James K. A. Smith é professor de
filosofia na Calvin College e é um dos grandes propagadores do neo-calvinismo
nos Estados Unidos. Uma de suas maiores preocupações também é procurar conciliar
o pós-modernismo com o cristianismo, afirmando que eles não são tão distintos quanto
se pensa. Neste texto, apresentarei as ideias básicas presentes no livro “Who
is afraid of posmodernism” (quem tem medo do pós-modernismo), devido à sua importância
para o debate de ideias e para a apresentação do evangelho através da
apologética.
A cronologia do pós-modernismo é algo difícil de
precisar, mas pertinente pra se compreender nossos tempos. Algumas vezes o pós-modernismo
é ligado a eventos históricos particulares como os motins estudantis de 1968, a
queda do muro de Berlin, ou mais especificamente, às 15h32 de 15 Julho de 1972,
quando o conjunto arquitetônico Pruitt-Igoe em Missouri foram demolidos. Todos esses
eventos marcam um suposto colapso da modernidade. Para Smith, entretanto, a
mudança fica mais evidente na filosofia e depois
impactando a sociedade, do que vice-versa.
Assim, Smith analisa os principais
impulsos por trás do pós-modernismo, a “trindade profana de pensadores pós-modernos”:
Jacques Derrida, Jean-François Lyotard e Michel Foucault. Cada um desses
pensadores ficou conhecido por frases que ultrapassaram o limite de suas obras:
“não há nada além do texto” (Derrida); pos-modernidade é “incredulidade com
relação à metanarrativas” (Lyotard); “Poder é conhecimento” (Foucault).
Mas como
conciliar estes autores com as verdades do cristianismo? Segundo Smith, algo
bom pode vir de Paris. De fato, ele está utilizando uma velha estratégia
hebreia, também adotada por Agostinho e utilizada por Calvino e Kuyer: assim
como os hebreus saíram carregando ouro do Egito para ser usado na adoração de
Yahweh, nós também podemos encontrar recursos em pensamentos não-cristãos.
Vejamos como cada autor pode ser
aproximado à fé cristã.
Derrida. A afirmação de desconstrução
de que “não há nada além do texto” pode ser considerada uma tradução radical do
principio reformado de Sola scriptura. Assim, o insight de Derrida pode nos
ajudar a recuperar duas ênfases chaves para a Igreja: a) a centralidade da
escritura para mediar nosso entendimento do mundo como um todo e, b) o papel da
comunidade na interpretação das Escrituras.
Lyotard, por sua vez, com a asserção
de que a pos-modernidade é “incredulidade para com metanarrativas” seria um
argumento a ser afirmado pela igreja, nos levando a (a) recuperar a caraterística
de narrativa da fé cristã, ao invés de entendê-la como uma coleção de ideias e
(b) a natureza confessional de nossa narrativa e o modo pelo qual nos
encontramos nós mesmos em um mundo de narrativas que competem.
A afirmação foucaultiana de que “poder
é conhecimento” deveria nos levar a entender: a) o poder cultural de formação e
de disciplina e b) a necessidade da igreja para decretar contrarreforma através
de contradisciplinas. Em outras palavras, nós precisamos pensar em disciplina
como uma estrutura criacional que necessita de um direcionamento próprio. Foucault
tem algo a nos dizer sobre o que significa ser um discípulo.
Após essa apresentação das ideias desses autores, Smith se esforça em
demonstrar as lições que eles podem legar aos cristãos. Por exemplo, no campo
da apologética, ele tem bons conselhos. Nossa apologética – de fato, todo a
nossa fé cristã -, é marcada pela modernidade quando nós falhamos em perceber os
efeitos do pecado na razão. Quando isto
é ignorado, nós adotamos um otimismo iluminista sobre o papel de uma suposta
razão neutra no reconhecimento da verdade.
Para
Smith, a apologética clássica opera com uma noção muito moderna de razão; a
apologética pressuposicionista, por outro lado, é pós-moderna na medida em que
reconhece o papel de pressuposições tanto no que conta como verdade assim como
o que é reconhecido como verdade. Por essa razão, os pos-modernistas podem ajudar
a igreja a clamar sua fé não como um sistema de verdades ditada por uma razão
neutra, mas ao invés como uma história que requere “olhos para ver e ouvidos
para ouvir”. Bem na linha da obra de John Scott, “Ouça o espírito, ouço o mundo”.
Derrida sugeriu que tudo no mundo é um texto.
