Segue abaixo interessantíssimo e atual texto de uma sermão de 1885. Para aqueles que temem questionar seus líderes religiosos.
A Falibilidade dos Ministros (sermão inédito)
17º capitulo do livro "Nós desatados" de 1885, escrito por
J. C. Ryle
1º Bispo da Diocese da Igreja da Inglaterra em Liverpool
(traduzido de um texto com ingles atualizado
por Tony Cappocia)
Quando, porém, Pedro veio a Antioquia,
enfrentei-o face a face, por sua atitude condenável. Pois, antes de chegarem alguns da parte de Tiago, ele comia com os
gentios. Quando, porém, eles chegaram, afastou-se e separou-se dos gentios, temendo os que eram da circuncisão.
Os demais judeus também se uniram a ele
nessa hipocrisia, de modo que até Barnabé se deixou
levar. Quando vi que não estavam andando de acordo com a
verdade do evangelho,declarei a Pedro, diante de todos: “Você é judeu,
mas vive como gentio e não como judeu. Portanto, como pode obrigar gentios a viveram como judeus?
Nós, judeus de nascimento e não
‘gentios pecadores’ Sabemos que o ninguém é justificado
pela prática da lei, Mas mediante a fé em Cristo Jesus. Assim nós também cremos em Cristo Jesus Para sermos justificados pela fé em Cristo e não pela prática da lei, porque pela prática da lei, ninguém é
justificado".
Gálatas 2:11-16
Você já refletiu sobre o que o apóstolo Pedro fez em Atioquia? Essa
pergunta merece uma séria reflexão.
Mesmo com pouquíssimas informações confiáveis, frequentemente ouvimos falar
sobre as obras do apóstolo Pedro em Roma. Lendas,
tradições e fábulas abundam nesse assunto. Infelizmente
para esses escritores, a Bíblia é totalmente muda nesse ponto. Nas
escrituras não há nada mostrando que o apóstolo Pedro esteve sequer em Roma!
O que fez o apóstolo Pedro em Antioquia? Para
esse ponto, dirijo minha total atenção hoje. Esse
é o assunto tratado em Gálatas e que encabeça este sermão, afinal
de contas, nesse ponto, a Bíblia fala claramente e inequivocamente.
Os seis versos dessa passagem batem em várias questões. Se
consideramos o evento descrito, eles estão discutindo, um
apóstolo repreendendo o outro! Quando
percebemos quem são esses dois homens, Paulo,
o mais novo, repreendendo Pedro, o mais velho, eles estão discutindo! Entretanto,
se observamos a ocasião, Pedro
não cometeu nenhuma falha berrante ou um pecado flagrante à primeira vista. Ainda
assim, o apóstolo Paulo diz, “enfrentei-o
face a face, por sua atitude condenável”. Ele faz ainda mais do que isso, ele reprova a notoriedade de Pedro pelo
seu erro perante toda a Igreja de Antioquia. Indo mais além, Paulo escreveu sobre o ocorrido e agora todos sabem
desse incidente em duzentos idiomas diferentes pelo mundo.
Acredito que o Espírito Santo deseja que prestemos uma atenção
particular a essa passagem bíblica. Se o
cristianismo fosse uma invenção humana, essas questões nunca teriam sido
divulgadas. Algum impostor teria encoberto as diferenças entre os dois apóstolos. Entretanto,
o Espírito da verdade fez com que esses versos fossem escritos para o nosso
aprendizado e seremos sábios se dermos atenção ao seu teor.
Devemos aprender com essa passagem, que nos evidencia três grandes
lições sobre a Antioquia.
I. A primeira lição é que grandes
ministros podem cometer grandes erros.
II. A
segunda é que manter a
verdade de Cristo na sua igreja é muito mais importante do que manter a paz.
III. A
terceira é que não há doutrina alguma que devemos proteger tanto quanto a da
justificação pela fé, sem obras da lei.
I. A primeira lição é que grandes
ministros podem cometer grandes erros.
Qual prova mais evidente podemos ter do que essa posta diante de nós? Pedro, sem dúvida alguma, foi um dos melhores na companhia dos
Apóstolos. Ele era um discípulo ancião. Ele
foi um discípulo com vantagens e privilégios peculiares e uma companhia
constante do Senhor Jesus. Ele
escutou às pregações do Senhor, viu-O operando milagres, aproveitou o benefício
dos ensinamentos privados dEle, foi numerado entre os amigos íntimos do Senhor
e entrou e saiu com Ele durante todo o tempo que Jesus ministrou na terra. Pedro
foi o apóstolo para quem as chaves do reino dos céus foram dadas e por cujas
mãos foram primeiramente usadas. Ele
foi o primeiro a abrir a porta da fé para os judeus, ao pregar a eles no dia de
Pentecostes; foi o primeiro que abriu as portas da fé para os gentios, ao ir à casa
de Cornélio e recebê-lo na igreja; foi
o primeiro a levantar-se no Concílio, em Atos 15, dizendo, “por que agora vocês estão querendo tentar a
Deus, impondo sobre os discípulos um jugo que nem nós nem nossos antepassados
conseguimos suportar?" Ainda
assim, esse mesmo Pedro, esse mesmo apóstolo, claramente caiu num grande erro.
O apóstolo Paulo nos diz, “enfrentei-o
face a face”. E continua, “por sua atitude
condenável”. Ele disse, “temendo os que eram da
circuncisão”. Ele falou sobre Pedro e seus companheiro, que “não estavam andando de acordo com a verdade do evangelho”. Paulo
fala sobre sua “hipocrisia” e afirma que por meio dela, até Barnabé, seu antigo companheiro na obra
missionária, "se deixou levar”. Que
fato surpreendente. Esse é Simão Pedro! Esse
foi seu terceiro grande erro, que a Bíblia Sagrada achou que deveria ser relembrado! Primeiro,
nós o vemos tentando conter nosso Senhor, com todas as suas forças, da grande
obra na cruz, e censurou-O severamente. Depois,
encontramo-lo negando a Cristo três vezes - e com juras. Agora,
vemo-lo pondo em risco a grande verdade do Evangelho de Cristo. Certamente
podemos dizer, “Senhor, que é o homem?”. Notemos que, de todos os apóstolos, não há nenhum - à exceção, claro, de
Judas Iscariotes – que temos tantas provas de ser um homem falível.
É interessante perceber o descaso com o qual alguns escritores foram
tratados, a fim de dar satisfação sobre o significado tão claro desses versos
que encabeçam o sermão. Alguns
afirmaram que Paulo não repreendeu verdadeiramente Pedro, apenas forjou, para aparecer! Outros
afirmaram que não foi Pedro, o apóstolo, o repreendido, mas outro Pedro, um dos
setenta! Interpretações como essas não precisam de comentário, vvisto que são completamente absurdas. A
verdade é que o significado claro e honesto desses versos é um golpe certeiro
na doutrina preferida da Igreja Católica Romana, que discorre sobre a primazia
e a superioridade de Pedro sobre os demais apóstolos.
