Duas coisas me chamaram a atenção para este livro: o autor e
o tema.
Conheço McGrath de outras obras e gosto muito da maneira
como ele escreve, abordando temas complexos sem ser pedante ou desnecessariamente
complexo. E este livro não foi diferente.
Acerca do tema, tenho pensando bastante sobre ele,
principalmente nos últimos meses, onde venho lendo especificamente sobre o
sentido que as pessoas tiram de eventos traumáticos como as Guerras Mundiais.
Tenho lido textos sobre Tolkien, Lewis, Huxley e Orwell e percebido em seus escritos
anseios semelhantes, porém com óticas diferentes.
De certa maneira, é isto que se
propõe este livro. Mais objetivamente, nesta obra relativamente breve (são 200 páginas)
o autor propõe a fazer uma apologética da fé cristã e como ela dá sentido
à existência. O subtítulo da obra deixa a pista: “Ciência, fé e como conseguimos
que as coisas façam sentido”.
McGrath é bem habilitado a tratar de assuntos de ciência e
fé: possui doutorado e pós-doutorado em biofísica molecular e doutorado em
teologia por Oxford. Apesar de sua titulação os argumentos apresentados no
livro são extremamente claro, mesmo ao tratar de assuntos como a teoria das cordas e de
multiversos, por exemplo.
Em se tratando da busca da humanidade por sentido, McGrath
se expressa belamente, apontado que temos que ir mais além do que a superfície:
“A verdadeira sabedoria diz respeito a discernir a estrutura mais profunda da realidade, subjacente à sua aparência externa. O livro de Jó, um dos mais excelentes exemplos da literatura de sabedoria do Oriente Médio, fala sobre a sabedoria como algo que está oculto nas profundezas da terra, e cujo verdadeiro sentido está escondido de um vislumbre casual e superficial (Jo 28). A sabedoria é algo que temos de buscar; ela não é encontrada em uma leitura superficial da natureza. Não podemos nos contentar com apenas arranhar a superfície da realidade: precisamos encontrar os padrões mais profundos da verdade sob a aparência superficial e por trás dela. Sábios são aqueles que encontram um padrão que os outros não percebem.” (p. 23-24).
Assim, precisamos de estruturas
de referência para tentar compreender o mundo ao nosso redor. Porém, como
diz McGrath, a vida vai além de simplesmente entender as coisas; é preciso saber lidar com a
ambiguidade e complexidade da realidade, e depois se firmar em um leme que nos
ajude a dar direção e sentido.
A importância dessas estruturas de referência foi enfatizada
por Vicktor Frankl (1905-1997), que passou pelos campos de concentração
nazistas, o que o levou a perceber o valor de discernir o sentido em lidar com
situações traumáticas. As pessoas que conseguem sobreviver e enfrentar melhor
as situações traumáticas são aquelas que têm estruturas de sentido que as
capacitam a acomodar experiências em seu mapa mental.
Por isso, argumenta McGrath, “precisamos encontrar um mapa
mental da realidade que nos permita nos posicionar, ajudando-nos a encontrar
nosso caminho ao longo da estrada da vida. Precisamos de lentes, óculos, que
ponham em foco claro as questões fundamentais sobre a natureza humana, o mundo
e Deus.” (p. 25).
A fé cristã declara que existe um mapa confiável e que este
nos ajuda a nos posicionar em relação às grandes questões da vida. Talvez ele
seja um mapa incompleto, um esboço, mas como diz Paulo, “agora vemos como por
espelho, de modo obscuro” (1Co 13.12). Não vemos o quadro completo, mas vemos
indícios suficientes para ajudar a nos guiar.
Assim, olhemos para os indícios que a própria ciência nos
fornece.
Um primeiro tema bastante tratado no livro é o do princípio
antrópico, a ideia de que diversas constantes físicas fundamentais no universo
são sintonizadas de forma que possibilite a vida na terra. A divergência de pequenos níveis
nessas constantes tornaria a vida na terra impossível.
