Sou historiador.
Quando entrei na universidade e mesmo hoje em dia as pessoas me perguntam: como
você conseguiu se manter cristão ao longo da faculdade? Era uma coisa que até
meus colegas me perguntavam. Como se a fé cristã fosse algo que, com estudo,
pudesse ser colocada de lado. Infelizmente, este é o caso de muitos jovens que
entram em cursos nas áreas de biologia e ciências humanas. Um amigo meu quando lhe perguntavam se ele não questionou a religião ao
estudar história, respondia: "eu questiono os historiadores".
O
que vou comentar neste post é algo que na verdade não existe: a guerra entre a
ciência e a religião. Ao longo do meu texto
vamos perceber que o debate, ou a suposta “guerra”, reside em outro lugar.
Devemos
inicialmente nos questionar se a ciência pode explicar tudo. A música, a arte, a literatura, podem ser
explicadas cientificamente? Quais os limites da ciência?
Vamos olhar para duas questões: Como o
cristianismo se relaciona com a descobertas cientificas? E como a cosmovisão
cristã vê a natureza do universo e as descobertas cientificas? (Christian apologetics, Douglas Groothius. Excerto em
http://www.apologeticalliance.com/blog/)
Um
sociólogo do cristianismo, Rodney Stark, argumenta que a cosmovisão cristã medieval proveu uma
fonte de recursos intelectuais para o desenvolvimento da ciência, tecnologia e comércio. Ele argumenta que
as conquistas posteriores da Revolução Científica não foram os resultados de
"uma erupção do pensamento secular," mas antes eram "o
culminar de muitos séculos de progresso sistemático por escolásticos
medievais, sustentadas exclusivamente pela invenção cristã
do século XII, as universidades. Este desenvolvimento
foi enraizado na crença cristã de que a natureza é racionalmente cognoscível e
deve ser investigada e usada para o bem comum e da glória de Deus.”
Foi a partir do
século XVII que a ciência alcançou, no ocidente cristão, o status que possui
hoje. Isso ocorreu durante o que se chamou de Revolução Cientifica, quando
novas descobertas foram feitas na fisica, astronomia, matematica e outras
ciências.
“Isso se
deveu, em parte, à rejeição de algumas das ideias herdadas do Catolicismo
romano, no que se referia à natureza, mantidos pela Igreja na base da sua adoção
da filosofia aristotélica. Por exemplo, Francis Bacon e Blaise Pascal
(ambos cristãos) rejeitaram certas concepções a priori da natureza (fortemente influenciado pelo aristotelismo)
para uma abordagem mais experimental/empírica. Bacon desenvolveu uma abordagem indutiva
para a ciência (embora ele tenha se envolvido em algumas experiências) e Pascal
realizou experiências significativas sobre o vácuo, o comportamento de fluídos,
e assim por diante. Outras figuras seminais científicas, como Isaac Newton, Johannes
Kepler e Galileu possuiam uma visão de mundo teísta que incentivou o estudo e desenvolvimento da
criação. Eles não viam a Bíblia como um inibidor da ciência, mas como sendo compatível
com as melhores investigações de natureza.”
Apesar dessa
harmonia, claro que houveram discordâncias – apesar de não terem sido no grau
que normalmente é apontado. Tres são os campos principais de alguns tropeços e
encontrões entre fé e ciência ao longo da história: as idéias de Copérnico, o
darwinismo e a idade da terra. Mesmo entre cristãos são pontos de debates, vide
evolucionistas cristãos e o debate terra antiga x terra jovem.
Um exemplo principal de discordância mais famoso é o conflito de Galileu com as autoridades
da Igreja Católica.
Galileu era um cristão e não via discordância entre a
Biblia e a ciência natural. Para Galileu a Biblia não devia ser pressionada
para além do que ela queria comunicar. Ele não estava negando a verdade da
Biblia, mas sim a sua má interpretação. Portanto, dentro de sua visão de mundo,
Galileu trabalhou sobre a teoria copernicana heliocêntrica
e a confirmou através de observação telescópica. A igreja se opôs à teoria de
Galileu mais na base de seu compromisso com princípios aristotélicos sobre a
natureza do que em um conflito entre a Bíblia e as novas descobertas
cientificas. Os argumentos cientificos de Galileu ameaçavam também o pensamento
filosófico acadadêmico da época.