Tudo isso foi relatado para nos ensinar que até mesmo apóstolos, quando
não escrevem sob a inspiração do Espírito Santo, estão sujeitos ao erro. Esses
versos tem o intuito de nos ensinar que mesmo os melhores homens são fracos e
falíveis enquanto estiverem em seus corpos. Se
não fosse a graça de Deus sustentando-os, qualquer um deles poderia se deixar
levar a qualquer momento. Isso
pode ser humilhante, mas é a verdade. Verdadeiros
cristãos são convertidos, justificados e santificados. Eles
são membros vivos de Cristo, os amados filhos de Deus e herdeiros da vida
eterna. Eles são eleitos, escolhidos, chamados e guardados para a salvação. Eles
tem o Espírito, mas não são infalíveis.
Posição e dignidade não garentem infalibilidade? Não,
não garentem! Não importa como um homem é chamado, ele
pode ser czar, imperador, rei ou príncipe, pode
ser pregador, ministro ou diácono. Ainda
assim, ele é falível. Nem
a coroa, nem o óleo sagrado, tampouco a imposição das mãos, podem precaver um
homem de cometer erros.
Números não garantem infalibilidade? Não, não garentem! Você
pode reunir príncipes em grande número, assim como centenas de ministros,
entretanto, mesmo estando reunidos, estão sujeitos ao erro. Você
pode chamar de conselho, assembleia, conferência ou seja lá o que for. Não importa. Suas
conclusões ainda serão conclusões de homens falíveis. A
sabedoria coletiva é capaz de cometer erros gritantes.
O exemplo do apóstolo Pedro na Antioquia não é o único. Foi
apenas um paralelo de muitos casos que encontramos escritos para nosso
aprendizado nas Sagradas Escrituras. Será
que nos esquecemos de Abraão, o pai da fé, seguindo os conselhos de Sara e
tomando a Hagar como esposa? Será
que nos esquecemos de Arão, o primeiro sumo sacerdote, escutando os filhos de
Israel e erguendo um bezerro de ouro? Será
que nos esquecemos de Salomão, o mais sábio dentre os homens, permitindo que
suas esposas construíssem um altar para suas falsas adorações? Será
que nos esquecemos de Josafá, o bom rei, deteriorando-se para ajudar o perverso
Acabe? Será que nos esquecemos de Ezequias, o bom rei, recebendo os
embaixadores da Babilônia? Será
que nos esquecemos de Josias, o último dentre os bons reis de Judá, partindo
para lutar com Faraó? Será
que não nos lembramos de Tiago e João, querendo que fogo descesse dos céus? Esses
relatos merecem ser relembrados. Eles
não foram escritos sem motivo e clamam
ardentemente, “Não há infalibilidade!". Quem
não enxerga, quando a história da Igreja de Cristo é lida, repetidas provas de
que o melhor dos homens pode errar? Os
primeiros Pais da Igreja eram zelosos,
conforme seu conhecimento, e estavam prontos para morrer por Cristo, mas
muitos deles defenderam ritualismos e quase todos plantaram as sementes das
supertições. Os Reformados foram instrumentos honrosos nas mãos de Deus por reavivar
a verdade na terra. Ainda assim, com muita dificuldade podemos nomear algum dentre eles que
não cometeu um grave erro. Martinho
Lutero defendeu fortemente a doutrina da consubstanciação, acreditando que
durante a comunhão, o pão e o vinho se transformavam verdadeiramente no corpo e
no sangue de Cristo.
Melancthon era costumeiramente tímido e indeciso. Calvino
permitiu que Serveto fosse queimado.[1] Cranmer
abjurou e desviou-se por um tempo de seu primeiro amor. Jewell aprovou as doutrinas da Igreja Católica Romana por temer a morte.[2] Hooper
agitou a Igreja da Inglaterra ao exigir o uso das vestimentas religiosas para
ministrar.[3]
Os puritanos, mais tarde, denunciaram a liberdade e autonomia cristãs como
doutrinas vindas das profundezas do inferno. Wesley
e Toplady, no século passado, trataram-se asperamente com linguagens
vergonhosas. Irving, nos nossos dias, entregou-se à ilusão de falar em línguas[4]. Todos
esses erros clamam em alto e bom som. Eles
são um sinal de advertência à Igreja de Cristo. Eles
dizem, “Não confiem no homem, não chamem nenhum homem de mestre, não chame
nenhum homem de pai espiritual na terra, não deixe que o homem se glorie no
próprio homem, mas que se glorie no Senhor”. Eles clamam ardentemente, “Não há infalibilidade!".
Todos nós precisamos dessa lição. Somos
todos naturalmente inclinados a apoiar-nos no homem que podemos ver, antes que
em Deus, que não vemos. Naturalmente
amamos nos apoiar nos ministros da Igreja, antes que no Senhor Jesus Cristo, o
grande Pastor e Sumo Sacerdote, que é invisível. Precisamos
estar continuamente de guarda.
Vejo essa tendência em apoiar-se no homem em todo lugar. Não
conheço nenhum ramo da Igreja Protestante que não requer que nos alarmemos
nesse ponto. É uma cilada para o cristão escocês atribuir sua fé a John Knox; para
os metodistas dos nossos dias, honrar a memória de John Wesley é uma armadilha. Tudo
isso é embuste, e quantos já não caíram nele!
Naturalmente, todos nós amamos ter um papa à nossa maneira. Já
estamos suficientemente alienados para pensar que, pelo fato de um grande
ministro ou um homem erudito ter dito algo ou porque nosso próprio ministro, a
quem amamos, pregou, então deve estar certo, mesmo sem examinarmos se é bíblico
ou não. Muitos homens não gostam de ter que pensar por si próprios, eles gostam de seguir um líder. São
como uma ovelha, quando uma vai para o morro, as demais seguem. Em
Antioquia, até Barnabé se deixou levar. Podemos
muito bem imaginar um homem dizendo, “Um
velho apóstolo como Pedro, certamente não pode estar errado. Seguindo-o, não posso errar”.
Agora vejamos quais lições práticas podemos aprender dessa parte de
nosso sermão.