Um ponto mais à frente, e que se relaciona em como o
cristianismo dá conta de explicar a natureza humana, McGrath comenta sobre a
noção de que o poder corrompe. E aqui é bem interessante sua ênfase, porque
normalmente consideramos que o poder corrompe até mesmo pessoas inocentes e
bem-intencionadas. Entretanto, McGrath, citando um antigo provérbio
anglo-saxão, argumenta que, na verdade, “mostramos como realmente somos quando
podemos fazer o que realmente queremos”. Quando todas as restrições são
removidas, quando não há prestação de contas nem limitações, nós nos
comportamos de acordo com o que achamos que está justificado. Assim, o poder
absoluto permite que nos comportemos como realmente somos. Uma conclusão forte,
mas cuja explicação o cristianismo já possui desde Gênesis: o homem é um ser
caído.
A teologia cristã nos fornece uma lente crítica através da
qual vemos as complexas motivações e os confusos interesses dos seres humanos. Carregamos
a imagem de Deus, contudo somos pecadores. Somos capazes de fazer o bem, da mesma
maneira que somos capazes de praticar o mal.
O autor lembra de um texto escrito por Tolkien em 1931, antes de se tornar famoso pela sua trilogia
“O Senhor dos Anéis”, escreveu sobre uma
visão ingênua da humanidade que leva à utopia política na qual o “progresso”
levaria potencialmente à catástrofe. [1]
Aqui uma passagem do poema:
“Não caminharei com seus macacos progressistas,
Eretos e sábios. Diante deles se abre
O abismo escuro para o qual caminha seu avanço.”
No início de 1930, ninguém ainda conhecia a profundidade da
crueldade que logo seria criada com o surgimento do nazismo e do stalinismo. Mesmo
assim Tolkien viu algo que a maioria dos escritores do
Iluminismo não conseguiu ver: tudo depende do caráter moral dos seres humanos.
Os desenvolvimentos tecnológicos podem ser usados para curar ou para matar.
“Assim, a fé cristã oferece uma lente interpretativa através da qual vemos a natureza humana como ela realmente é. Isso nos ajuda a entender o sentido das coisas, mas também nos ajuda a evitar as avaliações ingênuas dos ideais e das capacidades humanas. O cristianismo, como um médico competente, oferece um diagnóstico da situação humana – não a fim de julgar e depois seguir adiante, mas para identificar o que deve ser feito e mudar a situação. A identificação da doença é o pré-requisito essencial para a cura.” (. P. 141).
O cristianismo nos situa na grande narrativa da história
cósmica e nos localiza no mapa mental do sentido. Erich Fromm (1900-1980), que
ficou chocado com a insanidade e destruição observadas na Primeira Guerra
Mundial, refletiu que as pessoas precisavam desenvolver o que ele denominou de “estrutura
de orientação e devoção”, uma forma de pensar que favorece a existência com
propósito e significado.
Enfim, uma obra apologética muito tranquila de se ler, e
pode ser uma boa introdução à uma série de argumentos importantes da cosmovisão
bíblica. A pena de McGrath desliza com facilidade entre tantos temas
pesadíssimos de ciência e fé, mas consegue nos conduzir com maestria na busca
por sentido. Fica uma bela passagem da conclusão do livro, como convite à essa
busca:
“Conforme caminhamos ao longo da praia do universo, deliciamo-nos com as pedrinhas e conchas que vemos à nossa volta, questionando o que elas significam. Precisamos levantar os olhos e ver o vasto oceano de sentido que repousa diante delas e do qual elas, em última análise, vieram. Pois as coisas deste mundo são apenas sinais e indicadores; e temos de deixa-las nos levarem à sua fonte.” (p. 180).
[1] Não
sei se foi um equívoco da tradução, ou do próprio autor, mas quando Tolkien escreveu
esse poema chamado “mythopeia” ele ainda não havia escrito Senhor dos Anéis;
nem mesmo o Hobbit, que viria a ser publicado em 1936.
Nenhum comentário:
Postar um comentário