sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Justiça com as próprias mãos



2014. Moradores de um bairro de periferia, incomodados com a ausência de punição aos crimes ocorridos na região, decidem fazer justiça com as próprias mãos e punir o criminoso. Parece familiar só que isso se refere a um acontecimento na Inglaterra, (veja notícia aqui).
No Brasil, semana passada, um jovem foi espancado e amarrado pelo pescoço a um poste, na zona sul do Rio de Janeiro por ter cometido uma série de furtos na área.


Este acontecimento repercutiu nos jornais e nas redes sociais nesta semana no Brasil, mas, como vimos no caso inglês, não são produto exclusivo da nossa sociedade. Acontecem em países de primeiro mundo, e com uma distribuição de renda mais igualitária que a nossa. Portanto, devemos avaliar a origem e as respostas à tais atos.
Refletindo sobre o assunto pensei em duas grandes linhas de questionamento e alguns pontos que valem a pena nos debruçarmos e que não foram bem explorados ainda pelos comentários na internet.
Em primeiro lugar, olhemos a questão da origem de tais atos e o que está envolvido no contexto imediato. Em segundo, penso que devemos pensar nas respostas que devemos dar à isto, até como agir com questões mais práticas.

1) Não vejo o acontecimento do Rio como fruto essencialmente de diferenças econômicas, por si só. Claro que o roubo que levou o jovem a ser preso ao posto está relacionado a questões econômicas, mas não acho que a resposta dada pelos agressores foi uma ação puramente ligada a fatores econômicos. Acho que foi movido por uma indignação (ainda que torpe) para com a falta de punição para uma sequencia de roubos que vinham acontecendo na região. O mesmo aconteceu na Inglaterra.

De fato, como aponta Kent Worcester, em “The punisher and the politics of retributive justice”, o personagem arquetípico do herói que faz justiça com as próprias mãos é uma figura comum na cultura de massa, aparecendo em filmes, televisões, vídeo games e quadrinhos. Este personagem representa a frustração de milhares de pessoas que se sentem incapazes e que fantasiam acerca de revidar contra seus inimigos, sejam reais ou imaginários. Veja-se o exemplo do “Justiceiro”, personagem da Marvel. Ou então, Dexter, um investigador forense que mata assassinos para evitar que eles matem inocentes. É a justiça retribuidora em sua faceta mais escura. Mesmo assim, nos deleitamos com tais histórias.
Esse tipo de justiça acontece quando a paz da justiça é intencionalmente ou maliciosamente violada, assim a justiça retribuidora dá as caras. No Antigo Testamento há uma série de exemplos disso: a famosa Lex talionis, “olho por olho”. Entretanto, nos tempos do Novo Testamento, essa prática foi substituída: 

"Tendes ouvido o que foi dito:
 Olho por olho, dente por dente.
Eu, porém, vos digo: não resistais ao mau. Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também a outra.
Se alguém te citar em justiça para tirar-te a túnica, cede-lhe também a capa.
Se alguém vem obrigar-te a andar mil passos com ele, anda dois mil.
Dá a quem te pede e não te desvies daquele que te quer pedir emprestado.
Tendes ouvido o que foi dito: Amarás o teu próximo e poderás odiar teu inimigo.
Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos {maltratam e} perseguem.
Deste modo sereis os filhos de vosso Pai do céu, pois ele faz nascer o sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os justos e sobre os injustos”. (Mateus 5:38-45)


