sábado, 23 de abril de 2016

Missão Integral e sua cosmovisão 4. Autores. Histórico e contexto do surgimento da MI

Neste 4o post sobre Missão integral, chegamos à letra "A" do nosso acrônico, que trata dos Autores, do histórico e contexto do surgimento da MI. Portanto devemos iniciar com a definição do que é MI. 


Por volta da década de 1960 se percebeu uma forte polarização entre a “salvação das almas” e a missão social. Neste sentido, em Bogotá, Colômbia, em 1969, se realizou o 1º Congresso Latino-Americano de Evangelização – CLADE I. Neste congresso surgiu a ideia de se criar a Fraternidade Latino-Americana – FTL, que se efetivou em 1970 com nomes como Rene Padilha, Samuel Escobar entre outros. A maioria dos integrantes da FTL era oriunda de movimentos nacionais vinculados à Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos (IFES), representado no Brasil pela ABU, e serviu como um gerador da TMI.
Só para colocar em perspectiva, em 1971, o padre peruano Gustavo Gutierrez lança o seu livro “Teologia da Libertação”, dando início àquela escola de pensamento. Como deixa bem claro Robinson Cavalcanti, a FTL não foi criada contra a Teologia da Libertação, pois a antecede (Rene Padilha, Igreja: agente de transformação, p. 28).
O Congresso de Lausanne, na Suíça, em Julho de 1974, produziu o Pacto de Lausanne, sendo considerado, ao lado do Credo Apostólico e da Confissão de Westminster, como um dos principais textos doutrinários do Cristianismo. O que ficou desse encontro foi uma renovação na responsabilidade sobre missão mundial, em espírito de cooperação, e com visão integral.
O problema que foi debatido, e que Robinson Cavalcanti assinala “é que na História da igreja, periodicamente surgem movimentos que ora enfatizam algumas dessas dimensões, ora se esquecem ou negam outras. Há que queira seguir a Pedro, e não a Jesus, permanecendo acampado no Monte, no “shekinah” e outros querem ir direto aos vales e aldeias, sem buscar a comunhão e a presença de Deus no Monte, em unilateralismos, parcializações e desobediências.” (Padilha,  Igreja: agente de transformação, p. 32).
Segundo Robinson Cavalcanti “a missão integral se move a partir de uma Espiritualidade Integral que inclui a adoração, a reflexão e a ação, outra vez sem cair no unilateralismo do misticismo alienante, do academicismo pedante ou do ativismo árido.”

Alguns pontos essenciais discutidos em Lausanne (o evangelho todo, para o homem todo, para todo homem).
A natureza da evangelização: “ A nossa presença cristã no mundo é indispensável à evangelização, e o mesmo se dá com aquele tipo de diálogo cujo propósito é ouvir com sensibilidade, a fim de compreender. Mas a evangelização propriamente dita é a proclamação do Cristo bíblico e histórico como Salvador e Senhor, com o intuito de persuadir as pessoas a vir a ele pessoalmente e, assim, se reconciliarem com Deus. Ao fazermos o convite do evangelho, não temos o direito de esconder o custo do discipulado. Jesus ainda convida todos os que queiram segui-lo e negarem-se a si mesmos, tomarem a cruz e identificarem-se com a sua nova comunidade. Os resultados da evangelização incluem a obediência a Cristo, o ingresso em sua igreja e um serviço responsável no mundo.”
A Responsabilidade Social Cristã

“Afirmamos que Deus é o Criador e o Juiz de todos os homens. Portanto, devemos partilhar o seu interesse pela justiça e pela conciliação em toda a sociedade humana, e pela libertação dos homens de todo tipo de opressão. Porque a humanidade foi feita à imagem de Deus, toda pessoa, sem distinção de raça, religião, cor, cultura, classe social, sexo ou idade possui uma dignidade intrínseca em razão da qual deve ser respeitada e servida, e não explorada. Aqui também nos arrependemos de nossa negligência e de termos algumas vezes considerado a evangelização e a atividade social mutuamente exclusivas. Embora a reconciliação com o homem não seja reconciliação com Deus, nem a ação social evangelização, nem a libertação política salvação, afirmamos que a evangelização e o envolvimento sócio-político são ambos parte do nosso dever cristão. Pois ambos são necessárias expressões de nossas doutrinas acerca de Deus e do homem, de nosso amor por nosso próximo e de nossa obediência a Jesus Cristo. A mensagem da salvação implica também uma mensagem de juízo sobre toda forma de alienação, de opressão e de discriminação, e não devemos ter medo de denunciar o mal e a injustiça onde quer que existam. Quando as pessoas recebem Cristo, nascem de novo em seu reino e devem procurar não só evidenciar mas também divulgar a retidão do reino em meio a um mundo injusto. A salvação que alegamos possuir deve estar nos transformando na totalidade de nossas responsabilidades pessoais e sociais. A fé sem obras é morta.”
A Igreja e a Evangelização

