A tese básica deste livro é que o crescimento econômico está
relacionado à melhoria do padrão de vida da maioria das pessoas, proporcionando
maiores oportunidades, tolerância da diversidade, mobilidade social, compromisso
para com a justiça e dedicação à democracia.
O autor demonstra ao longo do livro que, mesmo sociedades
que já progrediram bastante nessas áreas, tendem a avançar ainda mais quando
seus padrões de vida se elevam. Mas, por outro lado, quando esses padrões
declinam ou ficam estagnados, a maior parte das sociedades avança muito pouco,
ou nada, inclusive ocorrem retrocessos. Neste sentido, o livro traz muitos
exemplos de como Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e Alemanha sofreram com
intolerância e com instituições políticas enfraquecidas quando passaram por estagnação
econômica.
O autor parte de concepções Weberianas, mas também vai além.
Para Weber, os princípios morais produziam crescimento econômico. Para Friedman,
o crescimento econômico não depende apenas
do impulso moral, mas tem também consequências
morais positivas.
Para apreciar devidamente os argumentos apresentados,
deve-se conhecer um pouco quem é Friedman.
O autor.
Benjamim Friedman tem formação acadêmica em Economia pela
Harvard, universidade na qual acabou se tornando professor de Economia
Política.
Apesar de americano e se basear predominantemente no estudo
de casos dos Estados Unidos e Europa ocidental, muitas das conclusões podem ser
estendidas para todos os países do mundo. É o que o autor esboça algumas vezes
ao longo do estudo.
Ressaltarei os dois principais aspectos que me chamaram mais
atenção, progresso e educação, tratados ao longo da obra, mas não necessariamente
na ordem que
apresento aqui.
Progresso
A noção de progresso econômico, que redunda em melhorias
sociais para todos, é algo que fica muito forte com a Reforma Protestante. Para
os Calvinistas, embora as ações de uma pessoa não tenham qualquer efeito causal
no destino final de sua alma, uma conduta apropriada e o sucesso no mundo eram
tidos como indícios de um favor divino e, portanto, de salvação espiritual.
O “teatro da glória” criado por Deus dava oportunidade para
diversas formas da criatividade humana. Assim, de acordo com os seguidores de
Calvino, principalmente os puritanos, a prosperidade econômica era sinal
externo de graça interna.
Como aponta Friedman, a noção de “vocação” religiosa fora do
sacerdócio nasceu com Lutero, mas foi Calvino e seus seguidores que a desenvolveram
e lhe deram um lugar muito mais importante no código do comportamento
individual que preconizavam. Cumprir o seu dever nos assuntos do mundo
constituía um empreendimento moral explícito. Consequentemente, toda a atividade,
incluindo a econômica, assumia um significado especial.
É interessante perceber que Calvino, além de ter uma opinião
altamente favorável do “comércio”, escreveu sobre questões econômicas e até
mesmo utilizou metáforas comerciais para descrever o comportamento moral. Mas
não o fez acriticamente. Para Calvino, devido ao “domínio epistêmico” que o
pecado exerce sobre o homem após a queda do paraíso, os seres humanos são
inclinados a ter uma visão deformada do que seja o seu melhor interesse, muitas
vezes colocando o que percebem ser o seu auto-interesse antes do interesses dos
outros e mesmo do amor de Deus.
De fato, a noção de progresso foi acalentada pelo protestantismo
nascente. Friedman nota que mesmo na Bíblia esse conceito existia, mas de
maneira inversa ao que ele defende, qual seja, a de que a elevação do padrão de
vida faz evoluir as atitudes públicas e as instituições políticas de um modo
que beneficia o caráter moral de uma sociedade. Na Bíblia, notadamente em Deuteronômio
11:13-15 lê que a conduta moral redunda em benefício econômico.
Friedman percebe que a fé no progresso não tem sido uma
constante na história da humanidade. Em alguns momentos até se chegou a
ridicularizar a noção de progresso, como por exemplo, logo após o Holocausto.
Mas independente das ideias negativas que por ventura
surgissem, quando se analisa a história, o processo que impulsionava o motor da
mudança econômica levava necessariamente ao avanço político e social.
Friedman diz que a ideia de progresso no Iluminismo,
propagada por Adam Smith, por exemplo, que não era religioso, foi influenciada pela
concepção bíblica do “milênio”. Para os primeiros cristãos, o milênio prometido
em Apocalipse fazia parte de uma descrição de como a história humana se
desenrolaria: depois de um período de intensa luta entra as forças das trevas e
da luz, que envolvia uma série de tribulações para os fiéis, o poder do mal
seria contido e uma utopia celeste se instalaria na Terra durante mil anos.
Então, em seguida a um breve período de intenso conflito, o Reino de Deus seria
estabelecido e a história humana chegaria ao fim.
Este visão, muitas vezes interpretada de forma negativa, foi
reinterpretada na Inglaterra do século XVII. Joseph Mede, especialista em
estudos bíblicos da Universidade de Cambridge, assumiu a liderança não só em
reinterpretar o Apocalipse e o milênio como sendo instrumentos de previsão de
acontecimentos do mundo real, mas também em dar um tom otimista à própria
profecia. Para Mede, o progresso da história do mundo e da religião não
representava um declínio nem mesmo um ciclo interminável, mas sim a gradual
derrota do mal e a materialização do Evangelho no contexto da vida humana,
exemplificada pela invenção da imprensa (utilíssima para a propagação do palavra
de Deus), a Reforma, o estabelecimento de uma sucessão protestante na Inglaterra
e a Revolução Puritana. Assim, longe de ser uma mensagem de declínio e
decadência, o verdadeiro significado da Revelação de Apocalipse era assegurar o
progresso tanto religioso quanto secular. O mundo tinha se transformado em um
lugar melhor em ambos os campos, e havia pela frente um mundo ainda melhor.
