terça-feira, 18 de outubro de 2016

Consequências morais do crescimento econômico - Benjamim Friedman

A tese básica deste livro é que o crescimento econômico está relacionado à melhoria do padrão de vida da maioria das pessoas, proporcionando maiores oportunidades, tolerância da diversidade, mobilidade social, compromisso para com a justiça e dedicação à democracia.
O autor demonstra ao longo do livro que, mesmo sociedades que já progrediram bastante nessas áreas, tendem a avançar ainda mais quando seus padrões de vida se elevam. Mas, por outro lado, quando esses padrões declinam ou ficam estagnados, a maior parte das sociedades avança muito pouco, ou nada, inclusive ocorrem retrocessos. Neste sentido, o livro traz muitos exemplos de como Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e Alemanha sofreram com intolerância e com instituições políticas enfraquecidas quando passaram por estagnação econômica.
O autor parte de concepções Weberianas, mas também vai além. Para Weber, os princípios morais produziam crescimento econômico. Para Friedman, o crescimento econômico não depende apenas do impulso moral, mas tem também consequências morais positivas.
Para apreciar devidamente os argumentos apresentados, deve-se conhecer um pouco quem é Friedman.
 
O autor.
Benjamim Friedman tem formação acadêmica em Economia pela Harvard, universidade na qual acabou se tornando professor de Economia Política.
Apesar de americano e se basear predominantemente no estudo de casos dos Estados Unidos e Europa ocidental, muitas das conclusões podem ser estendidas para todos os países do mundo. É o que o autor esboça algumas vezes ao longo do estudo.
Ressaltarei os dois principais aspectos que me chamaram mais atenção, progresso e educação, tratados ao longo da obra, mas não necessariamente
 na ordem que apresento aqui.
Progresso
A noção de progresso econômico, que redunda em melhorias sociais para todos, é algo que fica muito forte com a Reforma Protestante. Para os Calvinistas, embora as ações de uma pessoa não tenham qualquer efeito causal no destino final de sua alma, uma conduta apropriada e o sucesso no mundo eram tidos como indícios de um favor divino e, portanto, de salvação espiritual.
O “teatro da glória” criado por Deus dava oportunidade para diversas formas da criatividade humana. Assim, de acordo com os seguidores de Calvino, principalmente os puritanos, a prosperidade econômica era sinal externo de graça interna.
Como aponta Friedman, a noção de “vocação” religiosa fora do sacerdócio nasceu com Lutero, mas foi Calvino e seus seguidores que a desenvolveram e lhe deram um lugar muito mais importante no código do comportamento individual que preconizavam. Cumprir o seu dever nos assuntos do mundo constituía um empreendimento moral explícito. Consequentemente, toda a atividade, incluindo a econômica, assumia um significado especial.
É interessante perceber que Calvino, além de ter uma opinião altamente favorável do “comércio”, escreveu sobre questões econômicas e até mesmo utilizou metáforas comerciais para descrever o comportamento moral. Mas não o fez acriticamente. Para Calvino, devido ao “domínio epistêmico” que o pecado exerce sobre o homem após a queda do paraíso, os seres humanos são inclinados a ter uma visão deformada do que seja o seu melhor interesse, muitas vezes colocando o que percebem ser o seu auto-interesse antes do interesses dos outros e mesmo do amor de Deus.
De fato, a noção de progresso foi acalentada pelo protestantismo nascente. Friedman nota que mesmo na Bíblia esse conceito existia, mas de maneira inversa ao que ele defende, qual seja, a de que a elevação do padrão de vida faz evoluir as atitudes públicas e as instituições políticas de um modo que beneficia o caráter moral de uma sociedade. Na Bíblia, notadamente em Deuteronômio 11:13-15 lê que a conduta moral redunda em benefício econômico.   
Friedman percebe que a fé no progresso não tem sido uma constante na história da humanidade. Em alguns momentos até se chegou a ridicularizar a noção de progresso, como por exemplo, logo após o Holocausto.
Mas independente das ideias negativas que por ventura surgissem, quando se analisa a história, o processo que impulsionava o motor da mudança econômica levava necessariamente ao avanço político e social.
Friedman diz que a ideia de progresso no Iluminismo, propagada por Adam Smith, por exemplo, que não era religioso, foi influenciada pela concepção bíblica do “milênio”. Para os primeiros cristãos, o milênio prometido em Apocalipse fazia parte de uma descrição de como a história humana se desenrolaria: depois de um período de intensa luta entra as forças das trevas e da luz, que envolvia uma série de tribulações para os fiéis, o poder do mal seria contido e uma utopia celeste se instalaria na Terra durante mil anos. Então, em seguida a um breve período de intenso conflito, o Reino de Deus seria estabelecido e a história humana chegaria ao fim.
Este visão, muitas vezes interpretada de forma negativa, foi reinterpretada na Inglaterra do século XVII. Joseph Mede, especialista em estudos bíblicos da Universidade de Cambridge, assumiu a liderança não só em reinterpretar o Apocalipse e o milênio como sendo instrumentos de previsão de acontecimentos do mundo real, mas também em dar um tom otimista à própria profecia. Para Mede, o progresso da história do mundo e da religião não representava um declínio nem mesmo um ciclo interminável, mas sim a gradual derrota do mal e a materialização do Evangelho no contexto da vida humana, exemplificada pela invenção da imprensa (utilíssima para a propagação do palavra de Deus), a Reforma, o estabelecimento de uma sucessão protestante na Inglaterra e a Revolução Puritana. Assim, longe de ser uma mensagem de declínio e decadência, o verdadeiro significado da Revelação de Apocalipse era assegurar o progresso tanto religioso quanto secular. O mundo tinha se transformado em um lugar melhor em ambos os campos, e havia pela frente um mundo ainda melhor.
Segundo Thomas Merton, apesar do milênio ser inevitável, os puritanos se sentiam ansiosos para dar seu surgimento, sendo a expansão do conhecimento uma peça essencial em tal esforço. Na Inglaterra, os puritanos contribuíram para a fundação da Royal Society em 1660, e um número grande de membros dessa fundação eram puritanos ou até mesmo clérigos. A noção era que aprofundar o conhecimento da natureza constituía um elemento essencial da experiência religioso, um modo de tentar conhecer a obra de Deus.
No século XX, a visão positiva do progresso foi abalada primeiramente pela I Guerra Mundial e logo depois pela Grande Depressão, que causaram desemprego em massa.
Ao fim da primeira parte, após um longo estudo de caso dos Estados Unidos, Friedman enfatiza que
Seria tolice pretender que o fato de a renda dos cidadãos aumentar ou diminuir constitui o único determinante de como a sociedade de um país evolui. Forças econômicas independentes, tanto no plano doméstico quanto no exterior (incluindo guerras e, mais recentemente, ataques terroristas), e outros fatores, como o impacto de novas tecnologias; oportunidades e pressões de novos estilos de vida e diferentes formas de ganhar a vida, assim como tendências demográficas, contribuem para criar o modo como as pessoas olham umas para as outras, coletiva ou individualmente. Mas a experiência americana sugere que o crescimento econômico largamente partilhado, bem como a estagnação, é uma força poderosa nesse sentido. (Friedman, As consequências morais do crescimento econômico, p. 266).  