Era uma época complicada a de Galileu, em que a visão de
mundo aristotélica começava a apresentar rachaduras e a Reforma Protestante
desafiava a autoridade de Roma. John Lennox, um matemático atual, aponta que a
oposição não era meramente intelectual e política. Galileu era, digamos assim, “sem
noção”, sem tato. Ele irritou a elite da época escrevendo em italiano, não em
latim, para que as pessoas comuns compreendessem o que ele estava dizendo.
Mas, apesar de a Igreja utilizar do poder da Inquisição
para calar Galileu, ele nunca foi torturado; e sua prisão domiciliar se deu, na
maior parte, em luxuosas residências privadas de amigos dele.[i]
A lição que podemos tirar do caso Galileu é que devemos
ser humildes para distinguir o que a Biblia diz e a nossa interpretação dela.
Como dizia Agostinho de Hipona em seu comentário a Genesis,
1:41, a 1600 anos atrás:
“Em questões tão
obscuras e que se acham muito além de nossa visão, encontramos, nas Sagradas
Escrituras, passagens que podem ser interpretadas nas mais diversas formas, sem
prejuízo à fé que recebemos. Em tais casos, não devemos nos precipitar e
assumir uma posição tão firme sobre um lado que, caso um futuro progresso na
busca pela verdade abale essa posição, nós também venhamos a cair com ela.”
A Biblia não é
um livro de ciências. Mas também não fala contra
a ciência!
Deve-se perceber que a ascensão
da ciência no Ocidente é única na história do mundo. Em outras partes, como
China, nos países islâmicos, Índia, e Grécia e Roma antigas, houve uma alquimia
altamente desenvolvida, mas foi somente na Europa ocidental moderna, que a
alquimia se desenvolveu em química. Da mesma maneira, muitas sociedades
desenvolveram sistemas elaborados de astrologia, mas somente na Europa
ocidental a astrologia se desenvolveu em astronomia.
Muitos autores apontam que o
resultado disso foi que o cristianismo possuía uma visão racional do mundo.
Deus era visto como racional e assim, criou um universo racional, com leis e
estruturas estáveis, esperando pela compreensão humana.
Rodney Stark em “O triunfo do
cristianismo”, diz:
“A verdadeira base fundamental
para a ascensão do Ocidente foi uma extraordinária fé na razão e no progresso
que estava firmemente enraizada na teologia cristã, na crença de que Deus é o
criador de um universo racional.”[ii]
O
que pensadores como Galileu, Kepler, Newton fizeram foi abandonar as antigas
pretensões platônicas e aristotélicas, que reinavam na Idade Média, e toda
especulação a priori sobre quais leis
matemáticas deviam prevalecer na natureza. Eles procuraram formular suas
teorias acerca do universo baseando-se em evidências. Assim, por exemplo,
Galileu apontou seu telescópio para o céu e começou a perceber que as antigas
especulações de Aristóteles estavam por cair ao chão.
Mas,
o que é cosmovisão?
O termo significa uma visão de
mundo, uma perspectiva sobre a Realidade. Uma cosmovisão é um mapa mental que
nos diz como navegar no mundo de maneira efetiva.[iii]
Este mapa nos ajuda a dar sentido ao que está certo e errado nos eventos e
fenômenos que confrontamos, afetando o modo como conduzimos nossa vida.[iv]
Assim, cabe se perguntar se “uma
cosmovisão seria compartilhada inconscientemente por indivíduos ou etnias,
inseridas em um contexto histórico específico [por exemplo, a Alemanha na época
de Hitler], ou seria construída individualmente a partir de experiências
existenciais? [na mesma época de Hitler, Boenhoffer]”[v]Um
pouco de cada, talvez?
O
que deve ser posto é que uma cosmovisão não é algo como uma filosofia formal,
que exige estudo acadêmico para se elaborar uma. Todos possuímos um conjunto de
convicções acerca de como a realidade funciona e como devemos viver, portanto
todos temos uma cosmovisão.