“Afirmamos que Cristo envia o seu povo redimido ao mundo assim como o Pai o enviou, e que isso requer uma penetração de igual modo profunda e sacrificial. Precisamos deixar os nossos guetos eclesiásticos e penetrar na sociedade não-cristã. Na missão de serviço sacrificial da igreja a evangelização é primordial. A evangelização mundial requer que a igreja inteira leve o evangelho integral ao mundo todo. A igreja ocupa o ponto central do propósito divino para com o mundo, e é o agente que ele promoveu para difundir o evangelho. Mas uma igreja que pregue a Cruz deve, ela própria, ser marcada pela Cruz. Ela torna-se uma pedra de tropeço para a evangelização quando trai o evangelho ou quando lhe falta uma fé viva em Deus, um amor genuíno pelas pessoas, ou uma honestidade escrupulosa em todas as coisas, inclusive em promoção e finanças. A igreja é antes a comunidade do povo de Deus do que uma instituição, e não pode ser identificada com qualquer cultura em particular, nem com qualquer sistema social ou político, nem com ideologias humanas.”

Porquê MI?

“a falta de valorização das dimensões mais amplas do evangelho inevitavelmente conduz a uma distorção da missão cristã. O resultado é uma evangelização que concebe o individuo como uma unidade autônoma – um Robinson Crusoé a quem o chamado de Deus chega na solidão de uma ilha – cuja salvação se realiza exclusivamente em termos de sua relação com Deus. Perde-se de vista que o indivíduo não existe isoladamente e que portanto não se pode falar de salvação sem que se faça referência à relação do homem com o mundo do qual ele faz parte”. (Rene Padilha, Missão integral. Ensaios sobre o reino e a igreja, p. 16).
Em sua oração sacerdotal, Jesus Cristo implorou assim por seus discípulos: “Já não estou no mundo, mas eles continuam no mundo, ao passo que eu vou para junto de ti. (...) Não peço que os tire do mundo e, sim, que os guardes do mal. Eles não são do mundo como também eu não sou.” (Jo 17.11; 15-16). Fica colocado o paradoxo do discipulado cristão em relação com o mundo: estar no mundo, mas não ser do mundo.
Cosmovisão cristã – a pobreza é fruto do pecado, da queda do homem. Não podemos portanto, basear nossa propulsão evangelística somente às questões sociais e econômicas, mas também a questão espiritual.
Não é uma questão de pobres e ricos, mas sim de justiça. E é por isso que os ricos são condenados nas escrituras tantas vezes. Em um mundo caído, os ricos e poderosos tem historicamente tirado vantagens de sua posição para aumentar seus privilégios às custas dos pobres e fracos.

