Contém spoiler!
Transcendence foi dirigido por
Wally Pfister, estrelado por Johnny Depp, Rebecca Hall e Morgan Freeman, entre
outros. O roteiro foi produzido por Jack Paglen, que se baseou na noção de
singularidade, um conceito que
aponta um avanço tecnológico em que a inteligência artificial terá superado a
inteligência humana, alterando a civilização e a natureza humana.
A narrativa gira em torno do
casal Will Caster e sua esposa Evelyn Caster, ambos no ponto de realizar um
grande avanço na ciência neural e na tecnologia da informação na Universidade
de Berkeley. Will é um gênio na área de inteligência artificial e construiu um
sistema de I.A chamado P.I.N.N (Physically Independent Neural Network, Rede
neural fisicamente independente, em português).
Em um congresso em que apresenta
os resultados da pesquisa, Will é baleado por um membro de um grupo terrorista
antitecnologia, um neo-ludista. Por efeitos causados pelo veneno colocado na
bala, Will acabada recebendo a notícia de que tem somente um mês de vida. Neste
período, sua esposa e seu amigo tentam colocar em prática as teorias e avanços
que vinham trabalhando nos últimos anos na área da nanotecnologia e tecnologia
da informação. A ideia era carregar a consciência de Will para o sistema
P.I.N.N.
A qualidade do filme está muito
mais no roteiro do que na realização cinematográfica, o que explica a variedade
de resenhas negativas com relação ao filme. Parece que, para uma melhor
compreensão do filme, precisamos ter alguns conceitos tecnológicos a priori, uma vez que o filme utiliza-se
de uma grande quantidade de ideias referentes à tecnologia da informação.
Parece que o roteirista Paglen se serviu de diversos livros de filósofos, historiadores
e cientistas que são referências na análise da tecnociência contemporânea.
Conceitos como determinismo
tecnológico, no qual as tecnologias são consideradas como a causa principal das
mudanças na sociedade, se revelam desde a primeira cena. No começo do filme,
temos a visão de um teclado de computador servindo como calço para uma porta,
sinalizando que a tecnologia havia se tornado algo obsoleto para aquela
sociedade; a maneira como as pessoas estavam vivendo havia mudado sem a
tecnologia. Essa parece ser muitas vezes a profecia de alguns autores como
Marshall Mcluhan e Jacques Ellul.
Mesmo a alusão a um grupo
neo-luddita antitecnologia, em referência ao movimento que surgiu durante a
Revolução Industrial Inglesa e que questionava os propósitos das máquinas,
aponta para posições acadêmicas críticas do determinismo tecnológico mas, principalmente,
para o debate acerca da pretensa neutralidade da ciência e tecnologia. Esse
posicionamento aparece, por exemplo, em um artigo publicado na revista Wired,
chamado “Why the future doesn’t need us” de Bill Joy. Inclusive, essa revista
de renome na área de tecnologia acaba fazendo “uma ponta” no filme, com uma
capa estampando Will Caster.
Para
nos ajudar a perceber qual o tema mais importante do filme, que parece ter
passado batido pela maioria dos críticos, os produtores nos deram uma pista no
título: “transcendência”. O que é transcendência? E como isso se relaciona com
tecnologia? É esse ponto principal desse pequeno texto.
A Transcendência seria a busca do
homem por transcender a sua natureza humana. O próprio Will a define no inicio
do filme:
“Por 130.000 anos, nossa
capacidade de raciocinar se manteve inalterada. O intelecto combinado de
neurocientistas, matemáticos e ... hackes ... neste auditório empalidece em
comparação com a I.A mais básica. Uma vez online, uma máquina sensível logo ultrapassará
os limites da biologia. E, em uma curto espaço de tempo, o seu poder analítico irá
se tornar maior que a inteligência coletiva de cada pessoa nascida na história
do mundial. Então, imagine uma entidade com uma ampla gama de emoções humanas. Até mesmo auto-consciência. Alguns
cientistas referem-se à isto como ‘a singularidade’. Eu chamo isso de ‘transcendência’.
[1]
Em outras palavras, a superação
da atual natureza humana.
Na continuação da mesma fala de
Will, ele dá a dica do que está por trás da busca pela transcendência. Um
membro da audiência durante a conferência, pergunta para Will:
“Então você quer criar um deus?
Seu próprio deus?”
Will: “Está é uma boa pergunta.
Não é o que o homem sempre tem feito?”
Aqui a transcendência se junta à
tecnologia; a religião se torna uma justificativa subjacente, tácita, mesmo que
às vezes negada, à busca pelo desenvolvimento tecnológico. A meta de Will é romper
os limites da humanidade aprimorando seu objetivo mais básico: tornar a
tecnologia uma extensão do homem. E isso é obtido de maneira essencial através
da ligação da consciência de Will ao sistema P.I.N.N.
Pertinente para o debate desse
filme é o livro de David F. Noble, “The religion of technology”, publicado em
1997, que parece servir de pano de fundo para a discussão implícita no filme: a
de transcendência e tecnologia. De fato, o termo “transcendência” é fundamental
nessa obra, intitulando a divisão das 2 partes que a compõem: “Technology and
transcendence” e “Technologies of transcendence”. A ideia central do autor é a
de que “as raízes religiosas da fascinação tecnológica moderna remonta a um
passado milenário na formação da consciência ocidental, no tempo em que as
artes úteis se aplicaram pela primeira vez no projeto cristão de redenção. Os
meios mundanos de sobrevivência se voltaram ao fim místico da salvação e, ao
longo do milênio seguinte, as atividades humanas mais materiais e humildes
foram investidas progressivamente de significado espiritual e transcendente: a
recuperação da divindade perdida do homem.” (Noble, David F. La religion de La tecnologia.