Assim,
antes de embarcar nesta viagem do conhecimento cientifico, estabeleçamos alguns
pontos de referência. O que uma
cosmovisão deve explicar:
1º. Criação:
como tudo começou? De onde nós viemos?
2º. Queda:
o que deu errado? Qual é a raiz do mal e do sofrimento?
3º. Redenção: o que nós podemos
fazer sobre isso? Como o mundo pode ser reajustado novamente?
Vamos
ver que não a ciência não procura responder essas perguntas, mas sim uma certa
cosmovisão que se apóia, de maneira titubeante, na ciência.
O
que é ciência? (a busca por uma metodologia cientifica).
Muitos de nós, que passamos pelo ensino médio e pela
universidade, tivemos que elaborar trabalhos utilizando uma metodologia
cientifica. Quem não se lembra das temíveis normas da ABNT?
Sem
tentar apresentar uma definição categórica do que é ciência, podemos nos
aproximar do que diz Rodney Stark:
“A ciência é um método utilizado
em esforços organizados para formular explicações da natureza, sempre sujeita a
modificações e correções através de observações sistemáticas”. Assim, a ciência
consiste de dois componentes: teoria e
pesquisa. Teoria é o aspecto explicativo da ciência. As teorias científicas são afirmações abstratas sobre como e por que uma
parte da natureza (incluindo a vida social humana) se encaixa e funciona.
A pesquisa cientifica consiste em fazer observações que
são relevantes para as previsões e as proibições de uma teoria. Se as observações contradizem o que se tem
sido deduzido a partir da teoria,
então sabemos que a teoria está errada
e deve ser rejeitada ou modificada. Por “esforço organizados”, é
reconhecido que a ciência não é meramente descoberta aleatória. Em vez disso, os cientistas processam os seus esforços de forma sistemática, intencionalmente, e
coletivamente; mesmo os cientistas que trabalham sozinhos não o fazem de forma isolada. Desde os primeiros dias, os cientistas têm redes constituídas e
têm sido muito comunicativos.”[vi]
reconhecido que a ciência não é meramente descoberta aleatória. Em vez disso, os cientistas processam os seus esforços de forma sistemática, intencionalmente, e
coletivamente; mesmo os cientistas que trabalham sozinhos não o fazem de forma isolada. Desde os primeiros dias, os cientistas têm redes constituídas e
têm sido muito comunicativos.”[vi]
Assim,
o propósito da observação cientifica é
testar uma teoria. Claro que progresso ocorreu fora desta definição de
ciência; houve desenvolvimentos através de observação e de tentativas e erros,
sem teorias.
Um elemento importante é que a
ciência é claramente limitada às
declarações sobre a realidade natural e
material, limitada aos elementos que são em principio observáveis. Assim, a
ciência é incapaz de tratar de assuntos como a existência de Deus ou dos
milagres.[vii]
Assim
temos que a ciência explica, mas ela não
explica tudo. Ela não é a única fonte da verdade, como alguns alegam. Para
citar alguns casos, a filosofia, a literatura, a arte e a música situam-se fora
do escopo da ciência. Como a ciência pode dizer se um poema é bom ou ruim, se uma
obra de arte é bonita ou feia, se uma música é obra de um gênio ou se é um
monte de barulho?
O que é
fé?
Fé
normalmente é definida em dicionários como “uma crença inquestionável que não
necessita de prova ou evidência”. Tudo bem, mas esta é uma definição de
dicionário e você nunca vai encontrá-la na Bíblia nem em escritores cristãos.
Para os escritores cristãos o uso da palavra “fé” significa a confiança em
Deus, porque você está convencido de que ele é confiável.
A
fé é racional, porque nos persuadimos da fidelidade de Deus, porque ele nos dá
elementos para acreditar e razões para confiar nele. A bíblia trata dos sinais
da ação de Deus na história humana. Quando se trata de fé, nenhum cristão
deveria pensar que o conteúdo
intelectual de sua fé é separada de um compromisso relacional com Deus.
O
Antigo Testamento geralmente recorre as grandes coisas que Deus tem feito para
o seu povo, a fim de lembrá-lo das razões de sua confiança: por exemplo, o
Salmo 136 apresenta a criação, a libertação do Egito, a entrega da terra
prometida, e o cuidado constante para o seu povo como razões do porque Israel
deva manter sua fé em Deus, mesmo em apuros.