(a) Primeira lição, aprendamos a não
colocar confiança em opiniões humanas, simplesmente porque esses viveram há
muitos anos. Pedro foi um homem que viveu nos tempos de Cristo e, mesmo assim,
cometeu erros. Há muitos que falam demais nos dias presentes sobre a voz da Igreja
primitiva. Eles querem que acreditemos que aqueles que viveram mais próximos dos
tempos dos apóstolos, conheceram mais sobre a verdade do que nós. Não
há fundamentação para uma opinião dessas. A
maioria dos escritores antigos da verdadeira Igreja de Cristo está
frequentemente em desacordo um com o outro, eles
constantemente mudavam de ideia e retratavam suas opiniões antigas e muitas
vezes escreveram sobre assuntos bobos e fracos, mostrando enorme ignorância em
suas explicações sobre as Escrituras. É
vão esperar encontrá-los sem pecado algum. Infalibilidade
não será encontrada nos primeiros sacerdotes, mas na Bíblia.
(b) Segunda, aprendamos a não por confiança implícita na opinião de um
homem, simplesmente porque ele é um ministro. Pedro
era um dos cabeças dos Apóstolos e, ainda assim, cometeu erros.
Esse é um ponto no qual homens tem continuamente se perdido. É a
pedra na qual a Igreja primitiva se chocou. Os
homens logo começaram a seguir os dizeres: "Não faça nada contrário à
mente do ministro". Entretanto,
o que são ministros, pregadores e diáconos? O
que são grandes ministros, senão homens – pó, cinza e barro - homens de
paixões, como nós; homens à mercê de tentações e homens sujeitos a fraquezas e
enfermidades? O que as Escrituras pregam? “Afinal de contas, quem é Apolo? Quem
é Paulo? Apenas servos por meio dos quais vocês
vieram a crer, conforme o ministério que o Senhor atribuiu a cada um” (I Co 3:5).
Ministros constantemente conduziram
a virtude a ermo e decretaram ser verdade aquilo que era falso. Os
maiores erros começaram por meio de ministros. Hofni
e Finéias, os filhos do sumo sacerdote Eli, fizeram com que a religião fosse
abominada pelos filhos de Israel. Anás
e Caifás, apesar de estarem na linha direta de descendentes de Arão,
crucificaram o Senhor. É
absurdo supor que homens ordenados não podem cometer erros. Devemos
segui-los enquanto estiverem de acordo com a Bíblia, mas não além disso. Devemos
acreditar neles até quando puderem dizer: “Deste
modo está escrito, deste modo diz o Senhor”, mas, além disso, não devemos
prosseguir. Infalibilidade não será encontrada nos primeiros sacerdotes, mas na
Bíblia.
(c) Terceiro, aprendamos a não por confiança implícita na opinião do
homem, simplesmente por ele ser instruído. Pedro
foi um homem com dons milagrosos e conseguia falar em (na época, válido)
línguas, mas, mesmo assim, podia errar.
Esse ponto é um em que muitos se enganam. Essa
foi a rocha contra a qual os homens se choraram na Idade Média. Homens
olharam para Tomás de Aquino e Pedro Lombardo - e para vários outros
companheiros - como seres inspiradores. Chegaram
a dar cognome a eles, como sinal de admiração. Eles
falavam sobre o pregador “incontestável”, o ministro “angelical”, o pastor
“incomparável" e pareciam acreditar que tudo o que esses ministros falavam
era verdade! Mas de que importa ser o homem mais instruído, se não tiver sido
ensinado pelo Santo Espírito? O
que é ser o mais douto sobre todas as divindades, senão um homem falível, um
pecador, no seu melhor? Vasto
conhecimento de livros e grande ignorância no tocante à verdade de Deus, podem
andar lado a lado. Já fizeram isso, ainda fazem e continuarão fazendo o tempo o todo. Ouso
dizer que os dois volumes de “Memórias e
Sermões de Robert McCheyne” trouxeram muito mais benefício à alma humana do
que qualquer livro escrito por Origenes ou Cipriano.
Não duvido que o volume de John Bunyan "O Peregrino", escrito por um homem que mal conhecia livros, a
não ser sua Bíblia, e não falava grego nem latim, provará no último dia ter
feito mais pelo mundo do que todos os trabalhos de um professor reunidos. Aprender
é um dom que não se pode desprezar. Será
um péssimo dia, quando livros não foram valorizados na igreja. Todavia,
é interessante perceber quão vasta pode ser a capacidade intelectual de um
homem, mas, mesmo assim, conhecer tão pouco sobre a graça de Deus. Não tenho dúvidas de que as autoridades de Oxford, no ano passado,
conheciam mais hebraico, grego e latim do que Wesley ou Whitefield, entretando, sabiam muito pouco sobre o evangelho de Cristo. Infalibilidade
não será encontrada nos primeiros sacerdotes, mas na Bíblia.
(d) Quarto, cuidemos para que não ponhamos
uma confiança implícita nas opiniões de nosso ministro, por mais religioso que seja. Pedro
era um homem de muitíssima graça, mas, ainda assim, errou.
Seu ministro pode ser um homem de Deus e digno de toda honra por suas
pregações e exemplo, mas não faça dele um papa. Não
coloque a palavra dele no mesmo patamar que a Palavra de Deus; não
o estrague por meio de adulações; não
permita que ele pense que não comete erros; e não
descarregue todo o seu peso na opinião dele, ou você sentirá por si próprio que
ele pode errar.
Está escrito que Joás, rei de Judá, fez “o que era reto aos olhos do Senhor, todos os dias do Sacerdote Joiada”
(2 Cr 24:2). Joiada morreu, e então morreu a religião de Joás. Digo-lhe
isso para que sua religião não venha a morrer juntamente com a morte de seu
ministro. Ele pode mudar, assim como sua religião também. Ele pode ir embora, e sua religião também.
Por isso, não se satisfaça com uma religião construída no homem! Não
se contente em dizer “Eu tenho esperança,
porque meu ministro me disso assim e assim". Busque estar apto para dizer “Eu
tenho esperança, porque vejo isso e isso escrito na Palavra de Deus". Se
você quer uma paz sólida, então precisa ir por conta própria à fonte da
verdade. Se você quer um conforto permanente, então precisa visitar a fonte da
vida por conta própria e beber da água fresca para refrigerar sua alma. Ministros podem deixar a fé, a igreja pode se dividir, mas aquele que tem a Palavra de Deus no seu coração, tem um alicerce sob
seus pés que jamais falhará. Honre seu ministro como embaixador fiel de Cristo, estime-o com amor pelas suas obras, mas nunca esqueça que infalibilidade não é encontrada nele, mas na Bíblia.
Tudo o que foi falado aqui, merece ser lembrado. Gravemos
esses pontos em nossas mentes, e assim teremos aprendido uma lição com a
Antioquia.
II. Agora
passo para a segunda lição tirada do sermão. Essa
lição é que manter a verdade de Cristo na
sua igreja é muito mais importante do que manter a paz.