Como um texto, ele está sujeito à interpretação, e interpretação traz o
papel de nossos horizontes de percepção e nossas pressuposições. Esses horizontes
ou pressuposições são informados por nossas crenças fundamentais sobre o mundo
assim como sobre nossas experiências passadas e encontros com o mundo. Não há
realidade não interpretada, não há fatos brutos passivamente descansando para
ser simplesmente vistos. Ao invés, nós vemos o mundo sempre através de lentes
de um quadro interpretativo governado por crenças. Nós podemos dizer que sempre
vemos o mundo através de uma cosmovisão. E parte do que Derrida diz, muito
parecido com o que argumentam apologistas pressuposicionistas como Schaeffer e
Van Til é que isto é verdade para todo mundo; todos nós vemos o mundo através
das grades de um quadro interpretativo que no fim possui uma natureza
religiosa, mesmo que não relacionada à uma instituição religiosa em particular.
Assim, o
que Derrida está fazendo é trazer à cultura em geral o que pensadores cristãos
como Kuyper, Dooyeweerd, Van Til e Schaefer tem falado por um longo tempo: que
nossas pressuposições religiosas por fim governam nosso entendimento do mundo. E
também, isto deveria nos levar a nos questionarmos se é o texto bíblico que realmente
governa nossa maneira de ver o mundo. Se todo o mundo é um texto a ser
interpretado, então, para a igreja, a narrativa das Escrituras é o que deveria
governar nossa percepção do mundo.
Neste
sentido, o argumento de Derrida pode ressoar a reivindicação dos reformados
pela Sola scriptura. Afirmar que não há nada fora do texto é enfatizar que não
há um centímetro quadrado que nossa experiência do mundo que não pode ser
governado pela revelação de Deus nas Escrituras! Uau!
Segundo James Smith, o pós-modernismo pode ser entendido como a erosão
da confiança no racional como o único fiador e libertador da verdade e como
tendo uma profunda suspeita da ciência – particularmente a pretensão da ciência
moderna na reivindicação de uma teoria final do tudo.
No
que concerne Lyotard, Smith diz que este autor descreve a pos-modernidade como
uma incredulidade com relação à metanarrativas. Com isso ele indica uma
suspeita e critica a própria ideia de uma razão autônoma, algo que ecoa
Dooyeweerd em sua critica da autonomia da razão. A própria ciência não é livre
de certos “paradigmas” que assumem a característica de uma crença, como apontou
Thomas Khun. Além disso, a noção moderna de espaços públicos e esfera secular
neutros deve ser abandonada.
Com
isso em mente, Smith aponta que a nova apologética da pos-modernidade irá ecoar
a paciente apologética pressuposicionista de Schaeffer – colocando as
pressuposições de todos sobre a mesa e então narrando a história da fé cristã
(algo que ele fez, por exemplo, em “Como devemos então viver”) -, permitindo
aos outros perceber o modo como isso faz sentido em nossa experiência e em
nosso mundo.
Enfim, o que o autor procurou fazer foi aproveitar as críticas à
modernidade pelo pós-modernismo (algo que também ocorreu no movimento do
neo-calvinismo) e trazê-las de encontro à fé cristã. Em alguns pontos, a
relação ficou por demais intricada, com o autor tendo que, para usar um termo posmoderno,
“desconstruir” o que os autores conceberam. Estes autores são críticos não só
da razão como também do cristianismo, enfim, de qualquer coisa que puder
regular suas vidas. No caso de Smith, deve-se tem em mente o contexto do
evangelicalismo americano, permeado por diversas denominações compactuando excessivamente
com o pós-modernismo.
Um próximo passo, ou na verdade até mesmo um passo anterior à leitura de
James Smith, e de leitores interessados na crítica pós-moderna, deve ser
procurar compreender a crítica cristã ao pós-modernismo. Para isso existem
muitos autores, principalmente Terry Eagleton. O que James Smith fez é muito
interessante, mas deve ser acompanhado de uma leitura mais completa pra compreender
a gênese e os pressupostos do pós-modernismo. Acho que não devemos temê-lo; nem
tampouco abraçá-lo estritamente, acriticamente. Fazer isso seria construir ídolos
com o ouro egípcio, achando que com isso estamos adorando o verdadeiro Deus.
Finalizando, deixo uma frase do
livro que foi muito importante pra mim:
“A ekklesia cristã deve ser não somente litúrgica mas também local; ela
deve transformar não somente corações mas também vizinhanças; sua adoração deve
cultivar não somente discipulado mas também justiça – ou melhor, discípulos que
são apaixonados por justiça.”
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