“Não se pretende fazer a sugestão de que o talento musical
de Bach tenha sido alimentado apenas por crenças teológicas. Sua família foi um
fator-chave no desenvolvimento do seu talento (...). nos anos de formação, Bach
foi extremamente dependente da herança musical de sua família, que recuava até
sua trisavó. O clã dos Bach desenvolvera uma extensa rede de aprendizagem e encorajamento
musicais. Essa rede se mostrou ser central para o desenvolvimento do jovem
Johann Sebastian.
Bach e Cobain tinham muita coisa em comum, não apenas o
talento para a música. Ambos perderam os pais com 9 anos de idade. Cobain, para
o divórcio, Bach, para a morte. Um evento trágico como a morte dos pais poderia
ter provocado prejuízo irreparável no equilíbrio emocional de Bach. Mas naquele
tempo a “família” era mais que pais e filhos. Johann foi para a casa do irmão
mais velho, que lhe ensinou a tocar órgão e desenvolveu seu talento como
compositor.”
Filosoficamente falando, a força de Bach para lidar com a
morte de seus pais veio de sua crença em um Deus soberano e amoroso. Sua vida e
suas composições estavam saturadas com O livro que lhe profunda esperança
pessoa e social. A vida lhe ensinou que o mal é real e poderoso, mas a Bíblia
lhe ensinou que Deus está em ação redimindo o mundo, fazendo que todas as
coisas contribuam para o bem. Essa fé bíblica fora a chave do otimismo e da
música da civilização ocidental: para Agostinho, enquanto o Império Romano
entrava em colapso ao seu redor; para Lutero, enquanto sua própria vida foi
ameaçada por um império poderoso e uma liderança religiosa corrupta; e para
Tolkien, que viveu os horrores de duas guerras mundiais.
Essas pessoas sabiam o que é o mal e o sofrimento, assim como Buda e Cobain, mas a diferença é que a Bíblia lhes deu uma base para a esperança nesta vida e na vindoura. Essa fé bíblica em um Criador que fez os seres humanos à sua imagem e os amou a ponto de vir para salvá-los tornou possível que o Ocidente cantasse: 'Ó vinde fiéis, triunfantes e alegres'. Em contraste, a carreira de Cobain demonstra que sem essa fé a esperança e a celebração do Ocidente estão se transformando em desespero abjeto. Se for possível tomar emprestada a linguagem dos estudiosos da música, o Ocidente está perdendo sua 'tonalidade' - sua 'nota-chave', sua alma, seu centro, o ponto de referência que permite resolver/relaxar a tensão.
Essas pessoas sabiam o que é o mal e o sofrimento, assim como Buda e Cobain, mas a diferença é que a Bíblia lhes deu uma base para a esperança nesta vida e na vindoura. Essa fé bíblica em um Criador que fez os seres humanos à sua imagem e os amou a ponto de vir para salvá-los tornou possível que o Ocidente cantasse: 'Ó vinde fiéis, triunfantes e alegres'. Em contraste, a carreira de Cobain demonstra que sem essa fé a esperança e a celebração do Ocidente estão se transformando em desespero abjeto. Se for possível tomar emprestada a linguagem dos estudiosos da música, o Ocidente está perdendo sua 'tonalidade' - sua 'nota-chave', sua alma, seu centro, o ponto de referência que permite resolver/relaxar a tensão.
A música de Cobain era o oposto da musica de Bach; enquanto
a deste celebrava o sentido da vida como o descanso eterno da alma no amor do
Criador, Cobain se tornou um símbolo da perda de um centro de sentido para o
Ocidente contemporâneo.
Podemos examinar a mentalidade de Cobain para perceber isso.
A expressão never mind, título de um álbum
de Cobain, significa, como vc deve saber, “não se importe”, “não se preocupe”. Por
que se preocupar se nada é verdadeiro, bom ou belo no sentido absoluto? “Não se
preocupe” é um virtude lógica para um niilista que pensa que não há nada que
tenha sentido. Em contraste, o Ocidente moderno foi feito por pessoas que
dedicaram sua vida ao que criam ser divino, verdadeiro e nobre.
Nirvana é a palavra budista para a salvação. Significa a
extinção permanente da existência de um indivíduo, a dissolução da nossa
individualidade ilusória no shoonyta
(vácuo, nada, vzio). É a libertação da nossa ilusão provocadora de miséria, que
tem um núcleo permanente no nosso ser: um self, alma, espírito.
Eis um trecho de uma das letras de Cobain que expressa sua
visão de salvação como silêncio, morte e extinção:
“silêncio.
Aqui estou, silencioso,
Morte é
o que eu sou, vou para o inferno, vou para a prisão...
