O evangelicalismo brasileiro por muito tempo foi avesso ao
intelectualismo, aos estudos; aqui o que se via era uma verdadeira bibliofobia,
o pavor com relação aos livros. Talvez tal situação ainda perdure na sociedade
brasileira, dentro e fora da igreja evangélica, mas também tenho percebido um
renascimento da busca intelectual, do conhecimento teológico profundo. A internet
tem ajudado bastante através de pregações, blogs, textos, e também temos acesso
à versões diferentes da Bíblia, muitas delas de estudos, além de comentários e
obras de referência.
Em um outro post, eu disse que existem dois tipo de bons
livros cristãos: aqueles mais acadêmicos, com notas de rodapés e ideias
complexas, que algumas vezes é pouco acessível ao grande público e existem
livros que conversam com o leitor, que te conduzem como um guia em meio à
maravilhosas jornadas e são cheios de insights. Mas esqueci que também há um
terceiro tipo de livro, que é uma mistura dos dois tipos: acadêmico sem deixar de ser acessível. É esse o caso do livro do pastor-teólogo (como ele mesmo
gosta de enfatizar) Jonas Madureira.
Confesso que esperava um livro complexo, daqueles que você
precisa destrinchar o que o autor quer dizer, mas me surpreendi. Inteligência
Humilhada é um daqueles raros livros que passam uma mensagem complexa, cheia de
detalhes (as notas de rodapé estão lá), mas que consegue ser ao mesmo tempo simples e prático; sente-se o
cuidado pastoral, sem descuidar da teologia, o que Jonas tanto gosta de se referir. O
autor nos conduz na compreensão do conceito de Inteligência Humilhada na
história da teologia e suas implicações para o homem todo, não somente com
referência ao seu pensamento, mas também à suas ações práticas.
Ao trilhar esse caminho, Jonas não deixa de tratar de temas
espinhosos, como o problema do mal, da antropologia bíblica e da dualidade
natureza e graça e como podemos resolver essas questões através da cosmovisão
cristã. Jonas usa como arcabouço teórico autores como Agostinho, Anselmo da
Cantuária, Calvino, Pascal, Dooyeweerd e Lewis, presentes em toda a tessitura de
seu livro, num profundo debate com pensadores atuais; não são usados
meramente para “comprovar” suas ideias, mas aparecem em diálogo franco. A maneira
como Jonas manuseia esses autores é muito agradável de ser ler.
Jonas inicialmente nos chama a atenção de que “é possível
ser piedoso e, ao mesmo tempo, inteligente!” (p. 27).
É a velha máxima “fé que pensa, razão que crê” pregada desde
os pais da igreja, mas que precisa ser constantemente enfatizada. Este é o leitmotiv - pra usarmos um termo caro ao
autor, o tema, do livro. Precisamos colocar nossas mentes na presença de Deus, Coram Deo. É a esse chamado que trata
o capítulo 1.
O capítulo 2 analisa como nossa inteligência sofreu com os
efeitos da queda e se apresenta limitada. O conhecimento nessa situação de
des-graça nos torna incapazes de encontrar a verdade por esforço próprio. Dependemos
de Deus. É por isso que os mais diversos campos da atividade humana são
limitados e apresentam sinais dessa queda. Por exemplo, desde o século XVIII,
enalteceu-se como ferramentas de salvação humanas a ciência, um movimento que
tem sido desde o início acusado como cientificismo. Esse cientificismo de forma
reducionista coloca a ciência em um pedestal como a única fonte de
conhecimento, paz e progresso.
O cristão sabe, ou deveria saber, que o homem é um ser
dependente da graça de Deus e que deve depositar sua inteligência aos pés da Cruz;
é nessa humilhante posição (como nos é apontado pela belíssima imagem da capa
do livro – "Cristo lavando os pés de Pedro", pintura de Ford Madox Brown), que
devemos deixar cativo nosso pensamento.