Para um caso extremo de como a estagnação econômica e negativa, Friedman aponta a situação da Alemanha, com a ascensão dos nazistas ao poder e os acontecimentos que se seguiram durante o seu período de governo. Mais claramente do que em qualquer outro país do Ocidente, o declínio econômico contribuiu para o colapso da democracia e a ausência de tolerância na Alemanha.
Englobando também os países em desenvolvimento, Friedman conclui que os cidadãos de países com renda mais elevada tendem a desfrutar direitos políticos e liberdades civis mais amplos. Claro que religião, cultura, influência de países vizinhos, impacto de acontecimentos históricos específicos e mesmo ações de líderes nacionais são importantes. Apesar disso, Friedman relata que não há dúvida de que direitos políticos e liberdades civis se afirmam com mais facilidade quando o padrão de vida é alto.


Educação
No que concerne à educação, as instituições política democráticas são uma força positiva nesse sentido, culminando em crescimento econômico. As democracias tendem a promover sistemas educacionais que são mais abrangentes, e que se estendem à várias camadas da população, desenvolvendo uma ampla base de recursos humanos.  
A formação de capital humano tem um papel importante em gerar produtividade e crescimento econômico. Como já foi apontando, Friedman argumenta ao longo da obra que sociedades mais abertas que desfrutam de um crescimento econômico superior têm tendência de oferecer educação mais ampla. Comparando-se vários países, o vinculo entre crescimento econômico e educação formal é sistemático e forte. Mais oportunidades de educação para os cidadãos de um país significa crescimento econômico mais rápido.
A educação constitui um investimento e há provas de que o retorno, em termos de maior produtividade para a economia como um todo, pode ser vasto. Numerosos estudos sobre a questão da educação e a subsequente experiência do trabalho sugerem que cada ano adicional frequentando a escola aumenta em 7% a 8% os ganhos de uma pessoa ao longo da vida.
Enfim, a educação é fundamental e está relacionada diretamente ao crescimento econômico, cientifico e tecnológico em uma relação extremamente interdependente.
Outros temas interessantes são tratados no livro como crescimento e igualdade (capítulo 14), onde o autor aponta que o grande problema não é a desigualdade em si, uma vez que o crescimento econômico traz uma redução da pobreza; também é tratado como o crescimento econômico redunda em avanço tecnológico que por sua vez acaba gerando uma melhor administração dos recursos naturais e diminuição de poluição (capítulo 15).

Conclusão
Apesar do autor focar mais os casos dos Estados Unidos e de algumas regiões da Europa, seu estudo é facilmente transportável para nosso contexto. Da mesma forma como crescimento econômico trouxe melhoras para os casos estudos no livro, no Brasil épocas de crescimento são marcadas por maior tolerância, sem extremismos e maior desenvolvimento em questões humanas. Da mesma forma, em épocas de crise, surgem intolerâncias, e diminuição em investimentos em educação, como está ocorrendo neste momento. O crescimento econômico redunda em melhoras morais, mas as políticas brasileiras não percebem que o progresso ocorre quando há investimentos em educação e em cuidados econômicos para ultrapassar períodos de crise com o menor possível de danos.


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