Morrer”
(Endless, nameless , em Nevermind)
De acordo com seus biógrafos (como por exemplo Charles
Cross), a primeira infância de Cobain foi feliz, cheia de afeto e esperança. Mas
quando tinha 9 anos Cobain foi pego em meio ao fogo cruzado do divórcio dos
seus pais. Como acontece com muitos casamentos nos Estados Unidos, o casamento
de seus pais se transformou em um campo de batalha emocional e verbal. Depois
do divórcio, a mãe de Kurt começou a namorar homens mais jovens. Se pai se
tornou dominador, mais preocupado em perder sua nova esposa que em perder o
filho. Essa rejeição paterna e a instabilidade produziu uma ferida profunda na
alma de Cobain que não seria curada pela música, pela fama, pelo dinheiro, pelo
sexo, pelas drogas, pelo álcool, por terapia ou programas de desintoxicação. Sua
angústia interior fez que fosse fácil para ele aceitar a primeira verdade nobre
de Buda, a de que a vida é sofrimento.
Seis séculos antes de Cristo, Buda já sabia que, se Deus não
existisse, então também não existe o self.
Por conseguinte, ele desconstruiu a ideia hinduísta de alma. Se alguém descascar
a psique de alguém como se fosse uma cebola, descobrirá que no centro do ser
desse alguém não há um núcleo sólido. O seu senso de self é uma ilusão. A realidade é um não ser (anatman). Você não
existe. Buda ensinou que a libertação é compreender a não realidade da sua
existência.
Esse niilismo é lógico se você parte do pressuposto de que
Deus não existe. Entretanto, não é fácil viver com as consequências dessa
crença, ou melhor, dessa não crença. Dizer “eu creio que eu não existo” pode
ser devastador para uma alma sensível como Kurt Cobain. Sua música –
alternadamente sensível e impetuosa, divertida e depressiva, espalhafatosa e
amedrontada, anárquica e vingativa – refletia a confusão que ele enxergava no
mundo pós-moderno ao seu redor e em seu próprio ser. Ainda que ele fosse
comprometido com alguns princípios morais (como a causa ambiental e a
paternidade), não foi capaz de encontrar uma cosmovisão estável sob a qual
pudesse basear esses princípios.
Ele foi naturalmente atraído para a doutrina da impermanência de Buda; nada no Universo
é estável ou permanente. Você não pode nadar no mesmo rio duas vezes porque o
rio muda a cada momento, e o ser humano também. você não é a mesma “coisa” que
era um momento atrás. A experiência de Cobain de impermanência de um centro
emocional, social e espiritual em sua vida teve consequências trágicas. Ele adotou
o vazio filosófico e moral.
Negar a realidade de um núcleo espiritual como a essência de
cada ser humano torna difícil que a música tenha sentido, pois a música, assim
como a moralidade, é uma questão de alma. Quem pensa que o Universo é apenas
substância material e a alma uma ilusão, tem dificuldade em explicar a música.
Assim, Cobain cometeu suicídio porque o Nada como a
realidade última faz do nada algo positivo. O nada não pode produzir alegria
para o mundo ou levar sentido e esperança para a confusão da vida de alguém. Sua
única consequência é inspirar as pessoas a buscarem uma saída do mundo – nirvana.
Agostinho escreveu a obra “De musica”, (389 d.C) obra em seis volumes, que foi uma obra
central para a inserção da música na educação e cosmovisão ocidentais.
Agostinho pensou que o código musical, a harmonia matemática contida nela, foi
feito para e é desfrutado pela alma. Um exemplo é o livro de Jó, que trata do
sofrimento inexplicável. É nesse livro que o próprio Deus diz a Jó a respeito
da conexão entre a música e a criação: “Onde você estava quando lancei os
alicerces da terra? (...) [quando] as estrelas matutinas juntas cantavam e
todos os anjos se regozijavam? (Jó 38.4,7).
A crença em um Criador como um Salvador compassivo se tornou
um fator subjacente à música clássica no Ocidente e sua tradição de tensão e
resolução. Até o final do século XIX, os músicos ocidentais compartilhavam do
pressuposto de sua civilização de que o Universo é o cosmo, não caos. Eles compuseram
consonância e concórdia mesmo quando experimentavam dissonância e discórdia.