Acredito que nenhum homem tinha noção maior do valor de paz e unidade quanto
o apóstolo Paulo. Foi
ele o apóstolo que escreveu aos coríntios sobre o amor. Ele
foi o apóstolo que disse “Tenham uma
mesma atitude uns para com os outros; vivam em paz uns com os outros; ao servo
do Senhor não convém brigar; há um só corpo e um só espírito, assim como a
esperança para a qual vocês foram chamados é uma só; há um só Senhor, uma só
fé, um só batismo". Ele foi o Apóstolo que disse, “fiz-me
tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns” (Rm 12:16,
I Ts 5:13, Fm 3:16, Ef 4:5, I Co 9:22). Ainda assim, veja como ele age! Ele
se opôs a Pedro face-a-face. Ele
o repreendeu publicamente e correu
o risco de todas as consequências disso. Ele arrisca tudo o que pode ser dito
pelos inimigos da igreja de Antioquia. Acima de tudo, Paulo documentou o incidente,
para que nunca fosse esquecido e onde quer que o evangelho fosse pregado, essa
repreensão pública devido ao erro de um apóstolo fosse de conhecimento de
todos.
Por que Paulo fez isso? Porque
ele tinha pavor de falsas doutrinas, ele sabia que um pequeno erro poderia
corromper todo o grupo e queria nos ensinar que devemos lutar fervorosamente
pela verdade e temer mais sua perda do que a perda da paz.
Devemos nos lembrar do exemplo de Paulo nos dias de hoje. Muitas
pessoas suportam tudo na religião, contanto que possam ter uma vida tranquila. Elas
tem um temor horrendo daquilo que chamam “controvérsia” e estão
repletas de um medo mórbido do que chamam, de modo vago, “espírito partidário”, apesar
de não saberem definir ao certo o que é esse espírito de partidarismo. Eles
estão possessos por um desejo doentio de manter a paz e fazer com que tudo seja
leve e agradável, mesmo que às custas da verdade. Contanto
que tenham sossego, leveza, silêncio e ordem, estarão contentes em deixar de
lado todo o resto. Acredito que eles teriam pensado como Acabe, que Elias era o perturbador
de Israel, e teriam ajudado os príncipes de Judá, quando colocaram Jeremias na
prisão, a fim de calarem sua boca. Não
tenho dúvidas de que muitos desses homens sobre os quais falo, teriam pensado
que Paulo, na Antioquia, agiu de forma imprudente e foi longe demais!
Acredito que tudo isso está errado. Não
temos direito algum de esperar nada, a não ser o Evangelho de Cristo, puro e
cristalino, genuíno e inalterado, o mesmo evangelho ensinado pelos apóstolos de
fazer o bem às almas humanas. Para
manter essa verdade pura na Igreja, os homens devem estar prontos para fazer
qualquer sacrifício, arriscar a paz, sujeitar dissensões e correr o risco de
dividirem-se. Eles deveriam tolerar a falsa doutrina tanto quanto toleram o pecado. Deveriam
se opor a qualquer alteração feita à mensagem do evangelho de Cristo, seja
adicionando ou retirando passagens.
Pelo amor à verdade, nosso Senhor Jesus Cristo denunciou os fariseus,
apesar de ocuparem o assento de Moisés e serem professores nomeados e
autorizados. “Mas ai de vós, escribas e
fariseus, hipócritas!”, disse Ele, oito vezes, nos vinte e três capítulos
de Mateus. Quem ousará levantar suspeita de que nosso Senhor estava errado?
Pelo amor à verdade, Paulo se opôs e censurou Pedro, mesmo sendo irmãos. Onde
estava a unidade, quando a doutrina foi posta de lado? Quem
dirá que ele agiu errado?
Pelo amor à verdade, Atanásio posicionou-se contra o mundo, a fim de
manter a pura doutrina da divindade de Cristo, e travou uma disputa com a
grande maioria da igreja. Quem
dirá que ele agiu errado?
Pelo amor à verdade, Lutero quebrou a unidade da igreja em que nasceu,
denunciou o Papa e todos os seus costumes e apresentou a fonte de um novo
ensinamento. Quem
dirá que Lutero agiu errado?
Pelo amor à verdade, Cranmer, Ridley e Latimer, os reformadores
ingleses, aconselharam Henrique VIII e Eduardo VI a se separarem de Roma e
enfrentar as consequências dessa divisão. E
quem ousará dizer que estavam errados?
Pelo amor à verdade, Whitefield e Wesley, há cem anos, denunciaram a
pregação infrutífera do clero de seus dias e foram à estradas e vielas a fim de
salvarem almas, mesmo sabendo que seriam banidos da comunhão da igreja. E
quem ousará dizer que eles estavam errados?
Sim, paz sem verdade é uma paz falsa, é a paz do diabo. Unidade
sem evangelho é uma unidade inútil, é a unidade do inferno. Não
sejamos nunca enganados por aqueles que falam docemente sobre isso. Lembremos
das palavras de nosso Senhor Jesus Cristo: “Não
cuideis que vim trazer a paz à terra, não
vim trazer paz, mas espada”
(Mt 10:34). Lembremos o louvor que Ele entoa a uma das igrejas do Apocalipse:
"Sei que não pode tolerar homens
maus, que pôs à prova os que dizem ser apóstolos, mas não são, e descobriu que
eles eram impostores” (Ap 2:2). Lembremos também da culpa que Ele põe em
outra, “você tolera Jezebel, aquela
mulher que se diz profetisa" (Ap 2:20). Nunca deixe que sejamos
culpados por sacrificar qualquer porção da verdade em detrimento da paz. Sejamos
então como os judeus, que queimavam um manuscrito inteiro do Velho Testamente,
caso encontrassem uma única letra incorreta, melhor que correr o risco
de perder um til ou um ponto da Palavra de Deus. Não nos
contentemos com apenas uma parte de toda o Evangelho de Cristo.
De que forma podemos aplicar um uso prático de todos os princípios
gerais que acabei de falar? Darei
aos meus leitores um único e pequeno conselho, que merece
sua total atenção.
Previno a todos aqueles que amam sua alma, a serem muito seletivos
quanto à pregação que escutam regularmente e o lugar de adoração que geralmente
frequentam. Aquele
que se finca deliberadamente em qualquer ministério insalubre, não é um homem
sábio. Nunca hesitarei em dar minha opinião quanto a isso. Sei
bem que muitos acreditam ser chocante um homem renunciar sua igreja local. Não
posso olhar com esses mesmos olhos. Vejo
uma grande diferença entre um ensino imperfeito e um ensino falso; um ensino
que erra em um lado secundário e um ensinamento que está em desacordo com a
Escritura. Acredito que se uma falsa doutrina é pregada inequivocamente na
igreja local, o cristão que ama sua alma está certo em não mais frequentar essa
igreja. Escutar ensinos não bíblicos cinquenta e dois domingos por ano é muito grave, é um
derramamento contínuo de veneno em nossa mente. Acredito
ser praticamente impossível um homem teimosamente se submeter a isso e, ainda
assim, não sofrer sequelas.