Mas acho que esse justiceiros e seus crimes (sim, sua atitude também é um crime) expõe algo da sociedade brasileira e também da sociedade ocidental (lembremos que algo semelhante ocorreu também na Inglaterra): entendo que estamos vivendo uma época de decadência moral. Os valores que permearam a civilização ocidental e que a tornaram fortes perante outros sociedades foram jogados fora; valores essenciais são negociados no mercado em prol do que individualmente achamos correto. E quando valores essenciais são corrompidos, quando os indivíduos não possuem um ponto inexorável do que é certo e errado, tudo se corrompe, em um fluxo que emana até os altos escalões do governo.
O problema é que alguns vêem tudo pelo olho materialista, da luta de classes. Neta ótica, o que estaria em jogo não seria o valor intrínseco do ser humano, mas sim, que estaria ocorrendo uma luta de classes, os pobres contras os ricos e vice-versa. Quando usamos esse tipo de lente, perdemos o foco, e levantamos uma bandeira ideológica política, sendo que no cerne do problema não se está a ideologia, mas sim a ausência de uma moral norteadora dos costumes.
Permitam-me fazer uma digressão histórica com relação ao nosso tema e a questão da moral em torno do Ser humano.
Mil anos atrás, a civilização islâmica ultrapassou a Europa em todos os sentidos. Governantes islâmicos eram mais ricos, seus exércitos, mais poderosos, e seus intelectuais eram avançados nas artes, na ciência, na tecnologia e na erudição em geral. Entretanto, algo mudou. O que produziu a ascensão dramática do Ocidente enquanto que o resto do mundo permaneceu estagnado? Muitos apontam que foi a “descoberta” da dignidade humana feita pelo Ocidente durante a Renascença. É verdade. Ou meia verdade. Aprendemos nas escolas e universidades que os humanistas renascentistas descobriram esse conceito nos clássicos gregos e latinos. Isso é um mito. Ainda que os escritores clássicos tivessem muitas ideias nobres, o valor intrínseco e a dignidade de cada ser humano não estava entre eles. Essa ideia singular, caríssimos, veio da Bíblia.
Vishal Mangalwadi em “O livro que fez o seu mundo” nos conta que “enquanto as massas iletradas persistiam no paganismo  pré-cristão, os filósofos medievais, chamados de escolásticos, eram influenciados pela antiga cosmovisão cosmológica grega. Muitos gregos pressupunham que o cosmo era a realidade última. Deuses, espíritos, ideias, homens, todos eram parte do cosmo. Cada um destes tinha um lugar fixo no esquema das coisas. Isso significava que nem mesmo o Deus Supremo poderia mudar o curso da história cósmica. E, quando o homem tentava se levantar acima do status que lhe fora designado, cometia hubris, o pecado da arrogância e do orgulho. Nem os homens, nem os deuses, nem o Deus Supremo poderia mudar a natureza ou o ciclo decadente da História.”
Depois, com o impacto cumulativo do paganismo, dessa cosmovisão cosmológica, e do fatalismo islâmico, fizeram do homem medieval uma criatura indefesa que vivia aterrorizada, com medo de forças conhecidas e desconhecidas. O “destino” ou “sorte” do homem não estava em suas mãos. A vida humana era uma tragédia.
Assim, voltamos à ideia do mito secular de que a noção de dignidade humana se originou na Grécia antiga. O autor Charles Trinkaus em “In our Image and likeness: Humanity and divinity in Italian Humanist Thought (À nossa imagem e semelhança: humanidade e divindade no pensamento humanista italiano), conclui que, ainda que os humanistas da Renascença tivessem lido, desfrutado, citado e promovido os clássicos gregos e romanos e a erudição islâmica, sua visão peculiar da dignidade humana veio da Bíblia, em oposição direta ao pensamento grego, romano e islâmico. Outro autor, Charles Norris, em Christianity and Classical Culture apontou que a confiança ocidental na capacidade humana de mudar a história teve origem na obra dos pais da Igreja como Agostinho. Ainda mais importante, esses homens ensinaram a base bíblica para critica a fé tradicional na Fortuna e no Destino como entidade divinas.
Portanto, retornando ao tema maior deste post, o que conferiu valor ao homem nas sociedades Ocidentais, em detrimento das Orientais, foi o cristianismo. O ocidente se tornou uma civilização humana porque foi baseado sobre os preceitos de um Mestre que insistiu que o homem é valioso. Jesus desafiou a falta de humanidade da cultura intelectual e religiosa do seu tempo quando declarou que o sábado foi feito para o homem, não o homem para o sábado. O Ocidente se tornou humano porque os humanistas originais acreditavam que a encarnação e morte de Cristo definem o que é um ser humano.
O problema é que o Ocidente está perdendo estes valores. Estamos negociando com o relativismo pós-moderno nosso valor intrínseco como seres humanos. Quando julgamos que “bandido bom é bandido morto” não estamos agindo com a mente de Cristo ou com a intrínseca dignidade humana ensinada por Cristo.
Se Cristo está muito distante da mente contemporânea, podemos elencar melhores exemplos de opiniões e ações para com as mazelas da sociedade do que aqueles dados por jornalistas bem pagos no conforto de seus estúdios.
Darei somente um exemplo. O anglicano John Wesley, nascido 1703, que viveu em plena Revolução Industrial. Wesley pensava que o propósito de Deus para ele era abrir a Palavra de Deus para sua nação, levando homens e mulheres para Deus por meio de Cristo. Isso, por sua vez, iria recuperar seus lares, suas cidades e seu país do paganismo e da corrupção. A compreensão central que Wesley tinha do cristianismo era que a redenção do indivíduo levava à regeneração social. Nessa crença ele agiu de diversas maneiras. Ele publicou um texto chamado “Pensamentos a respeito da escravidão”, um tratado contundente no qual ele denunciou o “comércio horrível” como uma desgraça nacional, antes dos primeiros abolicionistas. Ele lutou contra a escravidão durante toda a sua vida e sua última carta foi para Wilberforce. Ele também se preocupava com a formação profissional de desempregados, levantamento de fundos destinados a comprar roupas e alimentos para presidiários e alimentos, remédios, combustível e ferramentas para pobres e idosos.
Lembremos que a Inglaterra vivia grandes problemas sociais advindos da Revolução Industrial, como a formação de guetos e epidemias causados pelas péssimas condições de saúde. O impacto da Bíblia na obra de Wesley é evidente na vida e obra dos emancipadores sociais do século XIX. Ocorreu um avivamento bíblico na Inglaterra que influenciou diversos desenvolvimentos sociais, como a abolição da escravatura, a escolas das fábricas, a humanização do sistema prisional, a reforma do código penal, a criação do Exército da Salvação. Enfim, não se pode explicar a Inglaterra do século XIX sem levar em consideração Wesley e a Bíblia.
O avivamento bíblico mudou a História por transformar o caráter, as palavras, os pensamentos e as ações de homens e mulheres. Esse avivamento impediu a Inglaterra de passar por um revolução sangrenta como a francesa, o que parecia inevitável, dada à severidade das condições sociais, políticas e religiosas da Inglaterra do século XVIII.

2) Assim, vamos para questões mais práticas: como podemos reverter essa situação de decadência moral? Podemos perfeitamente seguir o exemplo de Wesley de trazer de volta a dignidade humana, baseados em princípios que foram perdidos pelo Brasil. Parece que neste país, os problemas sociais se encontram de maneira mais forte nas periferias, onde o Estado não alcança ou não se preocupa em alcançar. Segundo o que Wesley fez, podíamos pensar em desenvolver as comunidades, mas não através de programas assistencialistas do governo e sim através de formas de capacitação econômica e intelectual, mas resgatando sempre a dignidade e a moral bíblica, elementos que moldaram a alma do Ocidente. Isso seria uma melhor forma de fazer justiça com as próprias mãos. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pesquisar este blog