domingo, 25 de maio de 2014

Missão integral e sua cosmovisão parte 1

Missão integral e sua cosmovisão.


Introdução:
Preparo esse post como um leigo, mas um leigo muito curioso. As descobertas que possivelmente alguns terão, eu também as tive no processo de estudo.
Vamos usar as letras da palavra M.I.S.S.A.O. como um acrônimo para ajudar a definir alguns pontos essenciais. Portanto, este estudo está divido em 6 partes, a saber:
1º O que é Missão?
Integral
Socialismo? O que não é MI?
Salvação (história da)
5º. Autores. Histórico e contexto do surgimento da MI
Obras e conclusão



Este estudo trata-se de uma cosmovisão por trás da noção de Missão Integral, muito mais do que um estudo teológico.

1º O que é Missão?



Poucos sabem ou devem estar conscientes de que a palavra missão não aparece na Bíblia.
No Theological Dictionary of the New Testament,  de G. Kittel e G. Friedrichm (p. 68), vemos que as palavras referentes a missão aparecem como apostello e pempo no Novo Testamento.
Apostello ocorre 135 vezes no NT, a maioria nos Evangelhos e em Atos. Pempo ocorre 80 vezes, 33 em João, 5 em Apocalipse, 22 em Lucas/Atos, e somente 4 em Mateus e 1 em Marcos. No NT pempo parece ser usado quando enfatiza o envio, e apostello quando a ênfase está na comissão, e especialmente, nos sinóticos, quando é Deus quem está enviando. 
Em João, Jesus usa apostello para denotar sua completa autoridade, isto é, para fundar sua missão em Deus como Aquele responsável por seu trabalho e suas palavras. Mas Jesus usa pempo, por exemplo, na frase “o Pai me enviou”, para atestar a participação de Deus em seu trabalho pelo ato de enviar...a missão de Jesus adquire sua significância e força do fato de que ele é o Filho, não de sua descrição em termo de apostello.
No NT apostellein certamente começa a ser uma palavra teológica para ser enviado à frente para servir Deus com a própria autoridade de Deus. Em relação com o uso geral de apostellein no NT nós podemos afirmar que a palavra começa a se tornar um termo teológico significando “ser enviado à frente para servir no Reino de Deus com total autoridade, fundada em Deus.
Assim o primeiro elemento de uma definição de missão deve ser baseado no conceito de “envio” a igreja é enviada por Deus. Pela Bíblia todo o povo da aliança de Deus são claramente enviados por Deus para as nações que não são parte do povo de Deus. Jesus mesmo se refere à ele como um que foi enviado:
“Ele, porém, lhes disse: Também é necessário que eu anuncie a outras cidades o evangelho do reino de Deus; porque para isso fui enviado [apostello].” (Lucas 4:43)
Assim como Jesus, seus seguidores também são enviados para proclamar a vinda do reino de Deus, convidando todas as pessoas a se tornarem discípulas de Jesus e responsáveis membros da igreja de Cristo (Mt 28.18-20).
A autoridade do empreendimento missionário não é da denominação, da agencia de missionários, de auto-proclamados apóstolos, ou uma cultura mais avançada. Aquele que envia é Jesus Cristo, em quem a autoridade define, circunscreve, limita e projeta a missão cristã. (missionshift)

A "relação interativa na trindade e além" na missão pode ser visualizada na imagem abaixo: 

 (retirado de Missionshift: global mission issues in the third millenniunn)


A): Lucas 4.43 (lido acima)

B) João 14:16: “E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre;”
c) João 16:7: “Todavia digo-vos a verdade, que vos convém que eu vá; porque, se eu não for, o Consolador não virá a vós; mas, quando eu for, vo-lo enviarei.”
D) João 20:21: “Disse-lhes, pois, Jesus outra vez: Paz seja convosco; assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós.”
Atos dos Apóstolos 13:2: “E, servindo eles ao Senhor, e jejuando, disse o Espírito Santo: Apartai-me a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado.”
há uma dimensão pessoal da missão cristã para todos os crentes. Por exemplo, quando o apóstolo Paulo foi uma figura chave em espalhar o evangelho no livro de Atos, sua conversão, chamado e comissão teve muito a ver com “pequena ou micro missão” que Deus havia confiado a uma figura relativamente desconhecida na Bíblia, Ananias (Atos 9). Sim, a igreja em Antioquia (Atos 13) foi proeminente em levar em frente a Grande Comissão, mas isto tem muito a ver com líderes individuais (por exemplo, Simão, Lucio de Cirene, Barnabás e o próprio Saulo), e com o envio de Barnabás e Saulo pela igreja. Não há dicotomia entre as dimensões institucionais e individuais da missão cristã. Não é correto deixar de lado o aspecto individual e focar exclusivamente institucional da missão. É o que muitos autores e pastores americanos têm feito.
A missão é o esforço tanto de cristãos individuais quanto a igreja institucional a continuar a missio Dei do Deus triuno em ambos os níveis micro e macro, espiritualmente (salvando almas) e socialmente (inaugurando o Shalom), para redenção, reconciliação e transformação. (Enoch Wan. “Mission ando Missio Dei, IN: Missionshift).

