sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Fé e ciência - série de entrevistas com jovens cientistas cristãos II



Dando continuidade à série de entrevistas com cientistas cristãos, hoje conheceremos um pouco Emmanuel Moreno Pereira. Ele é bacharel e licenciado em filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina, e atualmente está concluindo um mestrado em filosofia do programa de pós-graduação da mesma universidade.

1) O que o levou a pesquisar seu tema?

Minha pesquisa de mestrado é uma extensão da pesquisa que fiz durante a graduação para o trabalho de conclusão de curso. O tema me foi sugerido durante a graduação pelo meu orientador, de acordo os meus interesses e os temas sobre os quais eles estaria qualificado para orientar uma pesquisa.

2) Qual a relação com a fé cristã que sua temática ou a sua área mais ampla de pesquisa pode ter?

Meu tema de pesquisa é uma avaliação de uma concepção em filosofia da ciência chamada abordagem semântica, que procura caracterizar as teorias científicas como classes de modelos matemáticos, numa certa acepção. O tema não tem qualquer relação com a fé cristã. Mas minha área de pesquisa/concentração que é a área de lógica e epistemologia, sim, tem várias relações com a fé cristã. Uma pequena parte da lógica, e a principal parte dela, tem sido definida como o estudo da inferência válida e isto tem relevância no estudo filosófico de temas que exigem uma defesa articulada das doutrinas cristãs. A lógica desempenha um papel importantíssimo ao formularmos nossas doutrinas, se quisermos fazê-lo de forma rigorosa, clara e não falaciosa. Alguns temas que dizem respeito às doutrinas cristãs e que apresentam relação com a lógica são: a coerência do teísmo (Deus possuir propriedades aparentemente contraditórias), a natureza da trindade (Deus ser três pessoas num só ser), a união hipostática (o problema da união das naturezas de Cristo), o dilema de Eutífron (a relação entre Deus e o fundamento da moralidade), entre outros. A epistemologia é o estudo do conhecimento. Entra neste campo de estudo também o conceito de crença, algo importante para a fé cristã. Por isso uma adequada teoria do conhecimento deve explicar todas as nossas experiências de crença, inclusive as de crença em Deus. Deve ser capaz de responder como as afirmações de verdade podem ser objeto de conhecimento, inclusive se é possível que as afirmações da fé cristã sejam objeto de conhecimento. Deve responder como nossas crenças comuns recebem justificação e/ou garantia, e como isso se aplica às crenças da fé cristã. Deve explicar qual a relação entre nossas crenças ordinárias e as evidências (favoráveis e contrárias) relacionadas a elas, e como isso se aplica às crenças da fé cristã, etc. Embora os cristãos sejamos chamados a crer em Deus, e não em um corpo de doutrinas, e embora o caráter de nossa fé em Deus não seja fundamentalmente nocional, é fato que articulamos nossa fé por meio do discurso, da linguagem. Vemos nas escrituras vários textos que reforçam nossa crença na importância do intelecto para a fé cristã: “vinde e arrazoemos...” Is 1:18; “amarás, pois, ao Senhor teu Deus...de todo o teu entendimento...” Mc 12:30; “...estai sempre preparados para responder...a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós.” I Pe 3:15; entre outros. Por isso também a importância do estudo filosófico da fé cristã, bem como do desenvolvimento de teorias filosóficas que não lhe sejam diretamente relacionadas mas que sejam coerentes com ela, é uma tarefa que se nos impõe.

3) Existe alguma dificuldade ou vantagem de um cristão inserido no meio acadêmico? 

Não creio que existam dificuldades ou vantagens específicas para um cristão no meio acadêmico. Não mais do que para qualquer outra pessoa.

4) Já sentiu alguma represália por ser cristão e/ou por tratar temas cristãos?

Nunca recebi qualquer represália por ser cristão e/ou por tratar de temas cristãos. O que percebi no ambiente acadêmico da faculdade em que estudei foi respeito por parte de todos pelas crenças de todos, e disposição por parte de vários para ouvir e tentar entender as crenças dos demais.

5) Como cristão, como vê o universo universitário? E o estudante universitário?

Não posso dizer como vejo o estudante universitário, porque creio que cada um deles é um ser humano único. Por isso, não creio que seja possível dar uma descrição geral deles. Contudo, vejo a universidade como uma instituição para produção e difusão do saber filosófico, científico, tecnológico e artístico, a fim de promover o desenvolvimento do ser humano e a construção de sociedades. O que isto tem a ver com a fé cristã? Bom, toda área de conhecimento tem pressuposições teóricas, bem como metodologias, que podem ou não ser coerentes com a fé cristã, e, portanto, parece ser relevante para o cristão desenvolver seus estudos e pesquisas, aplicá-los e difundi-los de modo que seja coerente com a fé cristã. Há uma só forma de fazer isto? Certamente, não. Mas há algumas. O meio acadêmico é também um ambiente no qual a nossa compreensão da fé cristã pode ser desafiada e desenvolvida. Ao aprendermos sobre as interações das diferentes disciplinas acadêmicas com a fé cristã podemos perceber interpretações errôneas da nossa fé, e melhorarmos nossa compreensão dela. Isto porque nesta interação todos os lados podem aprender. E cooperar com o desenvolvimento do ser humano, e com a construção de sociedades, são deveres de todo cristão que deseja ver no seu semelhante e no mundo que o cerca a vontade de Deus ser feita “assim na terra como no céu”.

6) Quais as possibilidades de um cristão exercer diferença no meio acadêmico. 

Acredito que a principal possibilidade seja promovendo uma interação construtiva entre “a fé que uma vez foi dada aos santos” e o saber em suas diversas formas. Quanto ao mais, as possibilidades de um cristão exercer diferença no meio acadêmico se resumem a ser e agir como Cristo também ali, como em qualquer outro ambiente em que esteja.

7) Suas Considerações finais


Reitero a minha esperança de que os acadêmicos cristãos ajudem a construir sociedades mais justas por meio de ensino, pesquisa e extensão, enquanto promovem diálogos entre os saberes e a sua fé, com a ajuda de Deus e para a sua maior glória. E tem sido um prazer fazer parte disto.

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