sábado, 12 de março de 2016

Resenha de "A hobbit, a wardrobe, and a Great war" (Um hobbit, um guarda-roupa e uma Grande Guerra),

Você lê várias biografias, textos sobre certas pessoas e pensa que não são necessários mais escritos sobre o assunto. De repente, você encontra uma biografia com uma abordagem original. É por esse motivo que sou fascinado por biografias. 
E é exatamente isso que faz Joseph Loconte, historiador, em "A hobbit, a wardrobe, and a Great war" (Um hobbit, um guarda-roupa e uma Grande Guerra), lançado em 2015. 
O autor faz um esforço de colocar em contexto a vida de Tolkien e Lewis, e demonstrar como a 1a. guerra mundial, na qual eles participaram como combatentes, foi fundamental para moldar seus pensamentos. E mais, como a amizade, nascida no pós guerra, foi essencial para a criação dos mundos fantásticos da Terra média e de Nárnia. 
O sentimento no pós guerra era de profunda depressão e de incredulidade para com ideias que buscassem apontar para a evolução da natureza humana. Face à destruição e imensidão das mortes, a religião também não servia mais. Decorreu um período de cinismo e escape do mundo. Porém, Tolkien e Lewis insistiram em criar histórias com temas como culpa e graça, tristeza e consolação. A Guerra se mostrou como uma grande influência para os seus escritos. Mesmo com histórias de heroísmo, eles não escreveram com um otimismo exacerbado, e sim com espírito crítico:
"Se pensamos que podemos transformar o mundo de um lugar de peregrinação em uma cidade permanente satisfazendo a alma do homem, nós estamos iludidos". De maneira exepcional, os autores usaram suas experiências de guerra como um guia para uma clareza moral. 
Em Tolkien e Lewis vemos um amor pela natureza, e também transparece uma rebeldia contra a industrialização caótica de seus dias. Lembrem da odiosa realidade de Mordor, com seus motores e fábricas, que Sauron introduz como suas forças para invadir o condado. Em um texto posterior, Tolkien fala na tragédia e desespero de toda maquinaria. A tragédia para ele, residia na tentativa de usar a tecnologia para atualizar nossos desejos e aumentar nosso poder sobre o mundo - o que acaba por nos deixar insatisfeitos. Lewis também via com dubiedade as promessas da industrialização de melhorar a natureza humana: 
"Eu me importo mais em como a humanidade vive do que quão longo" ele escreveu. "Progresso, para mim, significa melhorar a bondade e a alegria de vidas individuais."
Portanto, a preocupação com a ciência e a tecnologia de sua época está subjacente em muitos escritos desses autores. Lembremos dos perigos da engenharia genética nos horríveis Uruk hai produzidos por Sauron. Ou dos riscos, em nome do progresso cientifico, de usar humanos como cobaias. Em Perelandra, o segundo livro na Trilogia Espacial de Lewis, encontramos o professor Weston, um físico famoso e devoto da nova ciência. Weston é um defensor da "evolução emergente", um processo pelo qual a espécie humana estaria destinada à novas alturas de realizações (podemos pensar no projeto pós moderno transhumanista). 
Bizarro como parece, a manipulação cientifica de seres humanos, tudo sob a bandeira do progresso, se tornou uma visão consensual nos tempos de Lewis e Tolkien, em comunidades acadêmicas na Inglaterra, na Alemanha e nos Estados Unidos. 
O mito do progresso estava por toda a parte. Em seu nome, muitos avanços militares foram produzidos. Entretanto, desde o fim do século XIX, o mundo não estava caminhando para uma sociedade melhor, mas para a catástrofe da guerra mecanizada. 
Tolkien e Lewis então, utilizaram seus dons literários para demonstrar uma expressão confiante da dignidade humana na vida cultural. Ao mesmo tempo, o abuso da ciência, em sua capacidade de desumanizar tanto seus mestres quanto suas vítimas, seria um tema importante em suas obras. 
O mundo distópico de "Aquela força medonha" é dominado por um instituto ciêntifico, o N.I.C.E, que nada mais é do que um disfarce para objetivos sinistros. 
Devemos nos lembrar que Lewis se manteve ateu até depois da guerra. Inclusive escrevia contra o cristianismo. Foi somente após seus encontros com Tolkien e outros em Oxford, que Lewis foi aos poucos aceitando a fé cristã. Depois, foi no grupo de amigos chamado "inklinks", que as grandes histórias fantásticas foram surgindo. 
Enfim, Joseph Leconte faz um resgate de como foram forjadas as ideias presentes nas obras de Tolkien e Lewis. Histórias de valor, coragem e de um heroísmo muito avesso ao espirito de sua época. Inclusive contra o comum relativismo moral: quando Éomer pergunta "como um homem deve julgar o que fazer em tempos como esses?, Aragorn responde: "Como ele sempre julgou. bondade e maldade não mudaram desde o ano passado; nem eles são uma coisa entre elfos e outra entre os homens. É papel do homem discernir eles." 
Como participantes da Grande Guerra, Tolkien e Lewis, decidiram não glorificar sua violência, nem aceitar o fatalismo e cinismo que se tornou prevalente no pós guerra. 
Seus heróis também são diferentes do que temos hoje. Em Tolkien e Lewis, o herói não pode, por seus próprios esforços, prevalecer na luta contra o mal. Ele precisa de algo mais.
Ao voltarem da guerra, Tolkien e Lewis poderiam facilmente ter se juntados ao grupo de descrentes e desenraizados. Ao invés disso, eles se tornaram convictos de que há somente uma verdade, um evento singular, que poderia ajudar os cansados e de corações partidos a encontrarem seu lar: O Retorno do Rei. 
Um livro recomendadíssimo que precisa muito ser traduzido.

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