Dando continuidade à série de entrevistas com cientistas
cristãos, hoje conheceremos um pouco Emmanuel Moreno Pereira. Ele é bacharel e
licenciado em filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina, e atualmente
está concluindo um mestrado em filosofia do programa de pós-graduação da mesma
universidade.
1) O que o levou a pesquisar seu tema?
Minha pesquisa de mestrado é uma extensão da pesquisa que
fiz durante a graduação para o trabalho de conclusão de curso. O tema me foi
sugerido durante a graduação pelo meu orientador, de acordo os meus interesses
e os temas sobre os quais eles estaria qualificado para orientar uma pesquisa.
2) Qual a relação com a fé cristã que sua temática ou a sua área mais
ampla de pesquisa pode ter?
Meu tema de pesquisa é uma avaliação de uma concepção em
filosofia da ciência chamada abordagem semântica, que procura caracterizar as
teorias científicas como classes de modelos matemáticos, numa certa acepção. O
tema não tem qualquer relação com a fé cristã. Mas minha área de
pesquisa/concentração que é a área de lógica e epistemologia, sim, tem várias
relações com a fé cristã. Uma pequena parte da lógica, e a principal parte
dela, tem sido definida como o estudo da inferência válida e isto tem
relevância no estudo filosófico de temas que exigem uma defesa articulada das
doutrinas cristãs. A lógica desempenha um papel importantíssimo ao formularmos
nossas doutrinas, se quisermos fazê-lo de forma rigorosa, clara e não
falaciosa. Alguns temas que dizem respeito às doutrinas cristãs e que
apresentam relação com a lógica são: a coerência do teísmo (Deus possuir propriedades
aparentemente contraditórias), a natureza da trindade (Deus ser três pessoas
num só ser), a união hipostática (o problema da união das naturezas de Cristo),
o dilema de Eutífron (a relação entre Deus e o fundamento da moralidade), entre
outros. A epistemologia é o estudo do conhecimento. Entra neste campo de estudo
também o conceito de crença, algo importante para a fé cristã. Por isso uma
adequada teoria do conhecimento deve explicar todas as nossas experiências de
crença, inclusive as de crença em Deus. Deve ser capaz de responder como as
afirmações de verdade podem ser objeto de conhecimento, inclusive se é possível
que as afirmações da fé cristã sejam objeto de conhecimento. Deve responder
como nossas crenças comuns recebem justificação e/ou garantia, e como isso se
aplica às crenças da fé cristã. Deve explicar qual a relação entre nossas
crenças ordinárias e as evidências (favoráveis e contrárias) relacionadas a
elas, e como isso se aplica às crenças da fé cristã, etc. Embora os cristãos
sejamos chamados a crer em Deus, e não em um corpo de doutrinas, e embora o
caráter de nossa fé em Deus não seja fundamentalmente nocional, é fato que
articulamos nossa fé por meio do discurso, da linguagem. Vemos nas escrituras
vários textos que reforçam nossa crença na importância do intelecto para a fé
cristã: “vinde e arrazoemos...” Is 1:18; “amarás, pois, ao Senhor teu Deus...de
todo o teu entendimento...” Mc 12:30; “...estai sempre preparados para
responder...a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós.” I Pe
3:15; entre outros. Por isso também a importância do estudo filosófico da fé
cristã, bem como do desenvolvimento de teorias filosóficas que não lhe sejam
diretamente relacionadas mas que sejam coerentes com ela, é uma tarefa que se
nos impõe.
3) Existe alguma dificuldade ou vantagem de um cristão inserido no meio
acadêmico?
Não creio que existam dificuldades ou vantagens específicas
para um cristão no meio acadêmico. Não mais do que para qualquer outra pessoa.
4) Já sentiu alguma represália por ser cristão e/ou por tratar temas
cristãos?
Nunca recebi qualquer represália por ser cristão e/ou por
tratar de temas cristãos. O que percebi no ambiente acadêmico da faculdade em
que estudei foi respeito por parte de todos pelas crenças de todos, e
disposição por parte de vários para ouvir e tentar entender as crenças dos
demais.
5) Como cristão, como vê o universo universitário? E o estudante
universitário?
Não posso dizer como vejo o estudante universitário, porque
creio que cada um deles é um ser humano único. Por isso, não creio que seja
possível dar uma descrição geral deles. Contudo, vejo a universidade como uma
instituição para produção e difusão do saber filosófico, científico,
tecnológico e artístico, a fim de promover o desenvolvimento do ser humano e a
construção de sociedades. O que isto tem a ver com a fé cristã? Bom, toda área
de conhecimento tem pressuposições teóricas, bem como metodologias, que podem
ou não ser coerentes com a fé cristã, e, portanto, parece ser relevante para o
cristão desenvolver seus estudos e pesquisas, aplicá-los e difundi-los de modo
que seja coerente com a fé cristã. Há uma só forma de fazer isto? Certamente,
não. Mas há algumas. O meio acadêmico é também um ambiente no qual a nossa
compreensão da fé cristã pode ser desafiada e desenvolvida. Ao aprendermos
sobre as interações das diferentes disciplinas acadêmicas com a fé cristã
podemos perceber interpretações errôneas da nossa fé, e melhorarmos nossa
compreensão dela. Isto porque nesta interação todos os lados podem aprender. E
cooperar com o desenvolvimento do ser humano, e com a construção de sociedades,
são deveres de todo cristão que deseja ver no seu semelhante e no mundo que o
cerca a vontade de Deus ser feita “assim na terra como no céu”.
6) Quais as possibilidades de um cristão exercer diferença no meio
acadêmico.
Acredito que a principal possibilidade seja promovendo uma
interação construtiva entre “a fé que uma vez foi dada aos santos” e o saber em
suas diversas formas. Quanto ao mais, as possibilidades de um cristão exercer
diferença no meio acadêmico se resumem a ser e agir como Cristo também ali,
como em qualquer outro ambiente em que esteja.
7) Suas Considerações finais
Reitero a minha esperança de que os acadêmicos cristãos
ajudem a construir sociedades mais justas por meio de ensino, pesquisa e
extensão, enquanto promovem diálogos entre os saberes e a sua fé, com a ajuda
de Deus e para a sua maior glória. E tem sido um prazer fazer parte disto.
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