sexta-feira, 3 de março de 2017

Alister McGrath – Surpreendido pelo sentido



Duas coisas me chamaram a atenção para este livro: o autor e o tema.
Conheço McGrath de outras obras e gosto muito da maneira como ele escreve, abordando temas complexos sem ser pedante ou desnecessariamente complexo. E este livro não foi diferente.
Acerca do tema, tenho pensando bastante sobre ele, principalmente nos últimos meses, onde venho lendo especificamente sobre o sentido que as pessoas tiram de eventos traumáticos como as Guerras Mundiais. Tenho lido textos sobre Tolkien, Lewis, Huxley e Orwell e percebido em seus escritos anseios semelhantes, porém com óticas diferentes. 
De certa maneira, é isto que se propõe este livro. Mais objetivamente, nesta obra relativamente breve (são 200 páginas) o autor propõe a fazer uma apologética da fé cristã e como ela dá sentido à existência. O subtítulo da obra deixa a pista: “Ciência, fé e como conseguimos que as coisas façam sentido”.
McGrath é bem habilitado a tratar de assuntos de ciência e fé: possui doutorado e pós-doutorado em biofísica molecular e doutorado em teologia por Oxford. Apesar de sua titulação os argumentos apresentados no livro são extremamente claro, mesmo ao tratar de assuntos como a teoria das cordas e de multiversos, por exemplo.
Em se tratando da busca da humanidade por sentido, McGrath se expressa belamente, apontado que temos que ir mais além do que a superfície:
“A verdadeira sabedoria diz respeito a discernir a estrutura mais profunda da realidade, subjacente à sua aparência externa. O livro de Jó, um dos mais excelentes exemplos da literatura de sabedoria do Oriente Médio, fala sobre a sabedoria como algo que está oculto nas profundezas da terra, e cujo verdadeiro sentido está escondido de um vislumbre casual e superficial (Jo 28). A sabedoria é algo que temos de buscar; ela não é encontrada em uma leitura superficial da natureza. Não podemos nos contentar com apenas arranhar a superfície da realidade: precisamos encontrar os padrões mais profundos da verdade sob a aparência superficial e por trás dela. Sábios são aqueles que encontram um padrão que os outros não percebem.” (p. 23-24).
Assim, precisamos de estruturas de referência para tentar compreender o mundo ao nosso redor. Porém, como diz McGrath, a vida vai além de simplesmente  entender as coisas; é preciso saber lidar com a ambiguidade e complexidade da realidade, e depois se firmar em um leme que nos ajude a dar direção e sentido.
A importância dessas estruturas de referência foi enfatizada por Vicktor Frankl (1905-1997), que passou pelos campos de concentração nazistas, o que o levou a perceber o valor de discernir o sentido em lidar com situações traumáticas. As pessoas que conseguem sobreviver e enfrentar melhor as situações traumáticas são aquelas que têm estruturas de sentido que as capacitam a acomodar experiências em seu mapa mental.
Por isso, argumenta McGrath, “precisamos encontrar um mapa mental da realidade que nos permita nos posicionar, ajudando-nos a encontrar nosso caminho ao longo da estrada da vida. Precisamos de lentes, óculos, que ponham em foco claro as questões fundamentais sobre a natureza humana, o mundo e Deus.” (p. 25).
A fé cristã declara que existe um mapa confiável e que este nos ajuda a nos posicionar em relação às grandes questões da vida. Talvez ele seja um mapa incompleto, um esboço, mas como diz Paulo, “agora vemos como por espelho, de modo obscuro” (1Co 13.12). Não vemos o quadro completo, mas vemos indícios suficientes para ajudar a nos guiar.
Assim, olhemos para os indícios que a própria ciência nos fornece.
Um primeiro tema bastante tratado no livro é o do princípio antrópico, a ideia de que diversas constantes físicas fundamentais no universo são sintonizadas de forma que possibilite a vida na terra. A divergência de pequenos níveis nessas constantes tornaria a vida na terra impossível.
Um ponto mais à frente, e que se relaciona em como o cristianismo dá conta de explicar a natureza humana, McGrath comenta sobre a noção de que o poder corrompe. E aqui é bem interessante sua ênfase, porque normalmente consideramos que o poder corrompe até mesmo pessoas inocentes e bem-intencionadas. Entretanto, McGrath, citando um antigo provérbio anglo-saxão, argumenta que, na verdade, “mostramos como realmente somos quando podemos fazer o que realmente queremos”. Quando todas as restrições são removidas, quando não há prestação de contas nem limitações, nós nos comportamos de acordo com o que achamos que está justificado. Assim, o poder absoluto permite que nos comportemos como realmente somos. Uma conclusão forte, mas cuja explicação o cristianismo já possui desde Gênesis: o homem é um ser caído.
A teologia cristã nos fornece uma lente crítica através da qual vemos as complexas motivações e os confusos interesses dos seres humanos. Carregamos a imagem de Deus, contudo somos pecadores. Somos capazes de fazer o bem, da mesma maneira que somos capazes de praticar o mal.
O autor lembra de um texto escrito por Tolkien em 1931, antes de se tornar famoso pela sua trilogia  “O Senhor dos Anéis”, escreveu sobre uma visão ingênua da humanidade que leva à utopia política na qual o “progresso” levaria potencialmente à catástrofe. [1] Aqui uma passagem do poema:

