domingo, 1 de abril de 2018

O ajuste fino do universo - Alister McGrath


   
Resultado de imagem para o ajuste fino do universo mcgrath

Charles Kingsley disse que: “Sabíamos há muito tempo que Deus era tão sábio que poderia fazer todas as coisas: mas vejam, ele é tão mais sábio até mesmo que isso, no sentido de que pode fazer com que todas as coisas façam a si mesmas”.


     Estava outro dia lendo as “Confissões” de Agostinho quando, ao chegar aos livros XI a XIII, me deparo com o conceito de “razões seminais”. Pesquisando, percebi que Agostinho havia desenvolvido este conceito em seus estudos do Gênesis, o qual aponta que Deus criou simultaneamente todas as coisas. Pra mim isso despertou uma curiosidade intelectual e lembrei que havia visto que Alister McGrath mencionava Agostinho em “O Ajuste fino do universo”. Resolvi ler toda essa obra e, para minha grata surpresa, não só minha curiosidade foi satisfeita como me deparei com uma obra extremamente bem pesquisada e fundamentada nas últimas pesquisas científicas.
Para aqueles que desconhecem o autor, Alister McGrath era ateu convicto até a universidade. Em seus estudos de graduação em química e doutoramento em bioquímica em Oxford, ele começou a perceber que a ciência não implicava necessariamente em ateísmo. Então, ele passou a se interessar seriamente na questão de fé e ciência e se doutorou em teologia e em letras (ver o capitulo “Ciência, fé e a compreensão do sentido das coisas” em Verdadeiros cientistas fé verdadeira). Portanto, com essa formação, ele possui um cabedal intelectual bastante pertinente para abordar a relação entre ciência e fé; tanto que tem sido reconhecido como um dos grandes proponentes desse debate, chegando em 2009 a palestrar nas importantes Palestras Gifford, que promovem e difundem o estudo de Teologia Natural. O livro que comento aqui foi resultado dessas palestras.
     “O ajuste fino do universo” é um daqueles livros que abre uma imensa série de desdobramentos de pesquisa e aprofundamentos tanto para iniciantes quanto para “iniciados” em seus debates: as suas quase 90 páginas de notas e biografia demonstram o cuidado com a pesquisa; o estilo linguístico é marcante, tornando conceitos científicos complicadíssimos um tanto quanto mais fáceis de apreender.
O objetivo da obra é contribuir para o desenvolvimento de uma teologia natural que leve em consideração o avanço cientifico mais atual em convergência com a teologia, no que concerne ao fenômeno antrópico. Este princípio é a noção de que o universo parece surpreendentemente amigável à vida.
     Nessa empreitada, McGrath constrói sua argumentação em duas colunas: uma chamada “Uma teologia natural trinitária”, que se propõe a constituir uma metodologia teológica para o debate; e outra chamada “Ajuste fino: observações e interpretações”, que busca apresentar o que de mais recente há em teorias e dados científicos que frutificam a teologia e a noção de princípio antrópico.
Resultado de imagem para alister mcgrath
     É na primeira coluna que McGrath resgata o pensamento agostiniano de rationes seminales, ou razões seminais. Segundo Agostinho, alguns princípios de ordem foram embutidos na criação, os quais se desenvolveram apropriadamente em estágios posteriores. Essas rationes seminales seriam princípios como sementes que estão presentes desde a origem cósmica, em cada qual estando contido o potencial para o posterior desenvolvimento de um tipo de vida específico. Deus teria criado tudo simultaneamente e, por meio de sua providência, foi capaz de direcionar a efetivação subsequente das potencialidades então criadas. Aqui já percebemos ressonâncias com a teoria darwiniana.
Segundo McGrath, “o argumento básico de Agostinho é que Deus criou o mundo completo com uma série de múltiplas potências dormentes, as quais foram efetivadas no futuro por meio da providência divina.” Deus criou no primeiro momento as potências para todos os tipos de seres viventes que chegariam mais tarde, incluindo a humanidade. Semelhante ao que vemos em Silmarillion, de Tolkien, dos homens surgindo mais tarde na Terra Média.
     Isso não quer dizer que Deus criou o mundo incompleto ou imperfeito. Como disse Agostinho:

Estas foram feitas por Deus no princípio, quando ele fez o mundo e simultaneamente criou todas as coisas, as quais se desdobrariam nas eras por vir. Elas são aperfeiçoadas no sentido de que na própria natureza delas, pela qual elas alcançam seu papel no tempo, não possuem nada que não estivesse já presente nelas casualmente. No entanto, elas apenas se iniciaram, uma vez que nelas estão as sementes, por assim dizer, das perfeições futuras que emergiram do seu estado oculto e as quais seriam manifestadas no tempo devido.  (Agostinho, Comentário literal de Gênesis, 6.11.18,  apud McGrath, p. 119).

