Com
certeza, uma das marcas dos Evangélicos é a adoração, mas um modo específico
conduzido através de músicas. A Bíblia tem uma definição mais dilatada do que é
“adoração”. Segundo o Lexico da concordância de Strong, adoração significa: “se
curvar, prostrar-se ante um ser superior, em sinal de homenagem. No Antigo
Testamento este termo é usado para se curvar diante de Deus, de falsos deuses,
e de anjos. Portanto, a adoração velho-testamentária era antes de tudo um posicionamento.
No Novo
Testamento, Jesus disse que:
“Mas a hora
vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e
em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem.” (Jo 4:23)
O problema é
que a Igreja tem focado muito em adoração “espiritual” (com um milhão de aspas)
e deixado de lado as preocupações para com aqueles que estão ao lado. O
Próximo. Estamos somente olhando para cima, como os santos em apocalipse,
cantando “Glória, Glória, Glória” e nos esquecemos que adorar a Deus é também
fazer a sua vontade. E a vontade d’Ele não era que ficássemos olhando para cima
somente. Já no início da Igreja ocorreu o perigo de se ficar sentado, esperando
ociosamente a volta de Jesus. Tanto que os anjos falam aos discípulos
boquiabertos:
“Homens
galileus, por que estais olhando para o céu? Esse Jesus, que dentre vós foi
recebido em cima no céu, há de vir assim como para o céu o vistes ir.” Atos 1:11.
Em
outras palavras: vão, mexam-se!
Reafirmo a crítica de Russel Shedd, de que os cristão
hoje não estão conscientes de que sua adoração reflete a teologia prática da
comunidade onde estão inseridos.
E
ainda mais chocante: “Os evangélicos têm a tendência de separar a centralidade
do senhorio de Cristo, biblicamente fundamentada, do viver cotidiano, de modo
que a adoração se torna, com efeito, compartimentada em cápsulas de uma hora de
duração (...). Mas o Novo Testamento projeta uma visão de adoração que invade
toda a vida com a presença e a glória de Deus.” (Russel Shedd. Adoração
bíblica, p. 190).
Nos
escritos do Novo Testamento não vemos uma divisão entre tempo sagrado e tempo secular.
Não havia um dia certo para adorar, mas todos os dias eram dias “santos”.
Mesmo
no Antigo Testamento, a adoração não se restringia a um louvor em um santuário.
Para Calvino, os 10 mandamentos foram escritos
em duas tábuas mostrando que a devoção e a justiça devem caminhar de mãos
dadas. A primeira tábua trata dos deveres para com Deus (1) amar a Deus sobre
todas as coisas; 2) não terás outros deuses além d’Ele e não farás para ti
nenhum ídolo; 3) não dirás em vão o nome do Senhor; 4) Lembra-te do dia de
sábado para o santificar); a segunda diz respeito às relações com o próximo (5)
honra teu pai e tua mãe; 6) não matarás; 7) não adulterarás; 8) não furtarás;
9) não darás falso testemunho contra o teu próximo; 10) não cobiçarás . (Institutas
Livro 2, capítulo 8, subtítulo 11). Assim, o fundamento da justiça é o serviço
a Deus e este é impossível sem um relacionamento justo com as outras pessoas (Alderi
Souza de Matos. Os reformadores e a lei
– valor, semelhanças e diferenças. Disponível em: http://www.mackenzie.br/6968.html,
consultado em 04/09/13).
Logo à frente na Bíblia, no mesmo contexto de
definições da maneira como Deus devia ser cultuado, em Exodo 22.16-31, vemos que
a adoração do fiel também devia levar em consideração responsabilidades sociais.
Ali temos consciência de que para a Israel antiga toda a vida estava enraizada
na adoração, e a qualidade da adoração das pessoas era demonstrada em parte
pela sua conduta para com os outros (Archealogical study bible, nota 22.16-31, p.
128).
Para Amós Deus conclamou seu povo a deixar de adorar
somente com os lábios e fazer coisas práticas:
“Afastem de mim o som das suas canções e
a música das suas liras.Em vez disso, corra a retidão como um rio, a
justiça como um ribeiro perene! " (Amós 5:23-24).