Jo 20.21-22
“Disse-lhes, pois, Jesus outra vez: Paz seja convosco; assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós.
E, havendo dito isto, assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo.”

A palavra “missão” significa envio. Na Grande comissão joanina, um pouco esquecida em favor de Mt 28, o Jesus ressuscitado disse: “assim como o Pai me enviou, eu os envio. E com isso, soprou sobre eles e disse: Recebam o Espírito Santo” (Jo 20.21-22). O envio ou a missão dos crentes se refere, aqui, à participação na ativa dinâmica do Deus trino: “O Pai enviou o Filho no poder do Espírito; o Filho nos envia, a nós, à semelhança do envio que recebeu do Pai, e nos capacita pelo Espírito Santo a viver como ele. A unidade entre os cristãos nasce das múltiplas maneiras de participar desse envio, dessa dinâmica trinitária refletida na mensagem evangélica de que deus ama o mundo da mesma maneira que o Pai ama o Filho” (Jo 17.10-26) (David J. Bosch, Missão transformadora).
Disso, segundo Nancy Bedford, “deduz-se  que a missão evangelizadora da igreja não pode ser entendida e nem colocada em prática corretamente se perdermos de vista o viés trinitário da missão.” Assim como o Filho foi enviado na plenitude do tempo para nascer numa família judia da Galileia, durante a época da hegemonia romana na Palestina, aqueles que creem no Filho são enviados a encarnar-se na própria cultura.
Antonio Carlos Barro analisa este texto de João 20.21-22 e diz que precisamos prestar mais atenção ao advérbio “assim”. Do grego kathos, significa “da mesma maneira”, “na mesma proporção” ou “no mesmo grau”. Vemos aqui o elemento da missio Dei fortemente exposto. A missão de Cristo começou no céu (Fp 2.5-11) e desembocou na Terra (Jo 1). Em outras palavras, ela não se tratou de missão desautorizada, nem descontextualizada.
Quando lemos o texto clássico da Grande Comissão (Mt 28:18-20), encontramos esses dois elementos presentes. Jesus afirma que possui toda a autoridade (exousia). Esse apresenta significado amplo. A pessoa com exousia tem poder de escolha, pode fazer o que lhe agrada. Esse poder é tanto físico quanto mental – usufruir poder para decidir ou governar. Isso significa que todos os comandados precisam se submeter e obedecer a essa pessoa.
Esse poder também é universal, isto é, está sobre toda a humanidade, simbolizando a realeza de quem o detém. Portanto, Cristo, ao morrer e ressuscitar, conquistou o direito de ter todo o poder para ordenar e dirigir sua Igreja. Assim como o Pai lhe deu autoridade para vir ao mundo, ele concede autoridade à Igreja para estar no mundo em missão.
O segundo aspecto da missão de Cristo é o local dela. Jesus disse que o Pai o enviou. No evangelho de João, aprendemos que Deus o enviou ao mundo, ou seja, um lugar concreto. Na Grande Comissão, é Cristo quem envia sua Igreja ao mundo para fazer novos seguidores do Reino. O mundo é a arena onde a missão se desenvolve, toma forma. O mundo, com todas as coisas boas e ruins, é o palco onde a batalha pela vida do ser humano é travada. Assim, quando se aproximava o retorno ao Pai, Cristo comissiona sua Igreja a representá-lo no mundo.
Pensando na missão da Igreja e na missão de Cristo, chegamos a duas conclusões: é a mesma missão, e portanto não pode diferenciar-se da realizada por Cristo. Ele é o modelo para agirmos, o referencial absoluto de prática para tudo o que somos e fazemos. (Antonio Carlos Barro. O que é espiritualidade?)

Examinando passagens essenciais da missão
Mandato cultural: Gn 1.28. “E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra.”
Atividades: família, influenciando cultura e renovando, arte, musica, comércio, política

O grande mandamento: Mateus 22:37-40
“E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento.
Este é o primeiro e grande mandamento.
E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.
Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.”
Atividades: hospitalidade, visitar os doentes, alimentar os pobres, cuidado com os necessitados.

