É incrível como a cultura pop é rica em detalhes filosóficos. Pena
que poucos percebam isso. Já falei em outro lugar sobre a questão filosófica em
torno de Capitão América: Guerra Civil. Agora podemos abordar a história do
ponto de vista da ciência e da tecnologia, temas bastante presentes no universo
Marvel, analisando o surgimento dos heróis, mas sem levar em consideração suas
personalidades, que foi um pouco analisado no post anterior.
Primeiramente, vejamos o lado que representa os avanços da
ciência. A origem do Capitão América segundo os quadrinhos ocorre quando o
franzino Steve Rogers, perturbado com a ascensão do Terceiro Reich, se alista
no exército, mas é recusado por causa de sua pequena estatura. Então, sua força
de vontade chama a atenção do exército americano e ele é usado como cobaia em
um projeto de Super Soldado, recebendo um soro especial. Juntamente com a
exposição de "raios Vita", o soro é um sucesso e transforma Steve Rogers
em um quase perfeito ser humano, com força, agilidade, energia e inteligência.
O personagem foi criado justamente em 1941, no meio da Segunda Guerra Mundial.
Captain America Comics #1 (March 1941). |
Desde então os cientistas tem pesquisado sobre formas de aumentar
as habilidades dos humanos e, apesar de não terem descoberto um Soro de Super
Soldado, tem se identificado os genes específicos envolvidos em aumentar massa
muscular e melhorar a carga de transporte de oxigênio do sangue.
Eles também desenvolveram ferramentas para ativar e desativar
genes individuais, como apertar um interruptor de luz seletivamente, um
processo denominado epigenética.
Epigenética se refere à características de organismos unicelulares
e multicelulares que são estáveis ao longo de diversas divisões celulares mas
que não envolve mudanças na sequência de DNA do organismo.
Existem várias ferramentas de edição de genoma - como nucleases de
dedo de zinco, ou sistemas CRISPR / Cas9 - que teoricamente poderiam permitir
você procurar epigeneticamente e ativar genes que fazem seus músculos
fisicamente grandes, torná-lo estrategicamente atento, incrivelmente rápido, ou
aumentar a seu resistência.
Estas ferramentas e suas instruções específicas poderiam ser
embalados em cápsulas que estão sendo desenvolvidos por empresas farmacêuticas.
É aqui que as raios Vita entram: estas cápsulas de entrega de drogas podem ser
projetadas para liberar o seu conteúdo somente quando submetidos a certos
comprimentos de onda de luz. Vários sistemas atuais envolvem a luz ultravioleta,
mas eles provavelmente poderiam ser desencadeados por qualquer comprimento de
onda que constitui os raios Vita. Basta injetar as cápsulas contendo instruções
para, digamos, ativar crescimento muscular em certos grupos musculares de
Rogers e descarregar alguns feixes de luz ultra violeta. Portanto, um avanço
das ciências biológicas que só recentemente vem sendo aprofundado e, também
questionado acerca de seus limites éticos.
Já o Homem de Ferro representa o lado da tecnologia. Aparecendo
pela primeira vez nos quadrinhos em 1963, Tony Stark é um bilionário playboy,
magnata dos negócios e um gênio da engenharia. Stark sofre um violento
ferimento no peito durante um sequestro no qual seus captores tentar forçar ela
a construir uma arma de destruição em massa. Ao invés ele cria uma armadura
energizada para salvar sua vida e escapar do cativeiro. Mais tarde, Stark
amplia sua armadura com armas e outros mecanismos tecnológicos que ele
desenvolveu através de sua empresa, a Industrias Stark. Surgido num período pós
segunda guerra, inicialmente o Homem de Ferro era um veículo para o autor Stan
Lee explorar temas da Guerra Fria, particularmente o papel da tecnologia
americana na luta contra o comunismo. Mais tarde, reimaginações do Homem de
Ferro saíram dos temas da Guerra Fria para questões mais contemporâneas, como o
crime organizado e o terrorismo.
Tales of Suspense #39 (March 1963) |
Essas explorações temáticas, da biologia na criação do Capitão
América e da tecnologia empregada por Tony Stark para transformar-se no Homem
de Ferro, apontam para as possibilidades de transcender as limitações humanas:
corpos mais fortes, intelecto geneticamente melhorado, tecnologias para fazer
voar e tornar o corpo resistente.
A guerra civil dos quadrinhos e filmes também pode ser vista como
uma metáfora para a disputa entre ciência e tecnologia. Será que haverá uma
aliança entre Stark e Rogers, como há uma aliança entre ciência e tecnologia
nos dias atuais?
A ciência e tecnologia tratada nos quadrinhos não são temas
maravilhosos de onde se partir para trabalhar com adolescentes e jovens? A
cultura pop/nerd é um prato cheio para discussões mais profundas do que supõe a
nossa vã filosofia.
Quem vai vencer essa guerra? O lado liderado pelo tecnólogo Tony
Stark ou o lado defendido pelo humano melhorado cientificamente Steve Rogers?
Independente do qual lado for o vencedor, ganhamos novas possibilidades de
discussões.
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