Vejo no Novo Testamento que somos chamados a por à prova todas as coisas
e retermos o que é bom (I Ts 5:21). Vejo no livro de Provérbios o seguinte
aviso: "se você parar de ouvir a
instrução, meu filho, irá afastar-se das palavras que dão conhecimento"
(Pv 19:27). Se essas palavras não justificam o abandono do homem a uma igreja
que prega falsas doutrinas, então não sei que palavras justificam.
--Alguém
acredita que frequentar sua igreja local é absolutamente necessário para a
salvação? Se há alguém assim, que se manifeste e dê seu nome.
--Alguém
acredita que ir à igreja salvará
a alma do homem, mesmo ele sendo descrente e não conhecendo nada sobre Cristo? Se
há alguém assim, que se manifeste e dê seu nome.
--Alguém
acredita que ir à igreja ensinará
o homem sobre Cristo, conversão, fé ou arrependimento, se esses nomes, além de
serem raramente proferidos na igreja, são pessimamente explicados? Se
há alguém assim, que se manifeste e dê seu nome.
--Alguém
acredita que um homem arrependido, que acredita em Deus e é convertido e
santificado, perderá sua alma simplesmente porque abandonou sua denominação e
aprendeu sua religião em outro lugar? Se
há alguém assim, que se manifeste e dê seu nome.
De minha parte, abomino ideias tão monstruosas e excessivas. Não
vejo sequer um apoio a elas na Palavra de Deus. Acredito
que o número de pessoas que as apoiam é mínimo.
Há muitas igrejas em que o ensino religioso é apenas um pouco melhor do
que o da Católica Romana. Será
que a congregação dessas igrejas deveria permanecer imóvel, contente e
silenciosa? Claro que não. E
por que? Porque, como Paulo, ela deve escolher a verdade em detrimento da paz.
Há muitas igrejas em que o ensino religioso é apenas um pouco melhor do
que a moralidade. As doutrinas particulares do cristianismo nunca são claramente
proclamadas. Platão,
Sêneca ou Confúcio poderiam ter ensinado quase tanto quanto. Será
que a congregação dessas igrejas deveria permanecer imóvel, contente e
silenciosa? Claro
que não. E por que? Porque, como Paulo, ela deve escolher a verdade em detrimento da paz.
--Estou
usando uma linguagem forte para lidar com essa parte do assunto, sei
disso.
--Estou
escavando num solo delicado, sei
disso.
--Toco
em assuntos geralmente ignorados e silenciados, sei
disso.
Digo o que digo pelo dever que tenho para com a igreja em que sou
ministro. Acredito que o tempo em que vivemos e a posição da congregação exigem um
sermão franco. Almas estão perecendo, em várias igrejas, em ignorância. Membros
honestos da igreja estão desgostosos e perplexos. Não
temos tempo para palavras mansas. Não sou desconhecedor dessas expressões mágicas, "ordem, divisão, separação,
unidade, controvérsia", e assim por diante. Sei a
paralisia e a influência silenciosa exercida por elas em nossas mentes. Também
as ponderei calma e deliberadamente e, em casa uma delas, estou preparado para
dar minha opinião.
(a) A igreja denominacional, em
teoria, é admirável. Ela
poderá trazer muitas bênçãos à nação, caso seja bem administrada e cuidada por
ministros realmente espirituais, mas
é inútil querer se apegar à denominação, quando o ministro dessa igreja
denominacional é um desconhecedor do evangelho e ama o mundo. Em
casos como esse, não devemos nos surpreender se um homem abdicar de sua
denominação e buscar a verdade onde ela deve ser encontrada. Se o
ministro não prega - tampouco vive – o evangelho, então a condição com a qual
ele reivindica a atenção dos membros é violada e perde o direito a ser ouvido. É
absurdo aceitar que o cabeça da família ponha em risco as almas de seus filhos,
assim como a sua, pelo amor à “denominação”. Na
Bíblia não há menção alguma sobre denominações e não temos o direito de exigir
que os homens vivam e morram na ignorância, para que possam dizer no final:
"Sempre frequentei minha igreja denominacional".
(b) Divisões e separações são mais
repreensíveis na religião. Elas
enfraquecem a causa do verdadeiro cristianismo e dão
ocasião aos inimigos do cristianismo para blasfemar, mas
antes que culpemos alguém por isso, devemos tomar cuidado para colocarmos a
culpa onde realmente merece ser posta. Falsas
doutrinas e heresias são ainda piores que divisão. Se
as pessoas se separam do ensinamento que é falso e que não está contido nas
escrituras, então devem ser aplaudidas, não reprovadas. Em casos assim, a separação é uma virtude, não um pecado. É
fácil fazer comentários sarcásticos sobre “comichão nos ouvidos” e “amor
entusiasmástico”; mas não é tão fácil convencer um leitor assíduo da Bíblia que
é dever dele escutar falsas doutrinas todo domingo, quando, com um pouco de
esforço, ele pode escutar a verdade.
(c) Unidade, sossego e ordem no
meio dos cristãos professos são bênçãos maravilhosas. Elas
dão força, beleza e eficiência à causa de Cristo, mas
até o ouro pode ser comprado a um preço muito elevado. A
unidade que é obtida sacrificando a verdade, não vale nada, não
é essa a unidade que agrada a Deus. A
Igreja de Roma vangloria-se de uma unidade que não merece esse nome, porque
foi obtida por meio da eliminação da Bíblia das mãos do povo, amordaçando o
julgamento particular, encorajando a ignorância e proibindo os homens de
pensarem por si próprios. Como
os antigos guerreiros exterminadores, a Igreja Católica Romana cria a solidão e
chama-a de paz. Há sossego e tranquilidade demais na cova, porém não é o
sossego da vida, mas da morte. Foram
os falsos profetas que gritaram “paz”, quando não havia paz alguma.
(d) Controvérsia na religião é algo
detestável. Já é difícil o suficiente lutar contra o diabo, o mundo e a
carne, sem diferenças no nosso meio, mas
há uma coisa que é ainda pior do que a controvérsias: a falsa doutrina sendo
tolerada, permitida e aceita sem qualquer protesto ou incômodo. Foi a
controvérsia que ganhou a batalha na Reforma Protestante. Se
as posições dos homens estivessem corretas, é óbvio que não teria nem mesmo
tido a reforma! Por preferir a paz, adoramos a Virgem e nos ajoelhamos às imagens e
relíquias até os dias de hoje! Que
vá embora toda essa ninharia! Há
momentos em que a controvérsia não é apenas um dever, mas benefício. Antes,
dê-me a forte tempestade, mas não a mortal malária. Esta
caminha na escuridão, nos envenena no silêncio e não estamos nunca seguros; já esse
amedronta e nos alarma por um curto período, mas acaba rápido e limpa o tempo. É um
dever claro e bíblico batalharmos “pela
fé uma vez por todas confiada aos santos” (Jd 1:3).
