina católica do purgatório nasceu na Idade Média, no século XIII, sendo posteriormente reforçada, inclusive no Concílio de Trento, o movimento contra-reforma. 
          Inicialmente a igreja não ensinava que se devia pagar uma esmola para se obter a indulgência. Porém, as populações do ocidente medieval, exaltadas, pouco instruídas, por vezes à beira do desespero, acreditavam ser possível comprar a salvação. (DELUMEAU, Nascimento e afirmação da reforma, p. 60-61; LE GOFF, Jacques, The birth of purgatory). Contudo, ficaram com uma duvida, e essa duvida é exatamente o angustia da Idade Média agonizante. É ela que explica o sucesso de Lutero.
         O final da Idade Média era permeado por uma confusão religiosa. Os fiéis se sentiam mal enquadrados, mal protegidos, abandonados até pela Igreja. Havia superabundância de padres, e contudo faltavam pastores, indivíduos que guiassem o povo. A acumulação de benefícios e uma série de abusos tiveram como conseqüência o abandono freqüente do ministério paroquial a vigários mediocremente instruídos e inferiores ao seu cargo.
            Uma das tendências da piedade do século XV é um sentimento popular, afastado da liturgia tradicional. Não teriam como ser diferente: poucos compreendiam a missa rezada em latim “O povo cristão andava à deriva”. 

           Mas também, o fim, ou “outono da Idade Média”, como foi nomeado o período por Johan Huizinga, que discorda de uma noção de decadência, vê surgir um espírito de individualismo, juntamente com uma afirmação do espírito laico (secular, não religioso). A piedade pessoal tem como exemplar a obra A imitação de cristo, de Tomás de Kempis. O individualismo é simbolizado pelo aparecimento da pintura de retratos e auto-retratos (BURCKHARDT, Jacob. A cultura do Renascimento na Itália).
         A ascensão da burguesia e de artesões, e mais geralmente do elemento laico, numa civilização mais urbana, o aparecimento do luxo, a afirmação de um certo sentimento nacional, a geral confusão dos espíritos num clima de insegurança, em suma, os defeitos da Igreja geravam uma espécie de anarquismos cristão.
       Na vida cotidiana, tratava-se Deus com uma familiaridade contra a qual o protestantismo reagirá vigorosamente. O domínio da fé achava-se invadido por uma onda de elementos profanos. E em um ambiente desses a figura do padre foi a primeira a se distorcer. Houve desvios morais de toda sorte entre o clero.
         No baixo clero, numerosos padres viviam em concubinato e tinham filhos bastardos. Vestidos como qualquer um, os padres freqüentavam tavernas, tomavam parte em danças e participavam da vida cotidiana. Este baixo clero vivia numa situação miserável e muitas vezes viviam de vender sacramentos, principalmente o batismo e a confissão. 
          Caminho aberto para os pré-reformadores, saídos do seio da própria igreja católica. Como veremos no post a seguir.

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