segunda-feira, 16 de junho de 2014

Missão integral e sua cosmovisão parte 2

Integral





Neste segundo post da série sobre Missão Integral iremos compreender um pouco mais do que é esse adjetivo "integral" da missão, percebendo também o que NÃO faz parte da concepção por trás dessa corrente teológica. 

Integral: A missão integral é a expressão concreta do compromisso com Jesus Cristo como Senhor da totalidade da vida e de toda a criação.
Acho que devemos começar pela definição de um título muito usado pela igreja primitiva com relação à Jesus: Kyrios. A confissão “Jesus Cristo é o Senhor” foi a confissão fundamental da igreja primitiva. No círculos evangélicos, o título preferido é “Salvador”, o que reflete sua ênfase na característica na “salvação da alma”. René Padilla deixa claro que “não se trata de negar a importância da dimensão espiritual da salvação. Sem dúvida, uma coisa é afirmar isto, outra, inteiramente diferente, é reduzir o evangelho a uma mensagem ultramundana, que perde de vista que a vida eterna não é, meramente, vida além da morte – não é uma categoria puramente escatológica -, mas um estilo de vida diferente, caracterizado, aqui e agora, pelo amor a Deus e o amor ao próximo.” (Padilla. Igreja: agente de transformação, p. 45.). No Novo Testamento , entretanto, atribui-se a Jesus o título de “Salvador” só em poucas ocasiões, mas o de “Senhor” centenas de vezes, no grego kyrios. O contexto histórico do primeiro século, interpretava kyrios como o próprio nome de Deus na versão do Antigo Testamento da septuaginta, a tradução grega da bíblia. Outro elemento, é que no culto imperial do primeiro século, o imperador romano era denominado como Kyrios para destacar o caráter absoluto de sua autoridade, própria de um deus. Outro dado é que, no mesmo período histórico na Ásia Menor, Síria e Egito, existiam religiões nas quais os deuses e as deusas (como Ísis e Osíris, por exemplo), recebiam também o titulo de Kyrios. 



Os primeiros cristãos viam Jesus como "o Senhor" e a palavra grega Kyrios (κύριος) aparece mais de 700 vezes no Novo Testamento se referindo a Jesus. Esse círculo, "Chi-ro", está entornado pela oração: "Senhor Jesus Cristo, filho de Deus, tenha compaixão de mim." Era utilizado pelos cristãos primitivos.


A confissão de Jesus como kyrios, consequentemente, dá-se em contraposição com outras confissões e outras verdades presentes no mundo religioso, o que leva Paulo a afirmar:

"Para nós, porém, há um único Deus, o Pai, de quem vêm todas as coisas e para quem vivemos; e um só Senhor, Jesus Cristo, por meio de quem vieram todas as coisas e por meio de quem vivemos." (1 Co 8.3-6)
            Se levarmos em conta esses dados, é óbvio que a confissão de Jesus Cristo – o Cristo ressuscitado – como Senhor é, essencialmente, o reconhecimento de sua soberania sobre a totalidade da vida humana e sobre toda a criação. (Padilla, Uma eclesiologia para a missão integral, IN: Padilla, Igreja, agente de transformação).

Sobre sacerdócio de todos os crentes, fundamental neste contexto de Jesus como Senhor:
“Apenas quando a igreja exerce o sacerdócio de todos seus membros é que ela pode concretizar a missão integral à qual é desafiada. Para uma missão integral que inclua, entre outros, os ministérios de evangelização, batismo, ensino, aconselhamento, libertação, restauração, misericórdia e ação social, não há outro caminho que não seja a mobilização da totalidade dos membros da igreja.”(Alberto Fernando Roldán, O sacerdócio de todos os crentes e a missão integral. IN: Padilla, Igreja agente de transformação, p. 129).
“Não pode haver “eclesiástios” nem “seculares”, não pode haver uma Igreja simplesmente “docente” e outra “discente”, porque não existe nenhum membro da igreja que não seja tudo isso em seu próprio posto.” (Karl Barth, Ensayos teológicos, p. 209.)