Gnosticismo gospel
Todas as escolas dominantes de filosofias hindus, budistas e da Nova Era nos oferecem libertação – entendida como liberação das cadeias de nossa humanidade. O caminho da transcendência suprema é nos livrar de nossa individualidade, corpo físico e ligações a este mundo sem significado de existência histórica, o mundo ordinário e cotidiano de trabalho e do lar. Nossa humanidade é o que bloqueia o caminho para a transcendência ou união com o divino.
A encarnação fala de um Deus que está ligado ao nosso mundo, que mergulha em nossa trágica história, que abraça nossa humanidade com toda sua vulnerabilidade, dor e confusão, incluindo nossa maldade e morte. Deus não está ausente de, nem é irrelevante a, nossa era, porque conhece, por si próprio, a experiência de sofrimento e morte injustos. Aqui está um Deus que vem a nós não como mestre mas como servo, que se curva para lavar os pés de seus discípulos e para sofrer a brutalização e desumanização nas mãos de suas criaturas. Ao identificar-se conosco em nossa humanidade, ele atrai o humano a sua própria vida divina.
(Ramachandra, Peskette. A mensagem da missão. P. 80)
N.T. Wright, em “Surpreendido pela esperança”, analisando as acepções acerca do “futuro cósmico” (capítulo 5), percebe como os cristãos hoje estão sendo atraídos por uma visão de futuro que apela para a destruição final da ordem criada e a um destino puramente “espiritual”, no sentido de ser completamente não-material. Pode-se traçar as origens dessa forma de pensamento em Platão. “Para ele, assim como para Buda, o mundo presente constituído de espaço, tempo e matéria é apenas uma ilusão, como sombras tremeluzindo em uma caverna; cabe ao homem entrar em contato com a verdadeira realidade, que está além do espaço, do tempo e da matéria. Para Platão, essa realidade seria a ‘forma’ eterna, e para Buda, o eterno ‘nada’.”
Assim, a visão de Platão rejeitava o fenômeno da matéria. Não é apenas o mal que está errado no mundo; é a variação e a deterioração, a fragilidade da matéria: o crescimento e o florescimento humanos são prenúncios de sofrimento e morte. Para os platônicos, portanto, assim como para os budistas e hinduístas, todas essas coisas são sinais de que fomos feitos para uma realidade bem diferente, não uma realidade constituída por espaço, tempo e matéria, mas um mundo de existência puramente espiritual, no qual estamos livres das algemas da mortalidade. Assim, para nos livrarmos da mortalidade, deveríamos nos livrar de tudo que pode se deteriorar e morrer, ou seja, nosso próprio corpo.
A influência platônica sobre o pensamento cristão pode ser sentido desde o começo, principalmente no fenômeno conhecido por gnosticismo. Como Platão, os gnósticos acreditavam que o mundo material era um lugar inferior e escuro, e intrinsecamente mau. Dentro desse mundo, porém, podiam ser encontradas algumas pessoas que estavam ali por um propósito diferente. Esses filhos da luz seriam como estrelas cadentes, pequenas centelhas de luz, geralmente ocultas por um corpo material grosseiro. Entretanto, uma vez que tomasse conhecimento de quem eles eram, esse “conhecimento” (em grego gnosis) lhes permitiria entrar em uma existência espiritual, na qual o mundo material não mais teria importância.  Após terem entrado nessa existência espiritual, eles passariam a viver espiritualmente, por meio da morte, em um mundo infinito, além do espaço, do tempo e da matéria.
Muitos cristãos ocidentais tem se deixado contaminar por uma versão amenizada do pensamento de Platão. Uma grande quantidade de hinos e poemas cristãos revela uma tendência ao gnosticismo. A espiritualidade “de passagem” (como na canção que diz: “Este mundo não é meu lar/ eu estou apenas de passagem”), embora tenha, é claro, algumas afinidades com o cristianismo clássico, estimula uma atitude agnóstica: o mundo criado é, na melhor das hipóteses, um lugar irrelevante, escuro, perverso e sombrio, onde as almas imortais, que existiam originalmente em uma esfera diferente, aguardam ansiosamente o momento de retornar a ela, tão logo isso lhes seja permitido. Há uma suposição geral, entre os cristãos do Ocidente, de que o motivo principal para alguém se tornar cristão é a garantia de poder “ir para o céu quando morrer.” Textos que não se referem ao céu muitas vezes são interpretados como referindo-se a ele, e textos que dizem o oposto, como Romanos 8.18-25 e Apocalipse 21-22, são simplesmente ignorados, como se não existissem.
Irineu de Lyon, ainda no século II d. C. (cerca de 180 d.C), compôs uma obra chamada Contra Heresias, para combater o gnosticismo, que estava ameaçando a igreja primitiva.
A sua antropologia parte da afirmação de que o Homem - entenda-se: a unidade inseparável de corpo e alma (Adversus Haereses V, 6, 1) -, sendo criado por Deus, é bom. Contudo, por ser uma criatura, o Homem não é perfeito e, assim, está propenso a ir contra sua natureza e optar livremente por decair, sem, contudo, que tal faça destruir a sua natureza (Adversus Haereses IV, 37, 5).
A conclusão de Wright nesta parte é que “as consequências podem ser sentidas em todos os lugares na igreja ocidental e nas visões de mundo geradas pelo cristianismo.” Já que Deus pretende em breve destruir o universo, não precisamos nos preocupar com os problemas ambientais. Entretanto, isso se baseia em uma falsa premissa e um entendimento errado da obra de Deus. Assim é necessário compreender “o que o mundo inteiro aguarda” na visão Cristã primitiva.
N. T. Wright nos leva a olhar primeira para Filipenses 3.20-21 em busca de uma exegese mais aprofundada da passagem.
“Mas a nossa cidade está nos céus, de onde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo,
Que transformará o nosso corpo abatido, para ser conforme o seu corpo glorioso, segundo o seu eficaz poder de sujeitar também a si todas as coisas.
(
Filipenses 3:20-21)
Para compreendermos melhor o texto devemos entender o contexto desta passagem. Filipos era uma colônia romana. O imperador Augusto havia estabelecido seus veteranos ali, após diversas batalhas. Nem todos que moravam ali eram cidadãos romanos, mas todos conheciam o significado da palavra “cidadania”. As colônias romanas surgiram por dois motivos. Primeiramente, com o objetivo de estender a influência romana ao redor do mundo mediterrâneo, criando células e redes de pessoas leais a César em um contexto mais amplo. Segundo, por ser uma forma de evitar os problemas de superlotação na capital. O imperador não queria soldados aposentados, com tempo (e sangue) nas mãos, perambulando por Roma, prontos a causar problemas.
Assim, quanto Paulo diz, “nossa pátria está nos céus”, ele não quer dizer que em seguida à morte iremos morar no céu. Ele está dizendo que o Salvador, o Senhor, o Rei Jesus – todos estes títulos imperiais – virá do céu para a terra, para mudar a condição atual e a situação de seu povo. A palavra-chave aqui é “transformar”: ele transformará nossos frágeis corpos atuais para torná-los como seu corpo glorioso. Jesus não dirá que nossos corpos atuais são supérfluos e, portanto, podem ser descartados. Nem irá simplesmente melhorá-los. Em uma manifestação de grande poder – o mesmo poder que o ressuscitou, como Paulo diz em Efésio 1.19-20 – ele transformará nossos corpos atuais em corpos semelhantes ao dele, como parte de sua tarefa de rejeitar todas as coisas a si mesmo. Embora esteja se referindo primeiramente à ressurreição humana, Filipenses 3 indica que ela ocorrerá no contexto da transformação vitoriosa de todo o cosmos.