Em O Silmarillion, Tolkien nos dá uma bela exposição ficcional
da perspectiva agostiniana quanto ao relacionamento que há entre música,
criação, queda (o mal) e a redenção. A terra média de Tolkien experimentou
muito mais sofrimento que a Índia de Buda. A “terra” de Tolkien foi subjugada,
corrompida e praticamente controlada pelo mal. O sofrimento era real, brutal e
assustador. Mas Tolkien aprendeu da Bíblia que o Criador Onipotente, que também
é um Redentor Compassivo, é amoroso e poderoso o bastante para redimir a terra
da confusão, do pecado e do sofrimento. Isso ajudou Tolkien a celebrar a
criação, tanto na origem desta como também em seu destino final:
Havia Eru, o Único, que em Arda
é chamado de Ilúvata. Ele criou primeiro os Ainur, os Sagrados, gerados por seu
pensamento, e eles lhe faziam companhia antes que tudo o mais fosse criado. E ele
lhes falou, propondo-lhes temas musicais. E eles cantaram em sua presença, e
ele se alegrou. Entretanto, durante muito tempo, eles cantaram cada um sozinho
ou apenas alguns juntos, enquanto os outros escutavam, pois cada um compreendia
apenas aquela parte da mente de Ilúvatar da qual havia brotado e evoluído devagar
na compreensão de seus irmãos. não obstante, de tanto escutar, chegaram a uma
compreensão mais profunda, tornando-se mais consonantes e harmoniosos [...]
Disse-lhes então Ilúvatar: - a
partir do tema que lhes indiquei, desejo agora que criem juntos, em harmonia,
uma Música Magnífica [...]
E então as vozes dos Ainur,
semelhantes a harpas e alaúdes, a flautas e trombetas, a violas e órgaos, e a
inúmeros coros cantando com palavras, começara a dar forma ao tema de Ilúvatar,
criando uma sinfonia magnífica, e surgiu um som de melodias em eterna mutação,
entretecidas em harmonias as quais, superando a audição, alcançaram as
profundezas e as alturas; e as moradas de Ilúvatar encheram-se até transbordar;
e a música e o eco da música saíram para o Vazio, e este não estava mais vazio.
(O Silmarillion. São Paulo: Martins Fontes, 2002. P. 3-4).
Antes de se tornar um seguidor de Cristo, Agostinho fora
professor de filosofia grega. Ele sabia que ainda que a música estivesse
codificada na estrutura do Universo físico, sendo finita, jamais seria capaz de
proporcionar sentido para a vida. Por conseguinte, ele raciocinou que, para ter
sentido, a música precisa estar integrada ao objetivo último da vida humana,
que é amar a Deus e ao próximo.
Durante séculos, a influência da filosofia bíblica da música
elaborada por Agostinho experimentou crescimento. Originariamente, a música
eclesiástica foi dominada pelo canto monofônico, uma linha única de melodias,
tal como o canto gregoriano. Igrejas católicas começaram a desenvolver a música
polifônica. Esse estilo, a combinação de diferentes vozes, teve início em Notre
Dame (Paris) no século XI. Esse desenvolvimento do culto cristão lançou as
bases para todo o espectro da música clássica ocidental, a religiosa e a secular.
Durante séculos, a música ocidental foi tonal, isto é, sua
marca principal foi a fidelidade à nota tônica-chave. Cada outra parte dava
preferência a essa nota (a tônica), tornando-a o centro ao redor do qual todos
os demais tons estão relacionados. Atribui-se a queda da tonalidade na musica
ocidental a Richard Wagner (1813-1883), que fez um experimento com a
atonilidade em sua ópera Tristão e Isolda. Claude Debussy levou adiante esse
experimento.
Tecnicamente, Cobain manteve a tonalidade, mas em um sentido
filosófico a perda da tonalidade na música ocidental teve seu ponto culminante
na música de Cobain, o ícone do niilismo norte-americano e uma vítima infeliz
de uma civilização que perdeu seu centro, sua alma. Deve-se acrescentar em sua
defesa que, ao se matar, Cobain viveu conforme o que creu. Sua sinceridade faz
dele um ícone legítimo. Muitos niilistas não vivem de acordo com o que creem
ser a verdade central a respeito da realidade.
Cobain continua popular porque muitas pessoas alegam ser
niilistas, mas não vivem plenamente esse alegado niilismo. Ele o fez. Ele viveu
sem criar a sua própria realidade por meio de escolhas. Ele viveu no niilismo,
na “atonalidade”, e nesse niilismo morreu.
Assim, Cobain é o oposto direto da vida, do pensamento e da
obra de J.S. Sebastian Bach, enquanto a música de Bach celebrava o sentido da
vida como o descanso eterno da alma no amor do Criador, Cobain se tornou um
símbolo da perda de um centro de sentido para o Ocidente contemporâneo.
Apesar de ser interessante, não sei até que ponto se sustenta comparar Bach e Cobain. Além das épocas, mentalidades diferentas e acesso a informação desigual, a ausencia paterrna por morte e por divórcio configuram-se diferente na mente de uma pessoa, afinal o primeiro caso é curso natural, ainda q triste, e o segundo é escolha, machuca a decisão consciente do pai que se vai, ou desiste. Feita essa ressalva, achei bem interessante a parte da cebola e a idéia da música intrinseca à criação.
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