3º socialismo "só que não". O que não é MI




Crítica da MI
Socialista, marxista, só pensa em ação social e deixa o evangelismo de lado...
Quem acusa a TMI de marxista precisa conhecer um pouquinho mais os marcos teóricos originais dessa linha. Sempre quando queremos compreender uma corrente de pensamento ou de ação, devemos ir àqueles que se preocuparam em formulá-las, e não somente naqueles que se utilizam dela no contexto mais próximo ao nosso. Se vamos criticar à TMI, voltemos nossa atenção aos promotores dessa linha teológica e que tem se esforçado a dar uma definição e uma pauta de ação baseado em princípios bíblicos.

Sobre Lausanne e a definição de evangelismo e ação social
Em junho de 1980 ocorreu uma consulta, patrocinada pelo comitê Lausanne, em Pattaia, Tailândia acerca de “como alcançar marxistas”.  É interessante analisar este documento pra perceber o que pensam aqueles que seguem a linha de Lausanne, um local reconhecidamente gestor da MI. O posicionamento do texto é de que devemos procurar alcançar os marxistas e trazê-los pra dentro do cristianismo. Para tanto, inicialmente, foi revisto alguns pontos do “Por que nós temos falhado” em alcançar marxistas: como razões ideológicas e práticas. A conclusão nestes pontos foi de que uma das principais coisas que os marxistas são impressionados com os cristãos é a sua “práxis” e não sua teoria. Se focarmos mais em teorização culturalista, sairemos perdendo; devemos focar na Bíblia. Na verdade, a própria aplicação dos mandamentos bíblicos com relação à justiça é reconhecido por aqueles que têm uma preocupação social como são os marxistas. Eles tem a se inspirar no ministério terreno de Jesus.
O documento enfatiza que o cristianismo não pode estar atrelado à nenhuma ideologia, seja imperialismo, colonialismo, capitalismo ou socialismo. “O mestre do cristão é Jesus Cristo, e seu serviço é a liberdade.”
E também o documento aponta que: 
“Marxism is a philosophy and a programme which, as a whole, is fundamentally and inescapably atheistic. For this reason we find the concept of "Christian Marxist" a contradiction in terms. However, other socio-economic philosophies and programmes such as free-market capitalism can be also atheistic and unbiblical. When it is based on the premise that the free expression of human egotism and self-seeking will produce communal good, it is to elevate sin into a principle for life.”
“Marxismo é uma filosofia e um programa que, como um todo, é fundamentalmente e inescapavelmente ateísta. Por essa razão nós [os redatores do documento] achamos o conceito de “marxistas cristãos” uma contradição em termos. Entretanto, outras filosofias sócio-economicas e programas como um livre-mercado capitalistas também pode ser ateísta e anti-bíblico. Quando isto é baseado na premissa de que a livre expressão do egoísmo humano e a auto busca irá produzir o bem comum, é elevar o pecado como um princípio de vida.” (tradução minha).
Talvez, e este é um posicionamento pessoal, a razão porque países da América Latina terem tanta proximidade com relação ao marxismo estejam em três pontos:
            . um evangelismo distante da prática;
            . a igreja se distanciou da política.
            . a igreja não desenvolveu ligações significativas com os pobres.
São exatamente nestes pontos que o marxismo entra, apontando as mazelas da sociedade e propondo métodos de se vencer a opressão dos pobres pelos ricos: a revolução.
            Próximo de sua conclusão, o documento discute como deve ser o diálogo com a Teologia da Libertação:
            “ao desenvolver nosso diálogo com teólogos da libertação, nós pensamos que é mais importante compreender a natureza do mal; o mal é mais do que estrutural (mesmo que às vezes encontre expressão em estruturas); e que as relações humanas não podem ser redimidas ou relações justas serem estabelecidas aparte do trabalho de Cristo que derrotou o mal na cruz, levou a culpa da desobediência dos homens para o pecado e para o mal em seu próprio corpo, e se levantou vitorioso sobre todos os poderes do pecado, da morte e de Satanás, para ser o cabeça de uma nova raça de homens que fariam justiça, amarão misericordiosamente, e andaram humildemente com seu Deus. Nosso diálogo terá então que se basear em tais trabalhos como evidenciando nossa fé. Nosso entendimento é que o pecado nunca é totalmente eliminado da sociedade humana ou do coração humano, antes da volta de Cristo em vitória, ambos oferecendo-nos causa para suspeitar de expectativas utópicas, e também analisando criticamente nossos próprios julgamentos e obediências na igreja, na medida em que servimos ao Deus da justiça e da justificação.”[1]

