quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Transcendence - tecnologia e a esperança futura da raça humana


Contém spoiler!

Transcendence foi dirigido por Wally Pfister, estrelado por Johnny Depp, Rebecca Hall e Morgan Freeman, entre outros. O roteiro foi produzido por Jack Paglen, que se baseou na noção de singularidade, um conceito que aponta um avanço tecnológico em que a inteligência artificial terá superado a inteligência humana, alterando a civilização e a natureza humana.
A narrativa gira em torno do casal Will Caster e sua esposa Evelyn Caster, ambos no ponto de realizar um grande avanço na ciência neural e na tecnologia da informação na Universidade de Berkeley. Will é um gênio na área de inteligência artificial e construiu um sistema de I.A chamado P.I.N.N (Physically Independent Neural Network, Rede neural fisicamente independente, em português).
Em um congresso em que apresenta os resultados da pesquisa, Will é baleado por um membro de um grupo terrorista antitecnologia, um neo-ludista. Por efeitos causados pelo veneno colocado na bala, Will acabada recebendo a notícia de que tem somente um mês de vida. Neste período, sua esposa e seu amigo tentam colocar em prática as teorias e avanços que vinham trabalhando nos últimos anos na área da nanotecnologia e tecnologia da informação. A ideia era carregar a consciência de Will para o sistema P.I.N.N.
A qualidade do filme está muito mais no roteiro do que na realização cinematográfica, o que explica a variedade de resenhas negativas com relação ao filme. Parece que, para uma melhor compreensão do filme, precisamos ter alguns conceitos tecnológicos a priori, uma vez que o filme utiliza-se de uma grande quantidade de ideias referentes à tecnologia da informação. Parece que o roteirista Paglen se serviu de diversos livros de filósofos, historiadores e cientistas que são referências na análise da tecnociência contemporânea.
Conceitos como determinismo tecnológico, no qual as tecnologias são consideradas como a causa principal das mudanças na sociedade, se revelam desde a primeira cena. No começo do filme, temos a visão de um teclado de computador servindo como calço para uma porta, sinalizando que a tecnologia havia se tornado algo obsoleto para aquela sociedade; a maneira como as pessoas estavam vivendo havia mudado sem a tecnologia. Essa parece ser muitas vezes a profecia de alguns autores como Marshall Mcluhan e Jacques Ellul.
Mesmo a alusão a um grupo neo-luddita antitecnologia, em referência ao movimento que surgiu durante a Revolução Industrial Inglesa e que questionava os propósitos das máquinas, aponta para posições acadêmicas críticas do determinismo tecnológico mas, principalmente, para o debate acerca da pretensa neutralidade da ciência e tecnologia. Esse posicionamento aparece, por exemplo, em um artigo publicado na revista Wired, chamado “Why the future doesn’t need us” de Bill Joy. Inclusive, essa revista de renome na área de tecnologia acaba fazendo “uma ponta” no filme, com uma capa estampando Will Caster.
                Para nos ajudar a perceber qual o tema mais importante do filme, que parece ter passado batido pela maioria dos críticos, os produtores nos deram uma pista no título: “transcendência”. O que é transcendência? E como isso se relaciona com tecnologia? É esse ponto principal desse pequeno texto.
A Transcendência seria a busca do homem por transcender a sua natureza humana. O próprio Will a define no inicio do filme:
“Por 130.000 anos, nossa capacidade de raciocinar se manteve inalterada. O intelecto combinado de neurocientistas, matemáticos e ... hackes ... neste auditório empalidece em comparação com a I.A mais básica. Uma vez online, uma máquina sensível logo ultrapassará os limites da biologia. E, em uma curto espaço de tempo, o seu poder analítico irá se tornar maior que a inteligência coletiva de cada pessoa nascida na história do mundial. Então, imagine uma entidade com uma ampla gama de emoções humanas. Até mesmo auto-consciência. Alguns cientistas referem-se à isto como ‘a singularidade’. Eu chamo isso de ‘transcendência’. [1]

Em outras palavras, a superação da atual natureza humana.
Na continuação da mesma fala de Will, ele dá a dica do que está por trás da busca pela transcendência. Um membro da audiência durante a conferência, pergunta para Will:
“Então você quer criar um deus? Seu próprio deus?”
Will: “Está é uma boa pergunta. Não é o que o homem sempre tem feito?”