Sei que o que tenho dito aqui é bem desagradável a muitas mentes. Acredito
que muitos estão satisfeitos com ensinamentos que não são totalmente
verdadeiros e fantasiam que, no final, será tudo a mesma coisa. Sinto
muito por esses. Estou convencido de que nada menos do que a verdade por completo está
apta a fazer o bem às almas. Contento-me
em saber que aqueles que aceitaram viver uma verdade pífia verão, no final, que
suas almas foram muito danificadas. Há
três coisas com as quais o homem não deve jamais brincar: um
pouco de veneno, um pouco de falta doutrina e um pouco de pecado.
Estou ciente de que quando o homem expressa opiniões como essas que
acabei de apontar, existem muitos dispostos a dizer: “ele não é fiel à Igreja”. Escuto
imóvel a tais acusações. O
dia do julgamento mostrará os que foram verdadeiramente amigos da Igreja e os
que não foram. Nos últimos trinta e dois anos aprendi que se um ministro leva uma vida
tranquila, deixa de lado a parte não convertida do mundo e prega de forma tal
que não ofenda a ninguém e não edifique a ninguém, ele será chamado por muitos
como um “bom pastor”.
Também aprendi que se um homem estuda as escrituras, trabalha
continuamente para a conversão de almas, adere intimamente aos grandes
princípios da reforma, carrega consigo um testemunho fervoroso contra o
catolicismo e prega sermões poderosos, provavelmente será visto como um
agitador ou “perturbador de Israel”. Deixe que os homens digam o que quiserem. Eles
são os verdadeiros amigos da Igreja, que trabalham pela preservação da verdade.
Passo todas essas informações a vocês e peço que prestem grande atenção
nelas. Eu lhes peço que nunca esqueçam que a verdade é muito mais importante
para a Igreja do que a paz. Peço
que estejam prontos para carregar os princípios expostos aqui e lutar, se for
preciso, pela verdade. Se
fizermos isso, então aprendemos algo sobre a Antioquia.
III. Agora
passo à terceira lição da Antioquia: não
há há doutrina alguma que devemos proteger tanto quanto a da justificação pela
fé, sem obras da lei.
A evidência dessa terceira lição está mais proeminente na passagem
bíblica que encabeça esse sermão. Qual
profissão de fé o apóstolo Pedro negou em Atioquia? Nenhuma. Qual
doutrina ele pregou publicamente e era falsa? Nenhuma. O
que, então, ele fez? Ele
fez isso: depois de haver sentado com os gentios como “co-herdeiros com Israel, membros do mesmo corpo, e co-participantes da
promessa com Cristo” (Ef 3:6), de repente ficou tímido e retraiu-se. Parece
que ele começou a pensar que os gentios eram menos santos e aceitáveis para
Deus do que os judeus circuncisos; pareceu
deduzir que os gentios convertidos estavam numa classe mais baixa do que
aqueles que mantiveram as cerimônias da Lei de Moisés; pareceu
adicionar algo à fé, como se isso fosse necessário para despertar o interesse
do homem em Jesus Cristo. Ele
pareceu responder à pergunta “o que devo fazer para ser salvo?” não
apenas com “Acreditar no Senhor Jesus”, mas “Acreditar no Senhor Jesus, ser
circunciso e manter as cerimônias da lei”.
O apóstolo Paulo não podia tolerar uma conduta como essa. Nada
mais o moveu, a não ser a ideia de adicionarem algo ao Evangelho de Cristo. “Enfrentei-o face a face",
ele disse. Paulo não apenas repreendeu Pedro, mas também guardou todo o ocorrido
quando, por inspiração do Espírito, escreveu a epístola aos Gálatas.
Peço-lhes que prestem bastante atenção nesse ponto. Peço
aos homens que observem o cuidado demonstrado pelo apóstolo Paulo à doutrina e
que considerem o momento em que ocorreu essa agitação. Notemos
nessa passagem bíblica a importância da justificação pela fé e não pelo
mantimento da lei.
(a) Essa doutrina é necessária para o nosso conforto pessoal. Nenhum
homem na terra é verdadeiramente filho de Deus, com sua alma salva, até que
receba a salvação pela fé em Cristo Jesus. Nenhum
homem jamais terá uma paz sólida e uma verdadeira segurança, até que abrace com
todo o seu coração a doutrina de que somos considerados retos diante de Deus
por causa da obra do Senhor Jesus Cristo na cruz, pela fé, e não pela nossa
bondade ou pelo trabalho de nossas próprias mãos. Um
motivo, acredito, pelo qual tantos cristãos são jogados de um lado para o
outro, desfrutam de pouco conforto e não sentem muita paz, é a ignorância deles
nessa questão. Eles não veem claramente a justificação pela fé, sem que seja pelas suas
próprias “boas obras”.
(b) Essa doutrina, o diabo não apenas odeia, mas também trabalha para
destruir. Ele sabe que ela, desde os dias dos apóstolos, deixou o mundo de ponta
cabeça. Assim como também deixou-o de ponta cabeça na época da Reforma. Portanto,
ele tenta o homem a rejeitá-la. Ele
está sempre seduzindo as igrejas e ministérios, para que neguem e obscureçam a
verdade. Não é de se admirar que o Concílio de Trento[5],
dirigiu seu principal ataque contra essa doutrina e declarou-a maldita e
herética. Também não é surpreendente que tantas pessoas que se consideram
conhecedoras, denunciam essa doutrina como um jargão teológico e dizem que
todas as "pessoas sãs" são justificadas por Cristo, quer tenham fé ou
não! A verdade é que esse pensamento é amargo e um grande veneno para os
corações descrentes. Ele sacia os desejos da alma alerta, mas
o homem orgulhoso, que não conhece o seu próprio pecado e não vê sua fraqueza,
não pode receber a verdade.
(c) Essa é a doutrina cuja ausência é responsável por metade dos erros
da Igreja Católica Romana. Metade
das doutrinas católicas antibíblicas tem raízes na rejeição da justificação
pela fé. Nenhum professor católico, se for fiel à
sua igreja, dirá para um pecador aflito, "Acredite no Senhor Jesus e será
salvo". Ele
não pode fazer isso sem algumas explicações, que destroem completamente as boas
novas. Ele
não ousa dar a cura cristã, sem adicionar algo que destrua seu efeito e
neutralize seu poder.
Purgatório, penitência, absolvição sacerdotal (confissão), intercessão
dos santos, adoração à Virgem e várias outras ideias humanas do catolicismo
romano, todas elas se originam dessa mesma fonte. Todas elas são apoios
desonestos para amparar consciências exaustas, mas
são apresentadas como necessárias pela negação da justificação pela fé.