Nós, entretanto, devemos aprender com as críticas e os desafios postos pelo marxismo e pelo compromisso de muitos marxistas com a justiça para com o pobre.
Concluindo, o documento afirma que “nós afirmamos que o debate social e econômico não deve ser o foco de nossa tarefa. Cristãos não são chamados para defender o capitalismo ou o socialismo, mas para amar as pessoas no Reino de Deus que transforma e transcende todas as estruturas da sociedade”.[2]
“Nós estamos em peregrinação como povo de Deus, indo para a cidade que tem suas fundações cujo construtor e criador é Deus, mas sempre buscando que a cidade de Deus, onde a justiça e a retidão habitam continuamente, venha a ser uma realidade entre nós.”[3]

Neste sentido René Padilla afirmar: 
“o evangelho não pode ser reduzido a categorias políticas, sociais e econômicas, nem a Igreja uma agencia de promoção humana. Menos ainda confundir o evangelho com uma ideologia ou a igreja com um partido político. Como cristãos estamos chamados a testemunhar acerca de um Cristo transcendente, ultramundano, por meio de cujo sacrifício temos recebido o perdão dos pecados e a reconciliação com Deus. Cremos na necessidade que o homem tem de um encontro pessoal com Deus em Cristo, pela ação do Espírito Santo, por meio da proclamação da Palavra de Deus. E mantemos que nada pode tomar o lugar da regeneração espiritual para fazer homens novos. Não podemos aceitar a equação da salvação com a satisfação das necessidade corporais, com melhorias sociais ou com libertação política” (Missão integral, ensaios, p. 51).

Fica claro que o marxismo não é algo que está entrelaçado na teologia de Lausanne, e muito menos da TMI. E também , uma acusação que se faz a TMI, de que ela só se preocuparia com ação social, fica comprovada como falsa.



