sábado, 16 de janeiro de 2016

Quem tem medo do pós-modernismo? (uma resenha)

James K. A. Smith é professor de filosofia na Calvin College e é um dos grandes propagadores do neo-calvinismo nos Estados Unidos. Uma de suas maiores preocupações também é procurar conciliar o pós-modernismo com o cristianismo, afirmando que eles não são tão distintos quanto se pensa. Neste texto, apresentarei as ideias básicas presentes no livro “Who is afraid of posmodernism” (quem tem medo do pós-modernismo), devido à sua importância para o debate de ideias e para a apresentação do evangelho através da apologética.
 A cronologia do pós-modernismo é algo difícil de precisar, mas pertinente pra se compreender nossos tempos. Algumas vezes o pós-modernismo é ligado a eventos históricos particulares como os motins estudantis de 1968, a queda do muro de Berlin, ou mais especificamente, às 15h32 de 15 Julho de 1972, quando o conjunto arquitetônico Pruitt-Igoe em Missouri foram demolidos. Todos esses eventos marcam um suposto colapso da modernidade. Para Smith, entretanto, a mudança fica mais evidente na filosofia e depois impactando a sociedade, do que vice-versa.  

Assim, Smith analisa os principais impulsos por trás do pós-modernismo, a “trindade profana de pensadores pós-modernos”: Jacques Derrida, Jean-François Lyotard e Michel Foucault. Cada um desses pensadores ficou conhecido por frases que ultrapassaram o limite de suas obras: “não há nada além do texto” (Derrida); pos-modernidade é “incredulidade com relação à metanarrativas” (Lyotard); “Poder é conhecimento” (Foucault).
Mas como conciliar estes autores com as verdades do cristianismo? Segundo Smith, algo bom pode vir de Paris. De fato, ele está utilizando uma velha estratégia hebreia, também adotada por Agostinho e utilizada por Calvino e Kuyer: assim como os hebreus saíram carregando ouro do Egito para ser usado na adoração de Yahweh, nós também podemos encontrar recursos em pensamentos não-cristãos.
            Vejamos como cada autor pode ser aproximado à fé cristã.
            Derrida. A afirmação de desconstrução de que “não há nada além do texto” pode ser considerada uma tradução radical do principio reformado de Sola scriptura. Assim, o insight de Derrida pode nos ajudar a recuperar duas ênfases chaves para a Igreja: a) a centralidade da escritura para mediar nosso entendimento do mundo como um todo e, b) o papel da comunidade na interpretação das Escrituras.
            Lyotard, por sua vez, com a asserção de que a pos-modernidade é “incredulidade para com metanarrativas” seria um argumento a ser afirmado pela igreja, nos levando a (a) recuperar a caraterística de narrativa da fé cristã, ao invés de entendê-la como uma coleção de ideias e (b) a natureza confessional de nossa narrativa e o modo pelo qual nos encontramos nós mesmos em um mundo de narrativas que competem.
            A afirmação foucaultiana de que “poder é conhecimento” deveria nos levar a entender: a) o poder cultural de formação e de disciplina e b) a necessidade da igreja para decretar contrarreforma através de contradisciplinas. Em outras palavras, nós precisamos pensar em disciplina como uma estrutura criacional que necessita de um direcionamento próprio. Foucault tem algo a nos dizer sobre o que significa ser um discípulo.
Após essa apresentação das ideias desses autores, Smith se esforça em demonstrar as lições que eles podem legar aos cristãos. Por exemplo, no campo da apologética, ele tem bons conselhos. Nossa apologética – de fato, todo a nossa fé cristã -, é marcada pela modernidade quando nós falhamos em perceber os efeitos  do pecado na razão. Quando isto é ignorado, nós adotamos um otimismo iluminista sobre o papel de uma suposta razão neutra no reconhecimento da verdade.
Para Smith, a apologética clássica opera com uma noção muito moderna de razão; a apologética pressuposicionista, por outro lado, é pós-moderna na medida em que reconhece o papel de pressuposições tanto no que conta como verdade assim como o que é reconhecido como verdade. Por essa razão, os pos-modernistas podem ajudar a igreja a clamar sua fé não como um sistema de verdades ditada por uma razão neutra, mas ao invés como uma história que requere “olhos para ver e ouvidos para ouvir”. Bem na linha da obra de John Scott, “Ouça o espírito, ouço o mundo”.