     Essa impressionante concepção de Agostinho serve como uma boa base metodológica para os estudos de Teologia Natural.  E é com essa base que McGrath passa a examinar as constantes do universo (cap. 9), as origens da vida (cap. 10), a química da água (cap. 11), os catalisadores químicos e os condicionantes da evolução (cap. 12), o mecanismo da evolução (cap. 13), a direcionalidade da evolução (cap. 14), amparado por muitos dados e estudos atuais.
   O conceito do principio antrópico tem se desenvolvido amplamente nos últimos anos, principalmente após a obra de John Barrow e Frank Tipler, The Anthropic Cosmological Principle, de 1986. Segundo a argumentação desses autores, se o universo saltou à existência num surpreendente curto período de tempo já possuindo as leis que governariam seu desenvolvimento, a questão sobre a origem e o caráter dessas leis torna-se de fundamental importância. As leis da natureza não vieram a existir por um processo gradual de seleção cumulativa. O universo que emergiu a partir do big-bang, já era governado por leis que foram finamente ajustadas para incentivar o surgimento de formas de vida baseada no carbono.
     Em afirmação basilar, McGrath diz que “o ponto essencial é que, se os valores de certas constantes fundamentais que governam o desenvolvimento do universo tivessem sido levemente diferentes, sua evolução teria assumido um curso diferente, levando a um cosmos no qual a vida não teria sido possível.” (p. 134).
     Por exemplo, nos estudos para compreensão do surgimento dos seres vivos, tem-se percebido que a química é fundamental para proporcionar dois componentes fundamentais: um sistema metabólico de automanutenção e um sistema genético capaz de transmitir informação biológica. Alguns pesquisadores enfatizam que a evolução foi mantida, guiada e condicionada pelas modificações da química do ambiente. Isso aponta para uma mudança de pensamento no qual a aleatoriedade do neodarwinismo tradicional está dando lugar a uma concepção de emergência da vida mais regulada por leis científicas. A evolução não deve ser vista como um processo puramente aleatório.
     Mas há muito mais do que isso, como pode-se perceber pelas constantes da natureza, que McGrath explora muito bem (aqui comento somente 3 das 6 que ele aponta):
                . A razão da força eletromagnética em relação à força da gravidade; se esta fosse levemente menor do que o valor observado, apenas um universo em miniatura de curta duração poderia existir: nenhuma criatura poderia ter uma estatura maior do que os insetos e não haveria tempo necessário para a evolução biológica;
                . a força nuclear forte, que define o quão firmemente o núcleo atômico se une; controla o poder do sol e, mais sensivelmente, como as estrelas trasmutam hidrogênio em todos os átomos da tabela periódica; se ocorresse uma leve variação, nós não poderíamos existir.
                . a quantidade de matéria no universo. O número cósmico Ω (ômega) nos diz a importância relativa da gravidade e da expansão de energia no universo. Se essa razão fosse alta demais em relação a um valor “crucial” particular, o universo teria colapsado muito tempo atrás; se ela fosse baixa demais, nenhuma galáxia ou estrelas teriam sido formadas. A velocidade de expansão inicial parece ter sido finamente ajustada.
               
     Por fim, Alister McGrath aborda muitos assuntos que precisam ser melhor conhecidos por todos aqueles que estudam e procuram abordar o tema da relação entre ciência e fé. No Brasil, o meio acadêmico e as igrejas ainda são solos muito fracos desse debate, transparecendo a ilusão de que há uma disputa, de que são campos irreconciliáveis, ou que se deve negar as teorias científicas em prol de teorias fracamente constituídas. Mas esta é uma posição ilusória, e McGrath é um autor que tem procurado demonstrar a racionalidade da fé cristã e, principalmente, que a pesquisa científica nos ajuda a compreender o mundo criado por Deus. Teorias e leis cosmológicas, químicas e biológicas não fazem parte necessariamente de ciências naturalistas, mas antes, nos ajudam a apontar ao Criador.
  “O ajuste fino do Universo” é uma excelente obra de introdução e aprofundamento para todo o cristão que se interessa por desenvolver uma fé sólida e racional. McGrath tem a vocação de um grande divulgador científico, tomando cuidado para não “poluir” o texto com demasiados dados e aprofundando discussões em notas de final de texto.
     Excelente iniciativa de tradução da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC2), que tem feito um ótimo trabalho.
     Espero (e indico) que cristãos e ateus leiam essa obra; precisamos avançar e tornar o debate mais profundo. Com toda a certeza esse livro é uma ferramenta fundamental.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pesquisar este blog