quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Abraham Kuyper e "O problema da pobreza"_uma resenha



A descoberta do neocalvinismo foi para mim uma segunda conversão há um década atrás. Kuyper e Dooyeweerd me fizeram mudar até o rumo de meus estudos acadêmicos, saindo de história do Brasil para filosofia da tecnologia. As insatisfações que eu via com a vida cristã, com a visão de ciência, tecnologia e fé encontraram eco nas formulações iniciais desses autores e de outros que lhes seguiram os passos. A famosa expressão de Kuyper, de que "Não há um único centímetro quadrado, em todos os domínios de nossa existência, sobre os quais Cristo, que é soberano sobre tudo, não clame: É meu!", proclamada num contexto da inauguração da Universidade Livre de Amsterdam em 1880, é impactante demais.
Mudou minha forma de ver a vida cristã, porque compreendi a importância de uma cosmovisão, uma visão que se derrama sobre toda a existência humana. Assim, claro que o problema da pobreza não seria deixado de lado. Mas a visão kuyperiana pode surpreender à muitos: não é uma visão que podemos encaixar na direita e nem na esquerda! Minha insatisfação pela forma como certos conservadores liberais tem tratado questões econômicas cresceu nos últimos anos, aumentada ainda mais pela descoberta do movimento do comunitarismo. Esse movimento pretende ser uma “terceira via”, que procura focar no bem comum. Minha surpresa é grande ao perceber que Kuyper nesse livro apresenta insights comunitaristas, muito tempo antes dessa vertente existir. (É claro que podemos ver sinais disso em Chesterton e na noção de subsidiariedade). A busca para solucionar o problema da pobreza residiria em pensar mais de forma comunitária, em redes simbióticas, à la Althusius, como bem chamou a atenção Guilherme de Carvalho no prefácio.
E também, já que somos mordomos da criação, devemos cuidar do planeta e dos nossos bens como se estes não nos pertencessem, mas o quais administramos em nome de Deus. Isso tem profundas implicações na forma como produzimos nossas tecnologias, por exemplo. Kuyper chama de “arte”, a busca de “trabalhar nesta natureza para que seja aprimorada e aperfeiçoada”. Mas isso não quer dizer que podemos abusar à nosso bel prazer, mas sim cultivar a natureza como mordomos. É interessante que Kuyper aponta tal arte como proveniente de antes da queda. Algumas vezes há uma ênfase na tecnologia como um fruto da queda, mas Kuyper se opõem à isso, porque “o homem ainda se encontrava no paraíso quando recebeu a ordem para ‘guardar e cultivar’ o mundo material” (p. 99). Como poderíamos usar a tecnologia para mitigar o problema da pobreza? Kuyper não dá soluções, apenas caminhos à seguir. 
Devido à queda, as obras de nossa mão são falíveis e imperfeitas e princípios injustos violentam a nossa natureza humana.  
Como bem apontado por Pedro Dulci na introdução, Kuyper estava bem ciente dos problemas causados pela Revolução Industrial, que no final do século XIX, quando escrevia, ganhava novo fôlego e expansão na Europa. Ele, apesar de ter um trabalho acadêmico impressionante, criando jornais, formando partido e fundando uma universidade não estava alheio aos problemas das pessoas simples; ele mesmo se converteu em uma igreja do interior (e isso quando já era pastor!). É alguém cuja biografia vale à pena estudar, por combinar muito bem a teoria (práxis) com a prática (ortopraxia).
Este livro é uma rica, ainda que curta, apresentação das ideias de Kuyper, com prefácio (Guilherme de Carvalho), introdução (Pedro Dulci) e posfácio (Lucas Freire) por autores que são estudiosos deste teólogo. O texto principal, fruto de uma conferência proferida há 130 anos, ainda não perdeu sua atualidade e precisa ser posto em prática.
 
Ps: Na introdução, são apontadas os três fatores responsáveis pela conversão de Kuyper:
1) um concurso acadêmico
2) um livro dado por sua noiva
3) uma igreja do interior. 
Nunca subestime onde o Espírito Santo pode estar falando com as pessoas! 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pesquisar este blog