A grande comissão:
Mateus 28:19-20:
“Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo;
Ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos. Amém.”
Atividades: pregar, ministério da palavra, disciplina, discipulado, catequese.

“O qual é imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação;
Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por ele e para ele.
E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele.
E ele é a cabeça do corpo, da igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a preeminência.
Porque foi do agrado do Pai que toda a plenitude nele habitasse,
E que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra, como as que estão nos céus.
A vós também, que noutro tempo éreis estranhos, e inimigos no entendimento pelas vossas obras más, agora contudo vos reconciliou
No corpo da sua carne, pela morte, para perante ele vos apresentar santos, e irrepreensíveis, e inculpáveis,
Se, na verdade, permanecerdes fundados e firmes na fé, e não vos moverdes da esperança do evangelho que tendes ouvido, o qual foi pregado a toda criatura que há debaixo do céu, e do qual eu, Paulo, estou feito ministro.”

Pontos que podemos tirar desta passagem:
1º o pensamento cristão é sempre cristoncêntrico. A missão cristã depende de Cristo ser absoluto, ele cuja glória é revelada através das boas novas da proclamação cristã.
2º. A missão cristã é integral e universal. A visão da criação e reconciliação final de todas as coisas, tanto as que estão na terra quanto as que estão no céu, por meio da cruz de Jesus (1 Cl 1.20) foi resumida por Abraham Kuyper: “Não há uma polegada quadrada sequer em todo o domínio de nossa existência humana sobre a qual Cristo, que é Soberano sobre tudo, não diga: Meu. (do discurso inaugural da Universidade Livre de Amsterdã, 20 de outubro de 1880). A preocupação de Deus abrange não apenas homens, mulheres e crianças individuais, mas também o ambiente físico e biológico que sustenta suas vidas, e as estruturas sociais, econômicas, políticas e intelectuais que definem as formas de sua existência. (Howard Peskette, Vinoth Ramachandra. A linguagem da missão, p. 27).
3ª. A missão é primariamente uma atividade de Deus. Ele busca este mundo por meio de Cristo e de seu Espírito, engajado na liberação do cosmos e da humanidade de seu cativeiro no mal, e seu propósito é ajuntar toda a criação sob o Senhorio de Cristo. O amor de Deus é centrífugo, espalhando-se até toda a criação, e “enviar” e “enviado” é parte integrante de sua natureza. Na verdade até o século XVI o termo “missão” era usado exclusivamente para referir-se à Trindade: o envio do Pai pelo Filho, e do Espírito Santo pelo Pai e pelo Filho. Os jesuítas foram os primeiros a usar “missão” para descrever a difusão da fé cristã entre as pessoas (inclusive protestantes) que não eram membros da igreja católica. Este termo infelizmente coincidiu com a expansão colonial das potências europeias, resultando na aquisição duma conotação desagradável de hegemonia cultural e conquista agressiva, que permanece até hoje.
A ênfase no Deus triúno como agente da missão liberta a igreja tanto de um egocentrismo idólatra quanto de um estreitamento do escopo da missão. A missio Dei aponta para Deus buscando toda a criação em redenção e reconciliação amorosas. O uso do termo latino missio Dei tem se tornado cada vez mais popular desde a conferência de Willingen no Concilio Internacional Missionário de 1952 (ver Kirk, Andrew. What is mission?). A missio Dei  abrange tanto a igreja quanto o mundo, e a igreja é chamada ao privilégio de participar nessa missão divina. Os versículos 1.20 e 1.28 demonstram que a igreja deve ser o foco e o meio principal dessa reconciliação cósmica, porque é a comunidade na qual essa reconciliação já começou e cuja responsabilidade é praticá-la e proclamá-la.
Como dizem Ramachandra e Peskette, “o Evangelho desmascara os ídolos da vida pública e pessoal, e subverte os poderes caídos por meio da fraqueza da cruz (Cl 2.15), dirigindo-se a indivíduos mas também a todas as suas atividades, seja na vida familiar, nas artes, ciencia ou tecnologia, empresas ou governos. A pregação do Evangelho anuncia a intenção de Deus de preencher o Universo com a glória de Cristo, e todos os cristãos têm a tarefa de descobrir o que isso significa nas áreas em que se envolvem.” (Howard Peskette, Vinoth Ramachandra. A linguagem da missão, p. 28).
Como diz Bosch “nem uma igreja secularizada (que dizer, envolvida apenas com as atividades e interesses deste mundo) nem uma igreja separatista (ou seja, envolvida apenas com a salvação das almas e a preparação dos convertidos para o além) podem articular fielmente a missio Dei. (Bosch, Missão transformadora, p. 11). 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pesquisar este blog