            Derrida sugeriu que tudo no mundo é um texto. Como um texto, ele está sujeito à interpretação, e interpretação traz o papel de nossos horizontes de percepção e nossas pressuposições. Esses horizontes ou pressuposições são informados por nossas crenças fundamentais sobre o mundo assim como sobre nossas experiências passadas e encontros com o mundo. Não há realidade não interpretada, não há fatos brutos passivamente descansando para ser simplesmente vistos. Ao invés, nós vemos o mundo sempre através de lentes de um quadro interpretativo governado por crenças. Nós podemos dizer que sempre vemos o mundo através de uma cosmovisão. E parte do que Derrida diz, muito parecido com o que argumentam apologistas pressuposicionistas como Schaeffer e Van Til é que isto é verdade para todo mundo; todos nós vemos o mundo através das grades de um quadro interpretativo que no fim possui uma natureza religiosa, mesmo que não relacionada à uma instituição religiosa em particular.
Assim, o que Derrida está fazendo é trazer à cultura em geral o que pensadores cristãos como Kuyper, Dooyeweerd, Van Til e Schaefer tem falado por um longo tempo: que nossas pressuposições religiosas por fim governam nosso entendimento do mundo. E também, isto deveria nos levar a nos questionarmos se é o texto bíblico que realmente governa nossa maneira de ver o mundo. Se todo o mundo é um texto a ser interpretado, então, para a igreja, a narrativa das Escrituras é o que deveria governar nossa percepção do mundo.
Neste sentido, o argumento de Derrida pode ressoar a reivindicação dos reformados pela Sola scriptura. Afirmar que não há nada fora do texto é enfatizar que não há um centímetro quadrado que nossa experiência do mundo que não pode ser governado pela revelação de Deus nas Escrituras! Uau!
Segundo James Smith, o pós-modernismo pode ser entendido como a erosão da confiança no racional como o único fiador e libertador da verdade e como tendo uma profunda suspeita da ciência – particularmente a pretensão da ciência moderna na reivindicação de uma teoria final do tudo.
            No que concerne Lyotard, Smith diz que este autor descreve a pos-modernidade como uma incredulidade com relação à metanarrativas. Com isso ele indica uma suspeita e critica a própria ideia de uma razão autônoma, algo que ecoa Dooyeweerd em sua critica da autonomia da razão. A própria ciência não é livre de certos “paradigmas” que assumem a característica de uma crença, como apontou Thomas Khun. Além disso, a noção moderna de espaços públicos e esfera secular neutros deve ser abandonada.
            Com isso em mente, Smith aponta que a nova apologética da pos-modernidade irá ecoar a paciente apologética pressuposicionista de Schaeffer – colocando as pressuposições de todos sobre a mesa e então narrando a história da fé cristã (algo que ele fez, por exemplo, em “Como devemos então viver”) -, permitindo aos outros perceber o modo como isso faz sentido em nossa experiência e em nosso mundo.  
Enfim, o que o autor procurou fazer foi aproveitar as críticas à modernidade pelo pós-modernismo (algo que também ocorreu no movimento do neo-calvinismo) e trazê-las de encontro à fé cristã. Em alguns pontos, a relação ficou por demais intricada, com o autor tendo que, para usar um termo posmoderno, “desconstruir” o que os autores conceberam. Estes autores são críticos não só da razão como também do cristianismo, enfim, de qualquer coisa que puder regular suas vidas. No caso de Smith, deve-se tem em mente o contexto do evangelicalismo americano, permeado por diversas denominações compactuando excessivamente com o pós-modernismo.

Um próximo passo, ou na verdade até mesmo um passo anterior à leitura de James Smith, e de leitores interessados na crítica pós-moderna, deve ser procurar compreender a crítica cristã ao pós-modernismo. Para isso existem muitos autores, principalmente Terry Eagleton. O que James Smith fez é muito interessante, mas deve ser acompanhado de uma leitura mais completa pra compreender a gênese e os pressupostos do pós-modernismo. Acho que não devemos temê-lo; nem tampouco abraçá-lo estritamente, acriticamente. Fazer isso seria construir ídolos com o ouro egípcio, achando que com isso estamos adorando o verdadeiro Deus.  
 Finalizando, deixo uma frase do livro que foi muito importante pra mim:
“A ekklesia cristã deve ser não somente litúrgica mas também local; ela deve transformar não somente corações mas também vizinhanças; sua adoração deve cultivar não somente discipulado mas também justiça – ou melhor, discípulos que são apaixonados por justiça.”


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pesquisar este blog