Aqui a transcendência se junta à tecnologia; a religião se torna uma justificativa subjacente, tácita, mesmo que às vezes negada, à busca pelo desenvolvimento tecnológico. A meta de Will é romper os limites da humanidade aprimorando seu objetivo mais básico: tornar a tecnologia uma extensão do homem. E isso é obtido de maneira essencial através da ligação da consciência de Will ao sistema P.I.N.N.
Pertinente para o debate desse filme é o livro de David F. Noble, “The religion of technology”, publicado em 1997, que parece servir de pano de fundo para a discussão implícita no filme: a de transcendência e tecnologia. De fato, o termo “transcendência” é fundamental nessa obra, intitulando a divisão das 2 partes que a compõem: “Technology and transcendence” e “Technologies of transcendence”. A ideia central do autor é a de que “as raízes religiosas da fascinação tecnológica moderna remonta a um passado milenário na formação da consciência ocidental, no tempo em que as artes úteis se aplicaram pela primeira vez no projeto cristão de redenção. Os meios mundanos de sobrevivência se voltaram ao fim místico da salvação e, ao longo do milênio seguinte, as atividades humanas mais materiais e humildes foram investidas progressivamente de significado espiritual e transcendente: a recuperação da divindade perdida do homem.” (Noble, David F. La religion de La tecnologia. Paidós, Barcelona, p. 18).
Essa busca pela recuperação da divindade do homem se encaixa nos processos da tecnociência atuais, demonstrado no filme: na boca de Will a procura por criar um deus é o que o homem tem sempre feito.
                Um autor que também parece ter influenciado muito o roteiro foi Raymond Kurzweil, reconhecido cientista da computação, que tem teorizado muito sobre o futuro da tecnologia em livros como “The age of intelligent machines”, “The singularity is near” nos quais ele fala sobre o homem transcendental. Para esse autor, a nanotecnologia, assim como apresentada no filme, seria a solução para de problemas globais como pobreza, doença e mudança climática.
            A nanotecnologia e a inteligência artificial são dois principais temas da atual ciência.
O objetivo da inteligência artificial, desde Alan Turing, é a evolução do pensamento para além dos limites da computação primeiramente, e, depois, dos limites da humanidade. Por fim, viria “a transcendência não somente do corpo humano, mas também da inteligência propriamente humana.” (Noble, p. 186). A insinuação de que Will estaria criando um deus por parte de uma pessoa da plateia na conferência no início do filme, parece ter sido tirada da boca de um cientista real. Edward Fredkin, um dos pioneiros da física digital, disse que: “criar uma superinteligência, muito mais brilhante que nós, é algo muito parecido com o divino.” (citado por Noble, p. 200.).
                Já a nanotecnologia tem por principio básico a pesquisa e produção em escala atômica, aliada a diversas áreas como medicina, eletrônica, ciência da computação, física, química e biologia. Conjugada à engenharia genética, essa tecnologia pretende criar seres perfeitos. Mais uma vez o tema religioso do resgate da divindade perdida se faz presente no filme e na vida real.
                Por fim, o filme deixa latente a meta de transcender as preocupações mortais através da tecnologia; os limites causados pelas doenças, problemas ecológicos e morte são ultrapassados graças ao empreendimento humano. É a esperança da salvação através da tecnologia. Entretanto, esse mesmo empreendimento tecnológico atual, que dependemos para preservar e ampliar nossas vidas se revela indiferente pela própria vida, uma vez que busca transcendê-la. A vida e a sociedade humanas são descartadas como insuficientes.
A religião da tecnologia se fundamenta em esperanças que somente são significativas em um contexto da crença transcendente em um Deus religioso; esperanças de salvação total que a tecnologia não pode cumprir. A busca tecnológica por salvação se converteu em uma ameaça para a nossa sobrevivência. Lembremos do apocalipse tecnológico na distopia de Matrix, no qual os homens são condenados a servir de fonte de energia para máquinas inteligentes dominadoras.
O filme, ao fechar o círculo com a cena inicial, de uma sociedade sem tecnologia, parece questionar o próprio futuro da tecnologia: a tecnologia se tornará obsoleta para a sociedade, ou a sociedade humana se tornará obsoleta para a tecnologia? Questões extremamente pertinentes de pensarmos em nossas sociedades tecnicistas.
               

ps: em tempo, após eu ter assistido o filme, saiu a notícia de que John smart previu que daqui a 5 anos nossa personalidade poderá ser clonada por computadores.

sobre sentient machine, máquinas sensíves

nanotecnologia, inteligência artificial e a extinção da humanidade:





[1] tradução livre de: “For 130,000 years, our capacity to reason has remained unchanged. The combined intellect of the neuroscientists, mathematicians and... hackers... in this auditoirum pales in comparison to the most basic A.I. Once online, a sentient machine will quickly overcome the limits of biology. And in a short time, its analytic power will become greater than the collective intelligence of every person born in the history of the world. So imagine such an entity with a full range of human emotion. Even self-awareness. Some scientists refer to this as ‘the Singularity.’ I call it ‘Transcendence.’”

2 comentários:

  1. Eu gostei, havia muitos elementos que pareciam muito atraente para mim, a sequência de ideias foi bom, mas alguma coisa aconteceu durante esse filme que não se conformava Trascender; no entanto, é um muito interessante para quem gosta de filme de ficção científica, o colapso da humanidade e do governo conspirações. Ele tem seus contras, mas é definitivamente interessante perguntar-nos mesmo com filmes, dilemas éticos que existem na ciência e desenvolvimento. Nós dois estamos dispostos a sacrificar a nossa ética e morais, a fim de salvar vidas; um debate que queima quando se trata de células, nanotecnologia e ciência médica-tronco.

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  2. Um filme sobre Inteligencia Artifical ou Robótica que eu acho interessante é Transcendence. Este thriller de ficção científica mais de 100 minutos, eu gostei. Transcendence é um filme estranho e muito futurista que eleva a curto prazo um futuro muito sombrio para toda a humanidade. A coisa interessante sobre este filme é o debate e o dilema moral que surge quando se discute os limites da ciência e tecnologia. Transcendênce é o primeiro filme que fez Wally Pfister, diretor de fotografia de quase todos os filmes de Christopher Nolan.

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