(d) Essa é a doutrina essencial para o sucesso de um ministro entre seu
povo. Ignorância, nesse ponto, estraga tudo. Falta
de afirmações claras sobre a justificação impedirá que o mais zeloso dos homens
faça o bem. Podem haver muitas características boas e agradáveis no sermão de um
ministro, ele pode falar sobre Cristo e a união com Ele, sobre abnegação,
humildade e amor. Entretanto, não valerá muito, se não pregar corretamente sobre a
justificação pela fé, sem o auxílio das “boas obras”.
(e) Essa é a doutrina fundamental para a prosperidade da Igreja. Nenhuma
igreja está num estado sadio, caso essa doutrina não seja vivida de forma
proeminente. Uma denominação ou igreja podem ter boas estruturas e ministros
regularmente ordenados, mas não verá conversão de almas se for ao púlpito e não
pregar claramente as doutrinas. Suas
escolas podem ser encontradas em cada cidade, os
prédios das igrejas podem chamar a atenção de todas as pessoas na terra, mas
nela não haverá a bênção de Deus, a não ser que a justificação pela fé seja
proclamada do seu púlpito. Mais
cedo ou mais tarde seu castiçal será levado embora.
Por que as igrejas africanas e do leste chegaram ao estado atual? Será
que não tinham ministros? Sim,
tinham. Será que não tinham normas e cerimônias? Sim,
tinham. Será que não tinham conselhos? Sim,
tinham. Mas elas puseram de lado a doutrina da justificação pela fé. Elas
perderam de vista a grande verdade e, por isso, caíram.
Por que a nossa igreja, a Igreja da Inglaterra, fez tão pouco nesse
último século, enquanto os batistas e independentes fizeram tanto? Será
que foi porque seus sistemas eram melhores que o nosso? Não. Talvez,
então, nossa igreja não estava adaptada às necessidades das almas perdidas,
correto? Não. Acontece que os ministros dessas denominações pregavam a justificação
pela fé, enquanto os nossos, por várias vezes, não pregavam doutrina alguma!
Por que tantos ingleses passaram a frequentar igrejas dissidentes? Por
que nós, frequentemente, vemos igrejas góticas locais tão vazias de adoradores
quanto celeiros em julho, ao passo em que prédios pequenos e ainda em tijolos,
mais conhecidos como Casa de Reunião, estão lotados? Será
que é porque as pessoas, em geral, não nutrem simpatia alguma por uma adoração
formal, pelo Livro de Oração Comum nem pela instituição? De
forma alguma! A resposta, pura e simples, é que na grande maioria dos casos as pessoas
não gostam de pregações em que a justificação pela fé não é claramente
proclamada. Quando os cristãos não escutam pregações como essas na igreja, eles as
procuram em outro lugar. Claro
que há exceções. Sem dúvida alguma há lugares onde uma longa caminhada de negligência
incomodou membros da igreja, de forma que eles nem sequer escutavam sobre a
verdade da boca de seus ministros. No entando acredito que, como regra geral, quando a igreja está vazia e
a Casa de Reunião, lotada, a causa para esse acontecimento é notória.
Sendo assim, o apóstolo Paulo fez bem em zelar pela verdade e se opor a
Pedro face-a-face. Fez bem também em preferir sacrificar tudo do que por em risco a
doutrina da justificação na Igreja de Cristo. Paulo
viu o que estava acontecendo com olhos proféticos e
por isso nos deixou um exemplo para seguirmos. Seja lá o que toleremos, nunca devemos aceitar qualquer insulto a essa
doutrina sagrada, a de que somos justificados pela fé e não por "boas
obras".
Estejamos sempre atentos a qualquer ensinamento que ignore a
justificação pela fé, seja ele direta ou indiretamente. Qualquer
sistema religioso que coloque algo entre o pecador sobrecarregado e Jesus
Criso, o Salvador, que não seja a fé, é perigoso e antibíblico. Qualquer
sistema que faça da fé algo complicado, difícil e infantil, é perigoso e
venenoso. Qualquer sistema que deprecie a doutrina protestante, a responsável por
derrubar o poder do catolicismo romano, carrega consigo uma praga e é um perigo
para as almas.
Batismo é um sacramento ordenado pelo próprio Cristo e deve ser
realizado com reverência e respeito por todos os cristãos professos. Quando
feito corretamente, dignamente e com fé, ele é capaz de ser um instrumente de
bênçãos maravilhosas para a alma. Entretanto,
quando pessoas são ensinadas que todos os batizados são nascidos de novo e
deveriam ser considerados "filhos de Deus", acredito que suas almas
estão em grande perigo. Um
ensinamento sobre batismo tal qual foi citado, parece-me arruinar a justificação
pela fé. São filhos de Deus apenas aqueles que tem fé em Cristo Jesus. E
nem todos os homens a tem.
A ceia do Senhor é um sacramento ordenado por Cristo, com o intuito de
edificar e revigorar os verdadeiros cristãos, mas
quando pessoas são ensinadas que todos devem ir à ceia do Senhor, tendo eles fé
ou não, e que todos os semelhantes recebem o corpo e o sangue de Cristo ao
comerem do pão e beberem do vinho, acredito que suas almas correm grande
perigo. Um ensinamento como esse, parece-me ignorar a justificação pela fé. Nenhum
homem come o corpo de Cristo, nem bebe o Seu sangue, a não ser o homem
justificado. E ninguém é justificado até que creia.
Membresia numa igreja local é um grande privilégio, mas
quando pessoas são ensinadas que por serem membros da igreja também são,
consequentemente, membros de Cristo, acredito que suas almas correm risco. Um
ensinamento como esse, parece-me arruinar a justificação pela fé. Apenas
aqueles que acreditam, unem-se a Cristo. E nem todos os homens acreditam.
Sempre que escutarmos ensinamentos que confundem ou contradizem a
justificação pela fé, podemos ter certeza de que há um parafuso solto em algum
lugar. Devemos vigiar e estar atentos, posicionando-ns contra tais
ensinamentos. Uma vez que o homem abandona a justificação pela fé, ele dirá adeus ao
conforto, à paz, à esperança e a todas as outras garantias que se achegam junto
com o cristianismo. Um erro desses é decadência na certa.