É interessante perceber que Paulo em Romanos 12,
caracteriza juntamente as diferentes ações no corpo de Cristo, a Igreja, como
adoração espiritual; mesmo o serviço a (a
diakonia) fazem parte da adoração.
Em um outro exemplo, o autor de Hebreus retrata a
adoração cristã como “fazer o bem e repartir (Hb 13.16).
“O Novo Testamento certamente nos desafia a nos
apropriarmos do verdadeiro conceito de adoração. Todos os pensamentos, palavras
e atos devem ser realizados como adoração, porque o Cordeiro é ‘digno de
receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e gloria e louvor
(Ap. 5.12)’.
Shedd interpreta essa passagem de maneira bem clara: “Esta
oferta de sete elementos, que as inúmeras hostes angelicais proclamam que o
Cordeiro é digno de receber, na realidade só pode ser dada pelos remidos na
terra. São eles quem têm riqueza para dar, riqueza que já não é totalmente
deles. A sabedoria obtida na terra deve ser usada e disseminada por causa da
Sua excelência. A força corporal deve ser usada para promover seus propósitos. Para
a Sua honra, glória e benção, falamos, escrevemos, trabalhamos, brincamos,
comemos e dormimos, pois ele é digno de toda força da vida que pulsa dentro de
nós (Russel Shed. Adoração bíblica, p. 226).
Algo
que vai na contracorrente do que vemos nos autointitulados avivamentos
neo-pentecostais atuais foi a ação social dos movimentos de avivamento dos
séculos XVIII e XIX. Esses movimentos se caracterizavam por uma intensa atuação
social. Por essa época, na Inglaterra ocorreram o avivamento e o surgimento do metodismo
dos irmãos João e Carlos Wesley, movimentos estes voltados para ações em prol
de pessoas carentes e de trabalhadores. “Duas causas em que os evangélicos
ingleses se envolveram foram a reforma das prisões e a luta pela eliminação do
trabalho infantil nas indústrias de tecidos. Os evangélicos também participaram
ativamente, sob a liderança do político William Wilberforce, da campanha pela
supressão da escravidão e do tráfico de escravos.”
“Simultaneamente
ao que acontecia na Inglaterra, nos Estados Unidos também ocorreram dois
influentes avivamentos. O chamado Primeiro Grande Despertamento verificou-se
por volta de 1740 e teve como principais personagens o pastor e teólogo
Jonathan Edwards e o pregador George Whitefield, ambos solidamente calvinistas.
Edwards escreveu várias obras importantes nas quais descreveu e analisou
cuidadosamente o avivamento. Uma das
suas contribuições foi a elaboração de critérios mediante os quais se pode
avaliar a autenticidade ou não de um avivamento. Ele concluiu que entre as marcas
de uma verdadeira manifestação de Deus está, além da transformação espiritual
de indivíduos, uma presença transformadora e renovadora da igreja na sociedade.
O Segundo Grande Despertamento, ocorrido nas primeiras décadas do século 19,
teve como um de seus subprodutos o surgimento de muitas “sociedades
voluntárias”, associações de evangélicos voltadas para um grande número de
causas relevantes como missões, educação religiosa e secular, e desafios
sociais (abolicionismo, temperança, etc.).” (Alderi Souza de Matos. Estudos
sobre a ação social cristã. Disponível em http://www.mackenzie.br/7152.html,
consultado em 04/09/13).
Muito mais podia e
deve ser escrito sobre isso, mas talvez já nos baste por ora. Devemos fazer
então uma auto-análise: Nossa adoração se centra unicamente em torno de
edifícios, estruturas e horários pré-estabelecidos? Quanto de nossa adoração
tem sido feita de maneira alienada, afastada dos problemas em nossa volta?
Estamos olhando tão para o alto, ocupados em sermos “espirituais” que não temos
tempo para cuidar do próximo? Nossa igreja está preocupada com questões
sociais? EU estou preocupado em fazer diferença na minha sociedade, me colocando
em uma posição de adoração àquele
que clamou todas as coisas para si?
Bons questionamentos!
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