A
fé é de fato, um comportamento racional: dado quem Deus é, e as razões que ele
deu para confiar nele, é irracional não confiar nele. É verdade que, a fé vai
além do que posso confirmar, mas esta é a verdade de todo tipo de fé relacional.
Outra
consideração é que dúvida não é sempre o mesmo que falta de fé. Muitos dos
salmos (o salmo 73 é um bom exemplo) expressam uma profunda angústia acerca das
misteriosas maneiras de Deus governar o mundo, e podemos dizer que ali ocorrem
dúvidas.
Em
meio a esta angústia, no entanto, o salmista mantém firmemente sua lealdade para com Deus. Se procuramos
resolver nossas dúvidas, usando a razão assim como as nossas orações – como faz
o salmista - nossa fé se torna mais forte. Por outro lado, se por “dúvida”
temos uma lealdade dividida ou oscilante, então este tipo de dúvida é perigosa
para a fé (como a lealdade dividida é perigosa para um casamento). Esse tipo de
dúvida não vem da razão, mas de nossas emoções, e o melhor remédio é o
arrependimento e a aproximação de Deus.[viii]
Jesus
não pregava uma fé desvinculada da razão. De fato, ele resumiu os mandamentos
na seguinte frase: “Amarás o Senhor teu Deus de todo teu coração, e de toda a
tua alma, e de todo o teu entendimento” (Mt 22:37, NVI). Para Jesus, o
entendimento era chave para que se guardasse a palavra do Reino: na parábola do
semeador, Jesus faz a seguinte afirmação: (Mateus 13:19) “Ouvindo alguém a palavra do reino, e não a entendendo, vem o maligno, e
arrebata o que foi semeado no seu coração (...).”
Temos a passagem de 1Pedro 3:15.
“estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos
pedir a razão da esperança que há em vós”.
Pedro nos admoesta a estarmos prontos para darmos explicações racionais sobre
nossa fé, fazer apologia da fé.
“Apologia” é a palavra grega para “razão”. Em 2 Coríntios 10:4-5 Paulo nos
orienta a destruir todo argumento contra a fé cristã:
“Porque
as armas da nossa milícia não são carnais, mas sim poderosas em Deus para
destruição das fortalezas; Destruindo
conselhos, e toda altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus, e
levando cativo todo entendimento à obediência de Cristo.”.
Esta é a definição de fé cristã, uma
fé racional baseada em evidências, e não
“uma crença inquestionável que não necessita de prova ou evidência”. Aliás,
evidência é algo que não falta acerca da fé cristã, começando na ressurreição
de cristo, um dos fatos que se possuem mais evidência no mundo antigo.[ix]
Assim,
a fé Cristã pode muito bem andar abraçada com a ciência. E na verdade foi isso
que aconteceu. De fato, analisando a história, podemos afirmar que nunca houve
uma coisa como uma Guerra entre ciência e fé.
A trajetória [entrelaçada] da fé e
da ciência.
O sociólogo Rodney Stark, em
“triunfo do cristianismo”[x],
aponta: “A guerra original entre a
religião e a ciência nunca aconteceu: o cristianismo não só não impediu a
ascensão da ciência, como foi essencial para esta tomar seu lugar. Quanto ao
conflito contemporâneo entre religião e ciência, é uma batalha limitada a
extremistas. Pelo lado da “ciência”, são ateus militantes, como Richard Dawkins
que afirmam que a ciência provou que Deus não existe. Pelo lado da “religião”
são fundamentalistas que afirmam que a
Biblia prova que muito da moderna ciência é um absurdo”. Sejamos razoáveis, a
ciência possui limites explicativos, e a Bíblia não é um livro de ciências, é a
revelação da atuação de Deus na história.
Os
cinco grandes da ciência, Copérnico, Kepler, Galileu, Descartes e Newton eram
todos cristãos e não pensavam que suas pesquisas minassem a fé cristã.