“Não caminharei com seus macacos progressistas,
Eretos e sábios. Diante deles se abre
O abismo escuro para o qual caminha seu avanço.”

No início de 1930, ninguém ainda conhecia a profundidade da crueldade que logo seria criada com o surgimento do nazismo e do stalinismo. Mesmo assim Tolkien viu algo que a maioria dos escritores do Iluminismo não conseguiu ver: tudo depende do caráter moral dos seres humanos. Os desenvolvimentos tecnológicos podem ser usados para curar ou para matar.
“Assim, a fé cristã oferece uma lente interpretativa através da qual vemos a natureza humana como ela realmente é. Isso nos ajuda a entender o sentido das coisas, mas também nos ajuda a evitar as avaliações ingênuas dos ideais e das capacidades humanas. O cristianismo, como um médico competente, oferece um diagnóstico da situação humana – não a fim de julgar e depois seguir adiante, mas para identificar o que deve ser feito e mudar a situação. A identificação da doença é o pré-requisito essencial para a cura.” (. P. 141).
O cristianismo nos situa na grande narrativa da história cósmica e nos localiza no mapa mental do sentido. Erich Fromm (1900-1980), que ficou chocado com a insanidade e destruição observadas na Primeira Guerra Mundial, refletiu que as pessoas precisavam desenvolver o que ele denominou de “estrutura de orientação e devoção”, uma forma de pensar que favorece a existência com propósito e significado.
Enfim, uma obra apologética muito tranquila de se ler, e pode ser uma boa introdução à uma série de argumentos importantes da cosmovisão bíblica. A pena de McGrath desliza com facilidade entre tantos temas pesadíssimos de ciência e fé, mas consegue nos conduzir com maestria na busca por sentido. Fica uma bela passagem da conclusão do livro, como convite à essa busca:
“Conforme caminhamos ao longo da praia do universo, deliciamo-nos com as pedrinhas e conchas que vemos à nossa volta, questionando o que elas significam. Precisamos levantar os olhos e ver o vasto oceano de sentido que repousa diante delas e do qual elas, em última análise, vieram. Pois as coisas deste mundo são apenas sinais e indicadores; e temos de deixa-las nos levarem à sua fonte.” (p. 180).  





[1] Não sei se foi um equívoco da tradução, ou do próprio autor, mas quando Tolkien escreveu esse poema chamado “mythopeia” ele ainda não havia escrito Senhor dos Anéis; nem mesmo o Hobbit, que viria a ser publicado em 1936. 

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