domingo, 21 de dezembro de 2014

Marco polo – a série


Esta é uma resenha da série produzida pela Netflix, mas também da história de Marco Polo, tal como aparece em livros, biografias e obras ficcionais que li.
                A série estreou dia 12 de dezembro, em um filão de séries históricas feitas para TV por assinatura. Além do aclamado “Guerra dos Tronos” (2011-), temos “Roma” (2005-), “Tudors” (2007-2010), “Spartacus” (2010-2013), “Bórgias” (2011-2013), Vikings (2013-) e talvez o que tenha fortalecido de vez o ramo e provado que esta vertente tem um público cativo, “Pillars of the earth” (2010).
                Todas ótimas séries, que valem muito a pena assistir, acabaram estabelecendo um padrão para as novas séries, principalmente “Pillars of the earth” e “Guerra dos Tronos”. Este último inclusive colaborou com a violência e inúmeras cenas de nudez que, em Marco Polo, aparece de maneira exagerada nos primeiros episódios.
                O seriado produzido pela Nettflix, sua primeira incursão no universo medieval, é visualmente arrebatador, com uma trilha sonora maravilhosamente combinando com cada momento, elevando a dramaticidade de muitas cenas.
            
    O seriado tem tudo para ser um grande épico e ganhar continuações. Mas tem alguns problemas que comentarei neste post.

                Uma característica, que não chega a ser um problema de fato, é que ocorreram algumas modificações na história mais aceita de Marco Polo. Mais aceita, porque não há uma opinião final sobre a vida de Marco Polo, uma vez que há poucas fontes documentais sobre isso. Sua maior obra, “Viagens”, escrita por um secretario, sofreu diversas alterações numa era pré-Gutemberg, quando direitos autorais não eram muito respeitados.
Uma obra atual sobre a vida de Polo, bem acessível, é a de Laurence Bergreen, intitulado “Marco Polo”.  É uma biografia, baseada em diversos estudos acadêmicos em linguagem jornalística. Ali o autor apresenta a versão mais aceita por historiares da vida do viajante veneziano. Vale muito a pena ler. Sobre um pouco antes do período coberto pela vida de Polo, tem o livro “Gengis Khan”, de John Man, que trata da ascensão do poderio mongol. O Kublai Khan do seriado foi neto de Gengis. Inclusive, sua representação cinematográfica ficou muito semelhante às pinturas históricas que o retratam.


O seriado toma várias liberdades históricas e foca sua atenção na sexualidade e violência, que de fato são descritas por um Polo surpreso com a diferença com que estes assuntos são encarados pelos Mongóis em comparação com os ocidentais. Algo que os historiadores são unânimes é que Polo não participou de nenhuma batalha mongol que ele diz ter participado em suas memórias, pelo simples fato de elas terem ocorridas em períodos diferentes. Em sua narrativa, Polo mistura realidade com ficção muitas vezes, o que até era comum entre viajantes que deixavam escrito suas aventuras.
Senti duas ausências fundamentais no seriado: a relação muito próxima que os mongóis tinham com seus cavalos, uma vez que eles cuidavam e treinavam seus animais desde pequeno, e a precisa e mortífera técnica de arquearia – os mongóis se tornaram famosos e temidos por sua habilidade com o arco e impuseram muitas derrotas inclusive a europeus desavisados. No seriado, estes dois elementos são muito pouco explorados.
As cenas são muito bem construídas no seriado, com uma reconstrução de cidades, armamentos e roupas fenomenais. Algumas cenas de confrontos verbais e físicos são também muito boas. O confronto verbal entre Kublai e o imperador chinês Jia Sidao é de uma dramaticidade sem igual no seriado. É um clímax da série, quando Kublai foi extremamente intimidador e firmou sua forte presença face ao imperador chinês.
Enfim, foi uma série muito boa, mas fica a sensação de que mais coisas podiam ter sido melhor feitas, como o roteiro, por exemplo. As cenas de batalha foram muito poucas, apesar de umas boas cenas de lutas marciais. E o personagem de Marco Polo pra mim não ficou bem representado. Mesmo todos os atores da série não tem muito carisma, tirando uns poucos, como Bayan, o cem olhos (na história real, ele não era cego, mas a ironia do nome caiu bem no seriado), de longe meu personagem favorito na série.
Outra obra ficcional que mostra de maneira excelente o desenvolvimento dos mongóis até se tornarem poderosos como apontado no seriado é a série “O conquistador” de Conn Iggulden.

“Marco Polo” veio para mostrar o crescente interesse dos ocidentais pela história do oriente, pouco ensinada nas escolas e mesmo em cursos superiores. Eu nunca tive sequer uma aula sobre o extremo oriente na graduação em história, a não ser quando havia o encontro de civilizações.
Aliás, esse é um bom assunto para se pensar? Por que os chineses e depois os mongóis não conquistaram a Europa se eram tão poderosos?  
Esse é um bom assunto e tem sido pesquisado por inúmeras obras. Como, uma civilização tão desenvolvida, como mostrou Gavin Menzies em “1421”, superior aos europeus no final da Idade Média acabou ruindo e colapsou? Alguns poucos europeus que tiveram o privilégio de visitar a China durante seu esplendor ficaram maravilhados, como foi o caso de Fernão Magalhães. Alguns argumentos indicam a própria cosmovisão religiosa chinesa como a responsável pela queda, uma vez que esta previa o fechamento para outras culturas e o caráter centralizado da disponibilidade do conhecimento. Algo que se mostrou essencial na circulação de ideias que possibilitou as Grandes Navegações e a Revolução Industrial Inglesa, por exemplo. 
A tecnologia para os chineses tinha muito mais um caráter de pomposidade do que uma busca por melhorar as condições de produção e de vida. Grandes embarcações, meios de transporte, armas de guerra existiam para conquistar e manter o poder, mas muito pouco foi feito para melhorar os trabalhos manuais. A pólvora, a despeito do que é mostrada em uma certa altura do seriado, não foi usada pelos chineses como arma, mas sim, como diversão. Ao mesmo tempo a religião budista pressupunha uma afastamento das coisas terrenas, onde tudo que se fazia era um desperdício, portanto nada poderia ser feito para melhorar a condição humana na terra. Ao contrário do pensamento ocidental. 

Assunto pra se refletir. Enquanto isso, aguardemos uma possível continuação da série “Marco Polo”,  com a esperança de um roteiro melhor, uma vez que material para a história, há de sobra. 

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