Mark
Noll, um historiador americano diz: “Através de mais de 1700 anos, os cristãos
têm simplesmente compartilhado as convenções intelectuais de sua época; às
vezes eles agiram no sentido de retardar a investigação empírica da natureza;
às vezes eles a promoveram (...). O retrato histórico é complexo, e a história
ocidental certamente tem testemunhado muito argumento que envolve ciência e
religião. Mas a guerra não é simplesmente a melhor metáfora para capturar essa
história. Em vez disso, negociação, diálogo, concorrência, soluços cotidianos e
trovoadas isoladas são metáforas melhores para descrever o que tem acontecido.”[xi]
Muitos
cristãos hoje em dia têm a ideia de que os processos naturais são sustentados
por Deus e que a mente humana pode descobrir como a natureza funciona somente
porque Deus fez a mente humana capaz de compreender a natureza. Assim, pensando
que Deus criou a natureza e as mentes para compreendê-la, devemos lembrar, como
abordou Francis Bacon, que Deus é o autor do livro da natureza assim como autor
do livro das escrituras. Os cientistas cristãos e leigos cristãos deve procurar
ler estes dois livros sem buscar conflitos, mas conexões e complementações.
Mesmo
assim, muitas vezes, não se trata de somente gritos de lados “científicos” e
“religiosos”. O que está em jogo é algo mais, é um cosmovisão, algo que esta
por trás das perguntas que os cientistas fazem. Chegamos num ponto fundamental!
Será
a ciência é uma cosmovisão? Ela responde a questões do tipo:
Como
tudo começou? De onde nós viemos?
O
que deu errado? Qual é a raiz do mal e do sofrimento?
O
que nós podemos fazer sobre isso? Como o mundo pode ser reajustado novamente?
A
resposta é não. A ciência não consegue responder a estas questões. Mas quando
lemos textos de cientistas como Richard Dawkins (escritor de livros como Deus,
um delírio) dizendo que a teoria da evolução prova que não existe Deus, e
Stephen Hawkings (o Grande Projeto), apontando que o estudo da cosmologia
aponta a não existência de Deus, temos que parar e pensar: mas o que eles estão
falando aqui? Não se trata mais de ciência o que eles estão fazendo, mas de
filosofia ou contra-teologia. Pois a ciência não tem pretensão de responder se
Deus existe ou não, não é seu objetivo epistemológico (ou seja, seu principio
de organização) “provar” a existência de Deus. Isso é má ciência, e má
filosofia. E como disse C. S. Lewis, em Cristianismo Puro e Simples, a boa
filosofia deve existir nem que seja para debater a má filosofia.
A
visão de mundo, que normalmente se apóia na teoria darwinista é o naturalismo.
Em poucas palavras, naturalismo pode ser definido por aquilo que Carl Sagan
falava no início do seriado Cosmos: “O cosmos é tudo o que existe, ou existiu,
ou sempre existirá.” Palavras, diga-se de passagem, diametralmente opostas à
revelação de Deus em apocalipse 1:8: “Eu sou o alfa e o ômega, o principio e o
fim, diz o Senhor, que é, e que era, e há de vir, o Todo Poderoso”.
Muitas vezes temos uma imagem
idealizada da ciência como uma investigação empírica e imparcial que se aplica
estritamente a evidências. Esta é a definição que encontramos em livros
didáticos.
Os cientistas não são seres
imparciais. Considere estas palavras ditas por Richard Dawkins, "Mesmo
que não existam verdadeiras evidências a favor da teoria darwinista, [...]
ainda assim estaríamos justificados em preferi-la acima de todas as outras
teorias".43 Por quê? Porque é naturalista.
Como John C. Lennox
diz: “Afirmações de cientistas não são necessariamente afirmações de ciência”.[xii] E
continua: “O ideal iluminista do observador cientifico friamente racional,
completamente independente, livre de teorias preconcebidas, de prévios
compromissos filosóficos, éticos e religiosos, que faz pesquisas e chega a
conclusões desapaixonadas e imparciais, é visto hoje em dia pelos filósofos da
ciência sérios como um mito simplista. Assim como o resto da humanidade, os
cientistas têm ideias preconcebidas (...)”.[xiii]
Por
isso que Alvin Plantinga vai afirmar que o naturalismo é uma quase-religião.