Concluindo, deixe-me pedir a todos os que leem esse sermão que se armem
com vasto conhecimento sobre a Palavra de Deus. Se
não buscarmos conhecimento, ficaremos à mercê de qualquer falso profeta. Não
devemos olhar os erros de um Pedro pecador. Não
estamos aptos a imitar a fidelidade de um Paulo corajoso. Uma
congregação ignorante será sempre uma maldição para a igreja. Uma
congregação que lê a Bíblia pode salvar a Igreja da ruína. Leiamos
a Bíblia regularmente, diariamente, com orações fervorosas, a fim de nos
familiarizarmos com seus conteúdos. Não
recebamos nada, acreditemos em nada e tampouco sigamos nada, se não estiver na
Bíblia e nem puder ser provada através dela. Que
a Palavra de Deus seja o que regulamenta nossa fé e nosso critério para todo
ensinamento.
(2) Em segundo lugar, peço a todos os que leem esse sermão que estejam
sempre prontos a lutar pela fé em Cristo, se assim for necessário. Não
aconselho ninguém a alimentar um espírito controverso. Não
quero que homem algum seja como Golias, indo de um lado para outro dizendo, “Escolham um homem para lutar comigo"
(I Sm 17:8). Alimentar controvérsias é uma tarefa lastimável. É
como alimentar ossos. Nenhuma
paz enganosa deveria nos impedir de lutar contra as falsas doutrinas e de
buscar promover a verdadeira doutrina em todos os lugares que pudéssemos. Verdadeiro
Evangelho no púlpito, nos livros que lemos, nos amigos com quem andamos: que
esse seja o nosso objetivo e que nunca nos envergonhemos em deixar transparecer
aos homens que é assim que vivemos.
(3) Em terceiro lugar, peço a todos os que leem esse sermão para que
cuidem bem de seus próprios corações, nesses tempos tão controversos. Precisamos
tomar precauções. No ponto mais violento da batalha, podemos esquecer nosso novo homem. Vitória
em argumentos nem sempre significa vitória sobre o mundo ou o diabo. Que a humildade de Pedro ao ser repreendido seja um exemplo para nós,
tanto quanto a coragem de Paulo em repreendê-lo. Feliz
é o cristão que pode chamar a pessoa que o repreendeu fielmente de "amado irmão" (2 Pe 3:15). Lutemos
para sermos santos em todas as nossas conversas e igualmente em nosso
temperamento. Lutemos para manter uma comunhão initerrupta com o Pai e o Filho e
hábitos diários de oração e leitura bíblica. Desta
forma, estaremos preparados para a batalha da vida e teremos a espada do
Espírito bem ajustada para quando o dia da tentação vier.
(4) Em quarto lugar, peço a todos os membros da igreja que sabem o que
oração realmente é, para que orem diariamente pela igreja onde congregam. Oremos
para que o Santo Espírito seja vertido sobre ela e o castiçal não seja levado
embora. Oremos pelas igrejas onde o evangelho não é pregado, para que a
escuridão parta e a verdadeira luz brilhe sobre elas. Oremos
pelos ministros que não sabem, tampouco pregam, a verdade, para que Deus faça
cair a máscara de seus corações e mostre um caminho melhor. Nada
é impossível. O apóstolo Paulo já perseguiu cristãos, Lutero já foi um monge sem
instrução, Bispo Latimer já foi um católico fanático, Thomas Scott já foi um
grande opositor da verdade evangélica. Nada,
repito, é impossível. O
Espírito pode fazer com que ministros preguem o Evangelho que, agora, destroem. Portanto,
sejamos perseverantes em nossas orações.
Recomento que prestem muita atenção nesse sermão. Ponderemo-lo
bem em nossos corações. Pratiquemo-lo
diariamente. Fazendo isso, teremos aprendido a lição de Pedro em Antioquia.
NOTA: Por
mais de um século, J. C. Ryle ficou mais conhecido por seus textos claros e
vivos, que falavam sobre temas práticos e espirituais. Seu grande objetivo, durante seu ministério, foi encorajar uma vida
cristã firme e séria. Entretanto, Ryle não era ingênuo e
sabia como esse encorajamento deveria ser feito. Ele reconheceu que, como pastor do rebanho de Deus, tinha a
responsabilidade de proteger as ovelhas de Cristo e alertá-las sempre que visse
algum perigo se aproximando. Seus intensos comentários são tão sábio
e relevantes hoje, quanto foram quando ele os primeiro escreveu. Seus sermões e outros escritos tem sido constantemente reconhecidos e
sua utilidade e impacto continuam até hoje, mesmo no inglês obsoleto da época
do autor.
Por que, então, exposições já tão bem
sucedidas e memoráveis, provadas úteis, precisam de adaptação, revisão e
reedição? A resposta é clara. Para aumentar sua utilidade para
leitores atuais. A linguagem com a qual foi originalmente escrita, precisa de
atualização.
Por mais que seus sermões, da forma com
que foram escritos pelo autor no século XIX, tenham servido para outras
gerações, eles podem se perder nas gerações presente e futura, simplesmente
porque, para eles, a linguagem não é facilmente e nem completamente entendível.
Meu intuito, entretanto, não é reduzir
o escrito original ao vernáculo dos nossos dias. Ele surgiu primeiramente para você, que deseja ler e estudar de modo
confortável e fácil, na linguagem do seu tempo. Obviamente, apenas terminologias arcaicas e passagens obscurecidas por
expressões que não nos são familiar foram revisadas. Contudo, nem a intenção de Ryle,
tampouco seu propósito foram adulterados.
Tony Capoccia
Esse manuscrito atualizado e revisitado é de direitos autorais de © 1998
por Tony Capoccia.
Todos os direitos reservados.
Website: www.biblebb.com
_________________
ORE PARA QUE O ESPIRITIO SANTO USE ESSE SERMÃO PARA EDIFICAÇÃO DE
MUITOS E SALVAÇÃO DE PECADORES.
FONTE
A Fonte do manuscrito atualizado e revisitado é de direitos autorais de
© 1998 por Tony Capoccia.
Todos os direitos reservados.
Website: www.biblebb.com
Todo direito de traduçãoem
português protegido por lei internacional de domínio público
Tradução:
Sara de Cerqueira
Revisão:
Armando Marcos Pinto
Capa:
Victor Silva
Projeto Ryle – Anunciando a verdade
Evangélica.
[1] É de considerar que hoje em dia biografias mais apuradas discutem o
papel de Calvino nesse caso, considerando que de fato ele não tinha poder legal
e nem influência suficiente para evitar a morte de Serveto pela acusação de
heresia pelo Conselho de Genebra, que em sua maioria era contrário as praticas
de Calvino (N.R)
[2] Durante o período da rainha Maria da escócia, conhecida como “Maria
Sanguinária”, John Jewell não condenou e formalmente aceitou o catolicismo
romano, tendo se arrependido quando da subida de Eduardo 6º ao trono e sendo
posteriormente um dos apologetas da igreja anglicana reformada-elizabetana
(n.R)
[3] Hopper era...
[4] fala ininteligível
[5] Concílio Católico Romano que estabeleceu suas doutrinas atuais
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