Este é um livro muito bem escrito, que talvez pelo título tenha-se
a impressão de algo seco e cansativo, com datas e muitas informações.
Entretanto, Adam Roberts conseguiu escrever um livro informativo e ao mesmo
tempo muito agradável de se ler. Sua estratégia de tratar primeiramente as
obras através do âmbito temático, mas sem abandonar o cronológico, me parece bem
sucedido.
Adam Roberts não concorda com o que normalmente é demarcado
como o início da Ficção cientifica. Para ele as raízes do que ele chama de voyages extraordinaires interplanetárias
já tem início na Grécia antiga, mas seu pleno desenvolvimento se dá a
partir do século XVI. Ele identifica quatro formas de ficção cientifica:
1)
Histórias sobre viagens interplanetárias;
2)
Viagens através do tempo e viagens através do
espaço;
3)
Histórias sobre tecnologia;
4)
Utopias.
Estes estilos estão presentes desde a Grécia, mas existe um
interlúdio de obras até o século XVI, e é aqui que a tese inovadora de Roberts
se encaixa (pode-se concordar ou não, mas é um belo argumento, reforçado por
estudos de caso de obras). Para ele, a re-emergência da ficção cientifica é
correspondente com a Reforma Protestante.
Durante o final do século XVI e início do século XVII, o
equilíbrio da balança do questionamento científico mudou
para os países protestantes, onde o tipo de especulação que algumas vezes
poderia parecer contrária à revelação bíblica poderia ser encaminha com
relativa liberdade.
A partir da revolução copernicana, um problema central
surgiu nas especulações desse período: se existirem vários mundos, com muitas
populações de seres vivendo neles, então isto tenderia a negar a singularidade da crucificação de Cristo e
desvalorizar o cristianismo.
O ponto revolucionário do cosmos copernicano é reconfigurar
o foco para além da terra e da humanidade: ou Cristo morreu apenas uma vez e
Deus ignorou o resto de sua vasta criação, ou ele morreu em cada mundo
possível. Um problema que acompanhou não só cristãos, como pode ser vistos na obra "Hyperion" de
Dan Simmons. C. S. Lewis também enfrentou esse problema em sua trilogia
Cósmica.
E aqui chegamos ao âmago da tese de Adam Roberts: a ficção
científica seria determinada pela dialética entre “protestante” e “católico”
(ou, em termos menos sectários, entre “deísmo” e “panteísmo mágico”), que surge
no século XVII.
Vejam, trata-se de diferenças entre catolicismo e protestantismo que o
autor ressalta como sendo importantes para o desenvolvimento da ficção
cientifica e não exatamente de diferenças teológicas. Trata-se mais do enfoque.
A perspectiva católica traz imbuída em si uma perspectiva
mais “mágica”; já o movimento protestante foi para muitos visto como um impulso
por retirar a “mágica da religião”. As imaginações protestantes cada vez mais
mudaram a função instrumental da mágica com instrumentos tecnológicos, e
produziu a ficção científica.
Mas vejam bem, essas perspectivas atuais em livros de ficção
cientifica “católicos” e “protestantes” não significa que necessariamente são
escritos por religiosos dessas vertentes; trata-se muito mais de uma tendência
em colocar elementos de “mágica” e elementos “tecnológicos” em maior ou menor
grau; isso que serviria para definir em que posição atuais escritos se
encaixariam.
Por exemplo, "Um cântico para Leibowitz" de Walter M. Miller,
apesar de conter elementos tecnológicos, a história se desenrola tendo como
pano de fundo uma série de elementos mágicos: o personagem Leibowitz é um
hermita em um deserto pós-nuclear, e que é imortal, entre outras coisas. Nestas
histórias “católicas” o elemento mágico não é meramente jogado no livro como
algo bizarro, mas sim funciona como um endosso do sobrenatural, da presença de
Deus, em um mundo que foi destruído por uma bomba atômica fruto de uma
sociedade puramente secular e racional.
De outro lado, o autor cita como exemplo a tetralogia de
Gene Wolf “Long Sun”, que traz como herói um humilde sacerdote, mas no qual a
religião não tem um caráter “católico”: a trajetória da série apresenta as
características de um mundo que aparece inicialmente como sobrenatural, mas que
na verdade não é nada mais do que tecnológico, um enredo que podemos chamar de
“protestante”.
Adam Roberts trabalha analisando a ficção científica primeiramente
através da literatura, mas também trabalha com filmes, HQs, TV, e consegue amarrar
muito bem as informação e suas conclusões, sem ser maçante.
Enfim, uma grata surpresa e altamente recomendado para fãs do estilo.
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