Ele argumenta que o naturalismo serve como uma religião, já que procura
responder as profundas questões humanas como: Existe uma pessoa como Deus? Nós
humanos temos uma liberdade significativa? Nós podemos esperar vida após a
morte? O naturalismo dá respostas a estas perguntas: não há Deus, não há
imortalidade, e a liberdade é, na melhor das hipóteses, algo arriscado. O
naturalismo procura nos dizer o que é a realidade, onde nos encaixamos no
universo, como nós nos relacionamos com outras criaturas, e como nós viemos a
existir. O naturalismo está, portanto, em concorrência com as grandes religiões
teístas.
Portanto, o debate subjacente hoje não é em
torno dos temas de fé e ciência, mas de cosmovisões: teísmo x naturalismo.
Seria o teísmo, algo como
uma fé cega, sem evidências? Como vimos, não se trata disso. Existem muitos
cientistas cristãos, e muitas teorias e evidências têm levado muitas pessoas a
considerarem a possibilidade de um criador.
A visão cristã
cientifica entende que o universo funciona dentro de leis graças à um Deus que
criou tudo e que continua sustentando este universo. A visão cristã no início
da idade moderna e dos primeiros cientistas era a de que o mundo foi criado por
um Deus racional, assim eles não estavam surpresos por descobrir que se podia
encontrar algo verdadeiro sobre a natureza e o universo com base na razão. De fato, como aponta o filosofo da ciência
Alvin Plantinga, em “Where the conflict really lies. Science, religion and
naturalism”, há um conflito superficial entre ciência e teísmo, mas um acordo
superficial e um profundo conflito entre ciência em naturalismo.
A confiança que colocamos em
rótulos como “cientificamente comprovado” na verdade é a exposição de uma forma
de pensar ocidental que se fortalece no século XIX dentro do processo de revolução
científica, quando uma mentalidade começou a surgir de que tudo deveria ser
provado pela ciência. O que não pudesse ser provado empiricamente, simplesmente
não existia. Mas a despeito de existirem muitos cristãos que apoiavam e faziam
parte da comunidade cientifica, alguns começaram a separar fé e ciência, como
estas duas coisas fizessem parte de universos totalmente diversos e não
poderiam mais ser convergentes. É nesta época que surge a visão naturalista, principalmente
com o lançamento do livro de Charles Darwin, “A origem das espécies”, em 1859
(aliás, mesmo ano do lançamento da obra do velho Karl Marx, “Para a crítica da
economia política”, que marcou sua fase final e mais forte conceitualmente em
relação ao materialismo). Tal livro serviu para que os naturalistas apontassem
que não era necessário um criador.
Um dos principais defensores da
idéia de Darwin na época foi Thomas Henry Huxley, apelidado de o buldogue de
Darwin. Foi ele que cunhou o termo ‘agnosticismo’ para descrever seu
posicionamento face à religião.
Esta visão sim se propôs a
responder questões existenciais, utilizando-se de um teor cientificista. Aqui
entramos em um território pantanoso no qual podemos começar a compreender que a
guerra não é entre ciência e fé, mas entre naturalismo e teísmo. A guerra é de
cosmovisões!
[i]
Lennox, por que a ciência não consegue enterrar Deus, p. 33.
[ii] Stark, “Triumph of Christianity”
(p82)
[iii] PEARCEY, Nancy. Total truth.
Introduction, p. 23.
[iv]
SOUZA, Rodolfo Amorim de Castro. Cosmovisão: evolução do conceito e aplicação
cristã, IN: Cosmovisão cristã e transformação.
[v] Souza, opus cit, p. 47.
[vi] Rodney stark, triumph of
christianity, cap. 16.
[vii] Stark, cap. 16.
[viii] Collins, C. John. Science and
Faith, friends or foes?
[ix] Habermas, Gary.
[x] Stark, triumph of christianity,
conclusão do cap. 16
[xi] Noll, Mark. Science, religion and
A. D. White. Seeking peace in the “Warfare between science and theology, p.7 .
disponível em www.BioLogos.org/projects/scholar-essays.
[xii] Lennox, pag. 25
[xiii] Lennox, p. 45
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