segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Ekklēsia. Uma visão sobre o Antigo e o Novo Testamentos

Aqui, faremos uma viagem pelo Antigo e Novo Testamentos, para compreender a origem das igrejas primitivas cristãs e o significado do que era ekklēsia. Para isso, contaremos com a ajuda da hermenêutica e da arqueologia. Meu objetivo é demonstrar que o entendimento desta palavra nos dá uma visão mais profunda do que Jesus estava afirmando.

                Estamos em uma era onde a disseminação do conhecimento atua em níveis até bem pouco tempo inimagináveis. Os estudos teológicos e arqueológicos avançaram em passos gigantescos e a internet ajudou muito no compartilhamento de pesquisas. O cristão tem a possibilidade de adquirir conhecimento e conhecer opiniões sobre todo o escopo das Escrituras. Mas também há muita informação distorcida ou com pouco embasamento. O assunto em pauta, a “igreja”, é um deles. Há toda sorte de confusão histórico-teológica em torno da estrutura da igreja, seja ela hierárquica ou em sua estrutura física, o que acaba gerando dúvidas em alguns cristãos, se é certo frequentar uma igreja nos moldes atuais. Claro que houveram abusos da estrutura ao longo da história, mas isso não quer dizer que todo o modelo está errado. Usar uma ferramenta como a disciplina da História nos ajuda a aprofundar o assunto e até aparar as arestas do nosso entendimento sobre ele. 
A palavra que usamos hoje em dia para “igreja” vem do grego “ekklēsia”, que significa assembleia, reunião, congregação, igreja. Ekklēsia por sua vez deriva de kaleo, “chamar”, e era usado na antiguidade para a assembleia popular de todos os cidadãos competentes da polis, cidade. Historicamente, este tipo de reunião atingiu grande importância no século V antes de Cristo quando começaram a se encontrar em intervalos regulares (em Atenas, de 30 a 40 vezes ao ano). Sua esfera de competência incluía decisões em mudanças sugeridas na lei, em apontamentos para posições oficiais e em cada questão importante de políticas internas e externas (contratos, tratados, guerra e paz, finanças). A estes foi adicionado, em casos especiais (como traições), a função de julgamento. A ekklēsia abria com orações e sacrifícios para os deuses da cidade. Cada cidadão tinha o direito de falar e propor assuntos de discussão, mas a proposição somente poderia ser debatida se houvesse uma opinião de um especialista no assunto.
                “Assim ekklēsia, séculos antes da tradução do Antigo Testamento e no tempo do Novo Testamento, era claramente caracterizada como um fenômeno político.”[1] Ela nunca era usada para reuniões religiosas. Esses tipos de reuniões eram referidos por expressões como thiasos, que era uma assembleia cultual para adorar um deus, ou sínodos, o que significava um grupo seguindo o mesmo caminho, isto é, o mesmo ensinamento. Significativamente, estas palavras nunca são encontradas no NT.
                Outra palavra importante para este contexto é sinagoga (derivado de synago, reunir). Ela denota a coleta ou a reunião de coisas (livros, cartas, possessões, frutos em épocas de colheitas), e também de tropas e pessoas. Ela foi mais normalmente usada para as assembleias festivas regulares, ligada a refeições e sacrifícios, de corporações, que assumiram um tom de reuniões cultuais. Dentro do judaísmo, esta palavra apontava para o local da assembleia.
                Na tradução da septuaginta para o grego, a palavra ekklēsia, ocorre 80 vezes nos livros canônicos. A palavra no original grego era qāhāl. Mesmo no hebraico, o significado é semelhante ao ekklēsia dos tempos do NT, relacionado à “voz”, significando uma convocação para uma assembleia.
                No Antigo Testamento esta palavra era utilizada para convocações para a guerra de todos os homens capazes de empunhar armas (Gn 49.6; Nm 22.4). Algumas vezes, esta palavra significava toda a congregação das pessoas (Nm 16.33; Dt 9.10; 10,4). Mais tarde, ela perdeu seu significado puramente religioso e veio a indicar a assembleia geral das pessoas, incluindo mulheres e até mesmo crianças ( ver Jr 44.15; Ez 10.1; Ne 8.2).
                No livro de Cronicas, onde a palavra qāhāl  aparece mais vezes na Bíblia, com trinta referências, este termo aparece tanto como uma representação da assembleia dos líderes de Israel convocados pelo Rei para tomar decisões, que podia ser religiosas (trazer a arca, 1 Cr13.2,4) ou políticas (1 Cr 20.5,14; 30.2,4), e também aparece como uma multidão reunida para sacrifico e adoração.
                A septuaginta, ou versão dos setenta, é a versão da bíblia hebraica para o grego koiné, coloquial, traduzida em etapas entre os séculos III e I a.C. Diz-se que setenta e dois rabinos (seis de cada uma das doze tribos) trabalharam nesta tradução, terminando-a em setenta e dois dias.[2] Mesmo que Jesus não tenha se utilizado desta versão (há muitos questionamentos em torno disso[3]), ele pode ter se utilizado de palavras gregas.
Jerusalém havia sido uma colônia grega, conquistada por Alexandre, o Grande, e teve uma grande influência da cultura helênica. Locais como Samaria se tornaram centros do helenismo. Por exemplo, Maressa, no centro sul de Israel, possuía inscrições gregas em túmulos do segundo século a.C, o que demonstra que eles haviam se tornados falantes de grego. Assim, como os judeus não conseguiam evitar o contato com os helênicos, eles foram absorvendo a cultura grega e o modo de pensar grego.[4]
Mesmo após a conquista romana, o grego continuou a ser utilizado como segunda língua, já que Roma adotava e adaptava elementos da cultura grega. Termos apropriados de outras culturas não eram raros em regiões colonizadas. Metzger aponta que: “Em comum com seus contemporâneos palestinos Jesus sem sombra de dúvidas falava aramaico como sua língua nativa, mas sendo um Galileu ele muito provavelmente era capaz de usar grego também.” (the interpreter’s bible, vol 7, p.52).