René Padilla critica muitas vezes a visão limitada do marxismo. Em seu livro “Missão integral. ensaios sobre o reino e a igreja”, ele critica essa visão dentro do cristianismo que identifica como secular. Nestes termos ele se expressa: “Para o cristianismo secular, obcecado com a vida deste mundo, a única salvação de que se pode falar é a que se enquadra dentro dos limites da era presente. É essencialmente uma salvação econômica, social e política, ainda que às vezes (como no caso da “teologia da libertação” na América Latina) se pretenda ampliar o conceito para que inclua “construção de um homem novo”, artífice do seu próprio destino. (cf. Gustavo Gutierrez. Teologia de La liberacion, 1973.) [nessa concepção] a escatologia é absorvida pela utopia e a esperança cristã se confunde com a esperança intramundana proclamada pelo marxismo.” (p. 33).
            Mas Padilla também critica o outro oposto, para a qual “a concepção da salvação [é vista] como a salvação futura  da alma, na qual o sentido da vida temporal se esgota numa preparação para o “ultramundo”. A história é assinalada por um escatologia futurista e a religião se converte num meio de escape da realidade presente. O resultado é o total desconhecimento dos problemas da sociedade em nome da “superação do mundo”.
Pontos de crítica que Rene Padilla empreende à essas visões:
1.      Para o próprio Jesus a missão que o Pai lhe dera não se limitava à pregação do Evangelho. Mateus por exemplo sintetiza o ministério terreno do Senhor assim: “Percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades entre o povo” (Mt 4.23). isto pressupõe um conceito de salvação que abarca a totalidade do homem e não poder ser reduzido ao perdão de pecados e à segurança de uma vida interminável com Deus no céu.
2.      A obra de Jesus Cristo teve uma dimensão social e política. Uma leitura acurada dos evangelhos nos permite ver um Jesus que, em meio a várias alternativas políticas (o fariseísmo, o saduceísmo, o zelotismo e o essenismo), encarna e proclama uma nova alternativa: o Reino de Deus. Dizer que Jesus é o Cristo é descobri-lo em termos políticos, é afirmar que ele é rei. Seu reino não é deste mundo, não porque não tenha nada a ver com o mundo, mas porque não se amolda à política dos homens. É um reino com sua própria política, uma política marcada pelo sacrifício. Jesus é um rei que “não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos” (Mc 10.45). É assim que Jesus encara as estruturas de poder: denunciado a ambição de mando que se entricheira nelas, e proclamando outra alternativa, baseada no amor, no serviço, na auto-entrega aos demais. O resultado concreto da entrega de Jesus pelos demais, cuja culminação se dá na cruz, com efeito, é esta comunidade modelada no Rei-Servo. Uma comunidade de reconciliação com Deus e reconciliação entre os homens (Ef 2.11-22).
3.      A nova criação em Jesus Cristo se faz história em termos de boas obras. Nas palavras de Paulo: Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas (Efésios 2:10). Jesus Cristo “O qual se deu a si mesmo por nós para nos remir de toda a iniqüidade, e purificar para si um povo seu especial, zeloso de boas obras (Tito 2:14). O NT desconhece um evangelho que faz um divórcio entre a soteriologia e a ética, a comunhão com Deus e a comunhão com o próximo, a fé e as obras.
A cruz não é somente a negação da validade de todo esforço do homem para ganhar o favor de Deus por meio de obras da lei; é também a exigência de um novo estilo de vida caracterizado pelo amor, totalmente oposto a uma vida individualista, centralizada em ambições pessoais, indiferente frente às necessidades do próximo. Para isto aponta a exortação de João: “Ora aquele que possuir recursos deste mundo e vir a seu irmão padecer necessidade e fechar-lhe o seu coração, como pode permanecer nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos de palavras, nem de língua, mas de fato e verdade” (1Jo 3.17-18). Impressionante.
“À luz do ensinamento bíblico não há lugar para uma “ultramundanalidade” que não redunde em um compromisso do homem com seu próximo, enraizado no evangelho. Não há lugar para a “paralisia escatológica” nem para a “greve social”. Não há lugar para estatísticas sobre “quantos morrem sem Cristo a cada minuto” se elas não considerarem quantos dos que assim morrem são vítimas da fome. Não há lugar para a evangelização que, ao passar junto ao homem que foi assaltado pelos ladrões enquanto descia pelo caminho de Jerusalém a Jericó, vê nele uma alma que deve salvar-se mas passa por cima do homem.
“Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as obras? Porventura a fé pode salvá-lo?


E, se o irmão ou a irmã estiverem nus, e tiverem falta de mantimento quotidiano,E algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos, e fartai-vos; e nào lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito virá daí?Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma.” (Tiago 2:14-17).


Assim, para René Padilla “A igreja não é um clube religioso ultramundano que organiza excursões ao mundo para ganhar adeptos mediante técnicas de persuasão. Ela é o sinal do Reino de Deus: vive e proclama o evangelho aqui e agora em meio aos homens, e espera a consumação do propósito de Deus de colocar todas as coisas sob o mando de Cristo. ele foi liberta do mundo mas está no mundo: foi enviada por Cristo ao mundo como Cristo mesmo foi enviado pelo Pai (Jo 17.11-18).










[1] “In developing our dialogue with liberation theologians, we think that it is most important to understand the nature of evil; that evil is more than structural (while often finding expression in structures); and that human relationships cannot be redeemed or just relationships established apart from the work of Christ who defeated evil on the cross, took the penalty for man's subservience to sin and evil in his own body, and rose victorious over all the powers of sin and death and the devil, to be the head of a new race of men who would do justice, love mercy, and walk humbly with their God. Our dialogue will therefore have to issue in such works as give evidence to our faith. Our understanding that sin is never finally eliminated in human society or in the human heart, before the return of Christ in victory, both gives us cause to suspect utopian expectations, and also to evaluate critically our own judgements and obedience in the church, as we serve the God of justice and justification.”
[2]In reaching Marxists of any variety with the gospel, we affirm that the economic and social debate must not be the focus of our task. Christians are called neither to defend or attack capitalism or socialism, but to love people into God's Kingdom which transforms and transcends all structures of society.”
[3] We are on a pilgrimage as God's people, journeying to the city that has foundations whose builder and maker is God, but always seeking that the city of God, where justice and righteousness dwells continually, may come down to be a reality among us.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pesquisar este blog