Segundo Thomas Merton, apesar do milênio ser inevitável, os
puritanos se sentiam ansiosos para dar seu surgimento, sendo a expansão do
conhecimento uma peça essencial em tal esforço. Na Inglaterra, os puritanos
contribuíram para a fundação da Royal Society em 1660, e um número grande de
membros dessa fundação eram puritanos ou até mesmo clérigos. A noção era que
aprofundar o conhecimento da natureza constituía um elemento essencial da experiência
religioso, um modo de tentar conhecer a obra de Deus.
No século XX, a visão positiva do progresso foi abalada primeiramente
pela I Guerra Mundial e logo depois pela Grande Depressão, que causaram
desemprego em massa.
Ao fim da primeira parte, após um longo estudo de caso dos
Estados Unidos, Friedman enfatiza que
Seria tolice pretender que o
fato de a renda dos cidadãos aumentar ou diminuir constitui o único
determinante de como a sociedade de um país evolui. Forças econômicas
independentes, tanto no plano doméstico quanto no exterior (incluindo guerras
e, mais recentemente, ataques terroristas), e outros fatores, como o impacto de
novas tecnologias; oportunidades e pressões de novos estilos de vida e
diferentes formas de ganhar a vida, assim como tendências demográficas,
contribuem para criar o modo como as pessoas olham umas para as outras, coletiva
ou individualmente. Mas a experiência americana sugere que o crescimento econômico
largamente partilhado, bem como a estagnação, é uma força poderosa nesse
sentido. (Friedman, As consequências morais do crescimento econômico, p. 266).
Para um caso extremo de como a estagnação econômica e
negativa, Friedman aponta a situação da Alemanha, com a ascensão dos nazistas
ao poder e os acontecimentos que se seguiram durante o seu período de governo. Mais
claramente do que em qualquer outro país do Ocidente, o declínio econômico
contribuiu para o colapso da democracia e a ausência de tolerância na Alemanha.
Englobando também os países em desenvolvimento, Friedman
conclui que os cidadãos de países com renda mais elevada tendem a desfrutar
direitos políticos e liberdades civis mais amplos. Claro que religião, cultura,
influência de países vizinhos, impacto de acontecimentos históricos específicos
e mesmo ações de líderes nacionais são importantes. Apesar disso, Friedman
relata que não há dúvida de que direitos políticos e liberdades civis se
afirmam com mais facilidade quando o padrão de vida é alto.
Educação
No que concerne à educação, as instituições política
democráticas são uma força positiva nesse sentido, culminando em crescimento econômico.
As democracias tendem a promover sistemas educacionais que são mais abrangentes,
e que se estendem à várias camadas da população, desenvolvendo uma ampla base
de recursos humanos.
A formação de capital humano tem um papel importante em
gerar produtividade e crescimento econômico. Como já foi apontando, Friedman argumenta
ao longo da obra que sociedades mais abertas que desfrutam de um crescimento
econômico superior têm tendência de oferecer educação mais ampla. Comparando-se
vários países, o vinculo entre crescimento econômico e educação formal é
sistemático e forte. Mais oportunidades de educação para os cidadãos de um país
significa crescimento econômico mais rápido.
A educação constitui um investimento e há provas de que o
retorno, em termos de maior produtividade para a economia como um todo, pode
ser vasto. Numerosos estudos sobre a questão da educação e a subsequente experiência
do trabalho sugerem que cada ano adicional frequentando a escola aumenta em 7%
a 8% os ganhos de uma pessoa ao longo da vida.
Enfim, a educação é fundamental e está relacionada
diretamente ao crescimento econômico, cientifico e tecnológico em uma relação extremamente
interdependente.
Outros temas interessantes são tratados no livro como
crescimento e igualdade (capítulo 14), onde o autor aponta que o grande
problema não é a desigualdade em si, uma vez que o crescimento econômico traz
uma redução da pobreza; também é tratado como o crescimento econômico redunda
em avanço tecnológico que por sua vez acaba gerando uma melhor administração dos
recursos naturais e diminuição de poluição (capítulo 15).
Conclusão
Apesar do autor focar mais os casos dos Estados Unidos e de algumas
regiões da Europa, seu estudo é facilmente transportável para nosso contexto.
Da mesma forma como crescimento econômico trouxe melhoras para os casos estudos
no livro, no Brasil épocas de crescimento são marcadas por maior tolerância,
sem extremismos e maior desenvolvimento em questões humanas. Da mesma forma, em
épocas de crise, surgem intolerâncias, e diminuição em investimentos em
educação, como está ocorrendo neste momento. O crescimento econômico redunda em
melhoras morais, mas as políticas brasileiras não percebem que o progresso
ocorre quando há investimentos em educação e em cuidados econômicos para
ultrapassar períodos de crise com o menor possível de danos.
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