Paidós, Barcelona, p. 18).
Essa busca pela recuperação da
divindade do homem se encaixa nos processos da tecnociência atuais, demonstrado
no filme: na boca de Will a procura por criar um deus é o que o homem tem
sempre feito.
Um autor
que também parece ter influenciado muito o roteiro foi Raymond Kurzweil, reconhecido
cientista da computação, que tem teorizado muito sobre o futuro da tecnologia
em livros como “The age of intelligent machines”, “The singularity is near” nos quais ele fala sobre o homem transcendental. Para esse autor, a nanotecnologia,
assim como apresentada no filme, seria a solução para de problemas globais como
pobreza, doença e mudança climática.
A nanotecnologia
e a inteligência artificial são dois principais temas da atual ciência.
O objetivo da inteligência
artificial, desde Alan Turing, é a evolução do pensamento para além dos limites
da computação primeiramente, e, depois, dos limites da humanidade. Por fim,
viria “a transcendência não somente do corpo humano, mas também da inteligência
propriamente humana.” (Noble, p. 186). A insinuação de que Will estaria criando
um deus por parte de uma pessoa da plateia na conferência no início do filme,
parece ter sido tirada da boca de um cientista real. Edward Fredkin, um dos
pioneiros da física digital, disse que: “criar uma superinteligência, muito
mais brilhante que nós, é algo muito parecido com o divino.” (citado por Noble,
p. 200.).
Já a
nanotecnologia tem por principio básico a pesquisa e produção em escala
atômica, aliada a diversas áreas como medicina, eletrônica, ciência da
computação, física, química e biologia. Conjugada à engenharia genética, essa
tecnologia pretende criar seres perfeitos. Mais uma vez o tema religioso do
resgate da divindade perdida se faz presente no filme e na vida real.
Por fim,
o filme deixa latente a meta de transcender as preocupações mortais através da
tecnologia; os limites causados pelas doenças, problemas ecológicos e morte são
ultrapassados graças ao empreendimento humano. É a esperança da salvação
através da tecnologia. Entretanto, esse mesmo empreendimento tecnológico atual,
que dependemos para preservar e ampliar nossas vidas se revela indiferente pela
própria vida, uma vez que busca transcendê-la. A vida e a sociedade humanas são
descartadas como insuficientes.
A religião da tecnologia se fundamenta
em esperanças que somente são significativas em um contexto da crença
transcendente em um Deus religioso; esperanças de salvação total que a
tecnologia não pode cumprir. A busca tecnológica por salvação se converteu em
uma ameaça para a nossa sobrevivência. Lembremos do apocalipse tecnológico na
distopia de Matrix, no qual os homens
são condenados a servir de fonte de energia para máquinas inteligentes
dominadoras.
O filme, ao fechar o círculo com a
cena inicial, de uma sociedade sem tecnologia, parece questionar o próprio futuro
da tecnologia: a tecnologia se tornará obsoleta para a sociedade, ou a
sociedade humana se tornará obsoleta para a tecnologia? Questões extremamente pertinentes
de pensarmos em nossas sociedades tecnicistas.
ps: em tempo, após eu ter assistido o filme, saiu a notícia
de que John smart previu que daqui a 5 anos nossa personalidade poderá ser clonada
por computadores.
sobre sentient
machine, máquinas sensíves
nanotecnologia, inteligência artificial e a extinção da
humanidade:
[1] tradução livre de: “For 130,000 years,
our capacity to reason has remained unchanged. The combined intellect of the
neuroscientists, mathematicians and... hackers... in this auditoirum pales in
comparison to the most basic A.I. Once online, a sentient machine will quickly
overcome the limits of biology. And in a short time, its analytic power will
become greater than the collective intelligence of every person born in the
history of the world. So imagine such an entity with a full range of human
emotion. Even self-awareness. Some scientists refer to this as ‘the
Singularity.’ I call it ‘Transcendence.’”
Eu gostei, havia muitos elementos que pareciam muito atraente para mim, a sequência de ideias foi bom, mas alguma coisa aconteceu durante esse filme que não se conformava Trascender; no entanto, é um muito interessante para quem gosta de filme de ficção científica, o colapso da humanidade e do governo conspirações. Ele tem seus contras, mas é definitivamente interessante perguntar-nos mesmo com filmes, dilemas éticos que existem na ciência e desenvolvimento. Nós dois estamos dispostos a sacrificar a nossa ética e morais, a fim de salvar vidas; um debate que queima quando se trata de células, nanotecnologia e ciência médica-tronco.
ResponderExcluirUm filme sobre Inteligencia Artifical ou Robótica que eu acho interessante é Transcendence. Este thriller de ficção científica mais de 100 minutos, eu gostei. Transcendence é um filme estranho e muito futurista que eleva a curto prazo um futuro muito sombrio para toda a humanidade. A coisa interessante sobre este filme é o debate e o dilema moral que surge quando se discute os limites da ciência e tecnologia. Transcendênce é o primeiro filme que fez Wally Pfister, diretor de fotografia de quase todos os filmes de Christopher Nolan.
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