Apocalipse 21 e 22 também são passagens fundamentais no argumento de Wright. Ali vemos a nova Jerusalém descendo do céu, como uma noiva adornada para o seu marido. Como vimos em Filipenses 3, não somos nós que vamos para o céu; é o céu que vem a terra. “esta é uma rejeição definitiva a todos os tipos de gnosticismo, a toda visão de mundo que entende que o propósito final é a separação entre Deus e o mundo, entre matéria e espírito, entre terra e céu. É a resposta final à oração do Pai-nosso: que o Reino de Deus venha e que a sua vontade seja feita assim na terra como no céu. É a isso que Paulo está se referindo em Efésio 1.10, ao afirmar que o plano de Deus era convergir em Cristo todas as coisas, tanto as do céu como as da terra.” (p. 120).
“A promessa contida nessa passagem, portanto, é o que Isaías previu: a promessa de um novo céu e uma nova terra, em substituição ao antigo céu e à antiga terra, que estavam destinados à destruição. Isso não quer dizer que Deus começará tudo do zero.”
Entre a ascensão de Cristo e a parousia, “segundo vinda”, temos que a tarefa da igreja é libertar-se de duas coisas: da tentativa de edificar o reino de Deus por seu próprio esforço e do desespero por se imaginar incapaz de fazer alguma coisa até a volta de Jesus. Nós não “edificamos o reino” por nosso próprio esforço, mas para o reino. Tudo o que fazemos no presente com fé, esperança e amor, em obediência ao nosso Senhor que ascendeu ao céu e no poder do seu Espírito, será aperfeiçoado e transformado quando ele se manifestar. Isso traz um sinal de juízo, como Paulo deixa claro em 1 Coríntios 3.10-17. O “dia” revelará as obras de cada um.

Mas por que receberemos novos corpos? De acordo com os cristãos primitivos, o propósito desse novo corpo será governar com sabedoria sobre o novo mundo de Deus. Esqueça aquelas imagens de anjos tocando harpas e perambulando para lá e para cá. Haverá trabalho a fazer, e teremos satisfação em fazê-lo. Todos os talentos e habilidades que colocamos a serviço de Deus nessa vida presente – e, talvez, também, os interesses e gostos dos quais abrimos mão porque conflitavam com nossa vocação – serão aperfeiçoados, dignificados e devolvidos a nós para serem exercidos para a glória de Deus. Há várias promessas no Novo Testamento sobre o povo de Deus “reinando”, e certamente não se pode dizer que sejam apenas palavras vazias. (veja-se, por exemplo, Rm 5.17; 1 Co 6.2,3;  2 Tm 2.12; Ap. 1.6; 5.10; 20.4; 22.5; Lc 19.17, 19.) A visão bíblica do futuro de Deus inclui a renovação de todo o cosmos, e portanto, teremos muito trabalho pela frente, novos projetos inteiros a serem assumidos. Em termos da visão da criação original em Gênesis 1 e 2, o jardim precisará de cuidados novamente e os animais deverão receber um novo nome.

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