O capítulo 3, “Deus humilhado” é que se apresenta um dos
maiores problemas teológicos que tende a nos causar desconforto intelectual: o
problema do mal. Em nossa arrogância intelectual, colocamos Deus no banco dos
réus para que se explique; em resposta somos apontados para a humilhação de seu
Filho; o Deus cristão não é uma divindade que se diverte com os males do mundo,
mas sim que se compraz com as necessidades humanas e desce para fazer parte
desses sofrimentos.
Para o homem se conhecer (capítulo 4) deve saber que não é
somente cérebro-mente, mas que também nas escrituras é tratado como sendo
composto por alma, coração, carne e espirito; na ordem,
. um ser desejante,
. um ser deliberante, que delibera sobre a direcionalidade
do desejo;
. um ser contingente, limitado pela fragilidade da carne;
. um ser vivente, cuja vida/espírito vem de Deus.
Assim, chegamos ao mais denso capítulo, que trata da “Traição dos
teólogos” (cap. 5), que para Jonas se origina na insubmissão à cosmovisão
cristã. Nesse capítulo o autor explora o conceito de cosmovisão cristã (que considero
um dos conceitos teológicos mais importantes de serem conhecidos pela igreja
brasileira, impactando ações de missão e pregação).
O abandono da cosmovisão cristã tem produzido crentes pouco
apegados aos estudos, com uma visão negativa do trabalho (“fazei tudo pela
glória de Deus”, 1 Co 10.31) e avesso ao conhecimento científico. Construímos redomas
“cristãs” e não nos envolvemos no mundo. Jonas não deixa de enfatizar a prioridade
da pregação, mas sem cair em dualismos, nos quais a igreja e o “mundo” são
coisas separadas.
O livro de Jonas Madureira é um chamado ao crente colocar
sua inteligência a serviço do Reino. Ao terminar o livro com uma oração, expõe na
prática o que todo crente deve fazer: cultivar sua mente, mas em profunda devoção.
É uma obra que procura trazer um equilíbrio necessário à igreja brasileira, que
tem profundas resistências ao trabalho intelectual. Em uma sociedade onde reina o
secularismo e uma pretensa autonomia do pensamento, principalmente expostas em
nossas universidades, já é tempo do cristão recuperar a cosmovisão cristã.
Este livro de Jonas Madureira é um grande exemplo do
renascimento da mente cristã, sem deixar a piedade de lado, que vem ocorrendo
entre alguns teólogos brasileiros. Oremos para que essa mensagem se propague e
que nossas igrejas e seus membros não sejam um vazio intelectual.
Um livro fundamental pra restarmos conceitos importantes e refletirmos para onde pode ir o protestantismo brasileiro.
Ps: Um outro livro que me veio à mente quando pensava na mensagem de Jonas Madureira, e que possa interessar, é “O triângulo do reino”, de J. P. Moreland. A descrição do livro é suficiente pra perceber a semelhança: "É possível hoje ser intelectualmente desenvolvido, emocionalmente centrado e satisfeito com uma vida de intimidade com Deus e ter uma vida interior vibrante, marcada pelo poder sobrenatural do Reino e as manifestações miraculosas do poder do Espírito."
Depois de alguns na fila, gostaria de ler o livro que o moveu, professor, a fazer esta resenha. De qualquer modo, a humanidade jamais se explicará, quer racional ou espiritualmente, buscando a compreensão racional de sua identidade. Ela perdeu isto ao decidir seguir independente do Autor, (conta-nos a história do Eden, seja em qual formato quisermos). A prova disto é a infinita e contínua produção literária, midiática, acadêmica, discursiva e por quais meios de comunicação essa humanidade viaja pelo tempo, inquieta por se encontrar e se compreender. Reconheço em mim, o anseio maior deste ser humano, desejante, deliberante, contingente, vivente, perdido e encontrado, inteligente, emotivo, e AMADO, sem merecer pelos próprios méritos nenhuma destas coisas.
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