                                                 
                A palavra ekklēsia é encontrada somente duas vezes nos Evangelhos, e apenas em Mateus (16.18, 18.17).

                Este termo parece estar reservado para o tempo após a ressurreição de Jesus, já que em Lucas-Atos nunca ocorre ekklēsia antes dos eventos de Pentecostes. Portanto, ekklēsia é uma instituição pós-ressurreição.
                Olharemos para a passagem de Mateus 16.18 limitando no uso da palavra ekklēsia, sem entrar no grande debate em torno deste versículo.
               Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas                    do inferno não prevalecerão contra ela”

O que teria pensado Pedro quando Jesus disse que eles seriam sua ekklēsia? Ele relembraria que a ekklēsia era a assembleia reunida para discutir assuntos da polis. Portanto, essencialmente, a ekklēsia de Jesus teria um caráter político.

                Em Atos 19. 31, 39, 41 a palavra usada no grego é ekklēsia, que foi traduzida como “assembleia”. Aqui podemos perceber ekklēsia com seu significado “grego”: um conselho da cidade, um corpo civil de Éfesos. Então, quando os escritores do Novo Testamento usavam a palavra ekklēsia, eles queria dizer “um corpo de cristãos chamados dos sistema Romano e Judeu para reunirem-se em uma comunidade civil separada. Isto significava um corpo político autônomo de cristãos sob um rei: Jesus. Nenhum homem governava acima deles! Somente Cristo. Esta foi a razão para que os cristãos entrassem em conflito com reis e governadores; tiveram problemas com Cesar; foram presos, crucificados e martirizados. Eles largaram de Cesar e seguiram Jesus. A ekklēsia era diametralmente oposta aos Cesares do mundo. Vejamos Atos 17.1-6

“E passando por Anfípolis e Apolônia, chegaram a Tessalônica, onde havia uma sinagoga de judeus.
E Paulo, como tinha por costume, foi ter com eles; e por três sábados disputou com eles sobre as Escrituras,
Expondo e demonstrando que convinha que o Cristo padecesse e ressuscitasse dentre os mortos. E este Jesus, que vos anuncio, dizia ele, é o Cristo.
E alguns deles creram, e ajuntaram-se com Paulo e Silas; e também uma grande multidão de gregos religiosos, e não poucas mulheres principais.
Mas os judeus desobedientes, movidos de inveja, tomaram consigo alguns homens perversos, dentre os vadios e, ajuntando o povo, alvoroçaram a cidade, e assaltando a casa de Jasom, procuravam trazê-los para junto do povo.
E, não os achando, trouxeram Jasom e alguns irmãos à presença dos magistrados da cidade, clamando: Estes que têm alvoroçado o mundo, chegaram também aqui;



Que passagem! Estes que têm alvoroçado o mundo! Mundo aqui se refere ao sistema. Mas que sistema? A resposta está na continuação da passagem:
“Os quais Jasom recolheu; e todos estes procedem contra os decretos de César, dizendo que há outro rei, Jesus. E alvoroçaram a multidão e os principais da cidade, que ouviram estas coisas. (Atos 17:7-8)
Eles estavam anunciando outro rei. Um rei que era maior do que César. Eles estavam formando corpos civis que não mais seguiam a Cesar. Eles estavam formando postos civis para o exército conquistador de Cristo. Eles estavam em guerra! E não somente uma guerra espiritual, mas também uma guerra contra os dominadores deste mundo, já que estamos inseridos em um mundo e temos corpo E alma.





[1] Colin brown (ed.). the new international dictionary of new testament theology. Verbete “church”, por L Coenen.
[2] MULLER, Mogens. First Bible of the church. A plea for the septuagin.
[3] Ver por exemplo, o estudo de Phil Stringer. Was the septuagint the bible of Christ and the apostles? IN: http://wcbible.org/documents/septuagint.pdf, acessado em 18/09/13.
[4] BRIGHT, John. A history of Israel. Philadelphia: The Westminster Press, 1974, p. 418-19.

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